Diretores de associação pressionaram presidente da autarquia para liberar fiscalização; um deles, o inglês Leon Robert Weich, possui uma empresa com braço londrino, a Tradelink, que pagou só R$ 12 mil de um total de R$ 5 milhões em autuações recebidas desde 2010
Por Leonardo Fuhrmann e Alceu Luís Castilho
Os dirigentes da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Pará (Aimex) somam R$ 15,17 milhões em multas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) por desmatamento. As sanções foram aplicadas entre 2003 e 2018. Quase nada foi pago. Mesmo assim, a organização, que reúne 23 empresas do setor, fez um lobby junto ao atual presidente do Ibama, Eduardo Bim, para que ele liberasse a fiscalização. Com sucesso.
Eduardo Bim contrariou um laudo assinado por cinco técnicos de carreira do órgão e acabou com a necessidade de fiscalização ambiental para autorizar a exportação de cargas de madeira retirada das florestas do país.
Essa história tem uma conexão política adicional: a Aimex já foi presidida e controlada por um antigo deputado federal da época da ditadura, o falecido Elias Salame da Silva, que se tornou madeireiro. Ele já teve uma carga avaliada em mais de US$ 15 milhões de madeiras nobres apreendida pelo Ibama, e também aparece na lista de 4.600 mega desmatadores — os maiores dos últimos 25 anos — compilada pelo observatório na série De Olho nos Desmatadores.
E tem uma conexão internacional direta: a empresa mais multada está presente em cinco continentes e fornece pisos para uma gigante estadunidense do setor de construção.
O Ibama multou a Tradelink Madeiras — indústria que compra produtos de diversos fornecedores na Amazônia — em 2010 e 2017. Ao todo, as autuações somam R$ 4,9 milhões. Apenas algumas multas de 2017, no valor de R$ 12 mil, foram quitadas. Um dos sócios da empresa, o inglês Leon Robert Weich, é um dos sete membros do conselho de administração da Aimex.
Coincidentemente, a Tradelink foi condenada, em 2016, a pagar o mesmo valor, R$ 4,9 milhões, por causa do comércio de madeira ilegal. O processo movido pelo Ministério Público Federal informava que a empresa registrava fornecedores fantasmas e declarava ao Sistema de Comercialização e Transporte de Produtos Florestais (Sisflora) que realizara negociações que nunca ocorreram.
A madeireira foi beneficiada neste ano, no início de fevereiro, por uma decisão do superintendente do Ibama no Pará, Walter Mendes Magalhães Junior, como mostra outra reportagem do Intercept Brasil, publicada em fevereiro. Coronel aposentado da PM paulista, Magalhães emitiu licenças de exportação retroativas para legalizar o envio irregular de madeira da Amazônia ao exterior.
Leon Robert Weich representa no Brasil uma empresa chamada Tradelink Wood Products Ltd, com sede na Beethoven Street, em Londres. Na base de dados da Receita Federal ele aparece como sócio residente no exterior. Mais precisamente, no Reino Unido. Ele tem domicílio eleitoral na cidade de Sherlock Holmes.
O site internacional da Tradelink, em inglês, conta que a empresa tem escritórios em sete países: Canadá, China, França, Portugal, África do Sul, Reino Unido e Estados Unidos. O discurso ambiental da madeireira é afiado: ela possui certificações florestais FSC e PEFC e aderiu aos compromissos de responsabilidade comercial das madeireiras do Reino Unido (UK Timber Trades Responsible Purchasing Policy Commitments).
A empresa foi fundada em 1989, a partir da compra de madeira do Brasil e do Sudeste Asiático. Segundo a Tradelink, a divisão manufatureira, no Brasil, tornou-se uma produtora especializada em pisos e deckings, entre outros produtos de madeira com valor agregado. Os sócios eram funcionários da madeireira sul-africana Interwil.
Uma das clientes da Tradelink é a Lowe’s, segunda maior cadeia varejista de materiais de construção nos Estados Unidos. Segundo a Repórter Brasil, a Tradelink Madeiras já comprou produtos da Bonardi da Amazônia, madeireira flagrada em 2012 com nove pessoas em situação de trabalho escravo. O grupo alegou que visitara a serraria quatro meses antes e não encontrou irregularidades.
Um relatório de 2015 do Greenpeace conta que a Tradelink foi uma das empresas que compraram produtos da Madeireira Santo Antônio Eireli, que por sua vez tinha 95% de abastecimento da Agropecuária Santa Ifigênia, uma das suspeitas de esquentar madeira ilegal a partir de documentação oficial obtida de forma fraudulenta. Um dos planos de manejo administrados por essa serraria declarava níveis extremamente altos de ipê, para inclusão da madeira ilegal.
Após a publicação, pelo Intercept Brasil, da reportagem sobre licenças retroativas no Pará no governo Bolsonaro, o site foi procurado pelo diretor de compliance da Tradelink Wood Products, apresentado como Robbie Weich. Ou seja, Leon Robert Weich, conselheiro da Aimex. Ele disse que a associação — cuja versão já fazia parte do texto inicial — falaria em nome de sua empresa.
Ao todo, cinco empresas com participação direta na gestão da Aimex e o dirigente de uma delas receberam sanções milionárias por desmatamento. A empresa de um dos suplentes do conselho, o curitibano Ari Zugman, foi multada em R$ 1,27 milhão em 2003. É a Brascomp Compensados do Brasil, beneficiada pela prescrição de parte das multas de 2003, no valor de R$ 59 mil. Tanto a Brascomp como o braço brasileiro da Tradelink têm sede em Ananindeua (PA).
Um dos membros do conselho fiscal da Aimex, Geraldo da Silva Junior, representa a Madeireira Ideal, multada em R$ 1,02 milhões. O presidente do conselho fiscal da entidade, Arnaldo Andrade Betzel, é o único dos dirigentes a receber multas como pessoa física. Foram R$ 2,19 milhões, em 2018. Ele é sócio da Benevides Madeiras, que não recebeu multas milionárias como pessoa jurídica.
Todas as cifras nesta reportagem referem-se ao valor de face apresentado na base de dados do Ibama, não atualizado. A multa de R$ 1,27 milhão da Brascomp em 2003, por exemplo, só é menor que a de R$ 2,19 milhões de Betzel, de dois anos atrás, sem a correção monetária.
A Rondobel Indústria e Comércio de Madeira, autuada em R$ 4,03 milhões em 2010, tem dois representantes na direção da entidade: Vinícius Pelusso é suplente do conselho fiscal e Fernanda Belusso faz parte do conselho de administração. Outra empresa do grupo, a Rondobel Serviços Florestais, foi autuada em R$ 1,76 milhão em 2016.
Fernanda Belusso também aparece como dirigente da Confloresta, a outra organização que pressionou o presidente do Ibama por menos fiscalização. Essa associação foi criada oficialmente em dezembro de 2018, logo após a eleição do presidente Jair Bolsonaro. Em seu site não há informações de contato nem nomes das empresas representadas. Durante o ano passado, seus representantes fizeram diversas reuniões com os dirigentes do Serviço Florestal.
A relação do comando da Aimex com irregularidades no setor não é recente. A associação foi presidida durante quatro mandatos pelo ex-deputado estadual e federal paraense Elias Salame da Silva. Ele foi multado pelo Ibama em 2003, no valor de R$ 2,66 milhões. O empresário e político chegou a ser chamado para depor na CPI da Biopirataria em 2005, quando foi questionado sobre o sumiço de 14,5 mil metros cúbicos de madeira cortada ilegalmente.
Era um desdobramento da Operação Verde para Sempre, realizada pelo Ibama e pela Polícia Federal justamente no ano em que ele recebeu as multas, 2003, em Porto de Moz — município que, por sua vez, deu nome a outras operações relativas a crimes ambientais. Entre os 60 mil metros cúbicos de madeira apreendidas, 22 mil eram de Elias Salame.
Salame afirmou que o Ibama errou ao não nomear um fiel depositário para o produto. A devastação foi feita em áreas federais, inclusive terras indígenas. Avaliada em US$ 15 milhões, a carga apreendida incluía madeiras nobres como ipê, mogno brasileiro e cedro-rosa, as duas últimas consideradas vulneráveis pelo risco de extinção. A madeira estava em galpões de Salame e do madeireiro Paulo Pombo Tocantins, atual prefeito de Paragominas, pelo PSDB.
Durante a oitiva de Salame, a então deputada Thelma de Oliveira (PSDB-MT), que fazia perguntas em nome do relator, pediu o apoio de seguranças da Câmara por se sentir constrangida pelo depoente. Uma das perguntas que Salame deixou sem resposta foi o tamanho de suas propriedades. “Meu sócio adquiriu essas terras há 50 anos, aos poucos”, disse. “Eu não tenho como dizer quantos hectares são”.
Apesar de ter ficado distante da vida pública nas últimas décadas de vida, Salame, que também presidiu a Associação Comercial do Pará, manteve sua influência política. Tanto que o Senado aprovou um voto de pesar após sua morte, em 2009, a pedido do então senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA).
Foto principal: ato do Greenpeace, em 2014, contra exportações ilegais. (Marizilda Cruppe/Greenpeace)