“Não se fala sobre o assunto porque a vida dos indígenas não importa nesse momento”, diz antropóloga que estuda os Tiriyó; “vivemos um período anti-indígena e eles são considerados um obstáculo para o desenvolvimento do país”
Por Igor Carvalho
Um avião monomotor Minuano, de prefixo PT-RDZ, desapareceu no dia 2 de dezembro, um domingo, em área de difícil acesso na Floresta Amazônica, no Amapá. Além do piloto, havia sete indígenas entre os passageiros, cinco deles da etnia Tiriyó e dois Akuriyó. De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), o voo era clandestino, pois o trajeto que seria percorrido pelo piloto não foi registrado.
Já são onze dias de desaparecimento e o silêncio da mídia e do governo, federal e local, chama a atenção. Com raras exceções, os veículos de comunicação não trataram sobre o caso – que, em outras situações, viraria facilmente manchete. Para a antropóloga Denise Fajardo, pesquisadora no Instituto Iepé, a invisibilidade do caso não pode ser tratada de forma isolada:
– Não se fala sobre o assunto porque a vida dos indígenas não importa nesse momento, vivemos um período anti-indígena e eles são considerados um obstáculo para o desenvolvimento do país. Podemos traçar paralelos até com os meninos perdidos em uma caverna na Tailândia, que teve mais a atenção da imprensa.
A aeronave contratada pelos indígenas partiu do município de Laranjal do Jari e seguia para a Aldeia Mataware, no Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. A região de mata fechada, na fronteira com o Suriname, dificulta a busca das equipes da Força Aérea Brasileira (FAB), que não conseguem precisar a área de queda ou pouso forçado da aeronave, já que não há um registro formal do plano de voo. Desde então, não houve nenhum contato com o piloto ou passageiros.
A região da Aldeia Mataware só é acessível de canoa ou avião. A primeira opção pode demorar até quatro dias e a segunda custa caro. A locação de uma aeronave pode valer até R$ 3 mil por hora. De acordo com servidores da Funai, a família da etnia Tiriyó locou o avião para resolver problemas burocráticos e bancários em Macapá.
Denise Fajardo já esteve na Aldeia Mataware, onde estudou os Tiriyó, e viajou em aeronaves similares com a que está desaparecida. “Há diversos aviões na região que fazem esse trajeto, mas eu tenho o cuidado de saber quem estou contratando”, explica.
Servidores da Funai afirmam que é comum que voos adotem a altitude baixa para sobrevoar a região da Amazônia. “É um perigo, eles realizam voos rasantes para economizar gasolina e tempo”, afirmou uma fonte da entidade, que não quis revelar sua identidade. “O espaço para reação em caso de pane fica escasso e chovia demais na região no dia do desaparecimento”.
A antropóloga lembra que é comum que indígenas tenham de sair e voltar da aldeia “por questões particulares” e que os Tiriyó se sentem abandonados. “O Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque é uma pequena área que pertence à eles e foi onde o Estado os colocou, ou melhor, onde o Estado os isolou”, conta. “A região é de difícil acesso e não se fornecem meios de locomoção a essa população, que fica confinada lá na Aldeia.”
O nome Tiriyó foi dado “pelo homem branco, pelo Estado”, explica Denise. “São pouco conhecidos porque o Brasil desconhece os povos que habitam a região norte. Essa faixa de fronteira do extremo norte do país com o Suriname, até a década de 1950 era habitada pelos ancestrais dos Tiriyó. Eram ao menos 100 povos diferentes que habitavam essa faixa”.
Após um declínio populacional preocupante na década de 1960, quando chegaram a 300 pessoas, os Tiriyó retomaram o crescimento demográfico. “Nós fizemos levantamentos recentes na região e contabilizamos 2.760 pessoas vivendo em 50 Aldeias no Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque”, finaliza Denise. “Mas há diversidade de etnias na região”.