Lobista de farmacêutica blindada por Hugo Motta foi sócio de sua esposa

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Primeiro vídeo investigativo da série De Olho nos Lobbies mostra a trajetória política do presidente da Câmara e como ele atrapalhou investigação contra a empresa Blau, que acumula mais de R$ 2 bilhões em contratos com o governo federal

Por Tonsk Fialho

Em 2017, uma compra emergencial de remédios feita pelo Ministério da Saúde, comandado por Ricardo Barros, levantou suspeitas de superfaturamento. A pasta contratou, sem licitação, medicamentos da empresa Blau Farmacêutica.

Sede da Blau Farmacêutica, em Cotia (SP). (Foto: Divulgação)

O caso foi amplamente divulgado na época. No Congresso, o deputado Jorge Solla (PT-BA) pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) para que investigasse o caso. A proposta de fiscalização, no entanto, foi obstruída através de manobras regimentais de Hugo Motta (Republicanos-PB), designado relator do caso. A atuação de Motta ajudou a blindar o aliado Ricardo Barros, que se tornaria coordenador de sua campanha à presidência da Câmara em 2025. Mas a história não para por aí.

Seis anos depois, em fevereiro de 2023, sua mulher Luana Medeiros Motta tornou-se sócia de Paulo Luis Moury Fernandes, responsável por gerir a área de Relações Governamentais da Blau Farmacêutica. Isto é, a esposa de Hugo Motta foi sócia do lobista da mesma empresa que o atual presidente da Câmara ajudou a blindar, como relator, em 2017.

A relação de Hugo Motta com o lobby da saúde é o tema do vídeo inaugural de uma cobertura especial chamada De Olho nos Lobbies. Durante 12 meses, o observatório investigará as relações entre empresas e parlamentares. Serão dezenas de vídeos, reportagens e relatórios, revelando as conexões pouco republicanas que ocorrem entre os setores público e privado.

Falaremos mais de Luana Motta e do clã Medeiros nos próximos vídeos da série, disponível em nosso canal no YouTube:

FAMÍLIA ADQUIRIU FAZENDAS E GADO APÓS SOCIEDADE COM LOBISTA

A Blau é uma empresa do bilionário Marcelo Hahn, dono de 82% das ações da farmacêutica, que teve receita líquida de R$ 1,75 bilhão em 2024. Entre 2013 e 2025, a Blau firmou R$ 2,2 bilhões em contratos junto ao governo federal.

As relações da empresa com a esposa de Hugo Motta passam por um aliado próximo ao deputado paraibano: Thiago Menezes de Lucena Claudino, ex-assessor de Motta.

Seu nome se tornou conhecido durante o episódio Jampa Digital, um projeto de internet gratuita na orla de João Pessoa que nunca saiu do papel. Claudino foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por peculato e lavagem de dinheiro, acusado de intermediar contatos entre empresários e políticos entre 2009 e 2010. Segundo a denúncia, mais de R$ 3 milhões foram desviados em contratos.

Em fevereiro de 2021, Thiago Claudino fundou a Paranoá Investimentos, com sede no Distrito Federal. Cinco meses depois, em julho, ele se tornava sócio, por meio da Paranoá, de uma empresa de seguros com sede na Avenida Faria Lima, em São Paulo, a Qualitycor Corretora de Seguros Ltda. Seu catálogo de produtos inclui seguros aeronáuticos, para obras de infraestrutura e transportes internacionais. Além de Claudino, figurava como sócio Paulo Moury Fernandes, lobista da Blau Farmacêutica.

Luana Motta se tornou sócia da Paranoá Investimentos em fevereiro de 2023. (Imagem: Reprodução/Jucis-DF)

Em fevereiro de 2021, Thiago Claudino fundou a Paranoá Investimentos, com sede no Distrito Federal. Cinco meses depois, em julho, ele se tornava sócio, por meio da Paranoá, de uma empresa de seguros com sede na Avenida Faria Lima, em São Paulo, a Qualitycor Corretora de Seguros Ltda. Além dele, figurava como sócio Paulo Moury Fernandes, lobista da Blau Farmacêutica.

A Paranoá Investimentos fez parte da sociedade com Moury Fernandes por três anos, entre 12 de julho de 2021 e 15 de outubro de 2024. Foi nesse intervalo, em 23 de fevereiro de 2023, que Thiago Claudino foi substituído na sociedade por ninguém menos que Luana Medeiros Motta, esposa do atual presidente da Câmara. Na época, ela ainda era funcionária comissionada da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), com um salário de R$ 17,8 mil.

Assim como Hugo Motta, Luana é herdeira de um importante clã político do sertão paraibano. Ela é sobrinha de Pedro Medeiros, que foi deputado estadual por quatro mandatos. Outro tio, Marcone Medeiros, foi prefeito de São João do Cariri, localizada a 125km de Patos, onde o pai de Hugo também é prefeito.

No mês seguinte à entrada de Luana na Paranoá Investimentos a família comprou um terreno em Patos por R$ 900 mil e uma fazenda de 287 hectares em Serraria (PB) por R$ 2,7 milhões. Essa última pertencia ao ex-senador Raimundo Lira, que doou R$ 40 mil para a campanha de Hugo Motta em 2022. As transações se deram por meio da empresa Medeiros & Medeiros, registrada em nome de Luana e dos filhos do casal.

Segundo a Agência Pública, em outubro de 2023, veio outra aquisição: Hugo Motta comprou 88 cabeças de gado do aliado Arthur Lira (PP-AL), então presidente da Câmara e articulador da própria sucessão.

LOBISTA DA BLAU RECEBEU R$ 162 MILHÕES EM CONTRATOS DA SAÚDE

Poucos meses depois do início da sociedade, duas novas peças dessa engrenagem entraram em cena: a Sagres Produtos Farmacêuticos e a Healths Garden Distribuidora de Medicamentos, empresas registradas em nome do próprio Moury Fernandes.

No dia 6 de outubro, o Ministério da Saúde realizou uma licitação para compra de alfaepoetina. A Blau levou quatro dos dez lotes, somando R$ 212,8 milhões. Outros cinco lotes foram arrematados pela Sagres Produtos Farmacêuticos, que participou como revendedora de medicamentos da Blau. A empresa de Moury Fernandes faturou mais R$ 73,5 milhões na licitação. Segundo um documento do Itaú, acessado por este observatório, a Sagres repassava à Blau praticamente todo o valor recebido do governo.

Thiago Claudino se tornou sócio da Qualitycor em julho de 2021. (Imagem: Reprodução/Jucesp)

No ano seguinte, em 2022, Moury venceu uma nova licitação do Ministério da Saúde para o fornecimento de alfaepoetina, dessa vez através de uma terceira empresa, a Healths Garden Produtos Farmacêuticos. O negócio já rendeu R$ 17 milhões em repasses públicos. Ao todo, entre 2021 e 2022, a Sagres e a Healths Garden receberam R$ 162 milhões em contratos junto ao Ministério da Saúde.

À época da assinatura dos contratos junto às empresas de Paulo Moury, a pasta era comandada pelo bolsonarista Marcelo Queiroga, médico paraibano que possui relação pessoal com Hugo Motta. O deputado chegou a citá-lo em um discurso na Câmara em 2012 e, em 25 de abril de 2017, dois dias antes da compra suspeita de superfaturamento, os dois prestaram juntos uma visita ao então ministro da Saúde Ricardo Barros.

A reportagem questionou Hugo Motta sobre a sociedade de sua esposa com o lobista da Blau Farmacêutica. A assessoria do deputado afirmou que a empresa “nunca teve atividade comercial” e que já estava encerrada. Até o envio das perguntas, não estava. A Qualitycor Corretora de Seguros foi encerrada no mesmo dia em que enviamos o pedido de informação. A íntegra das respostas pode ser conferida aqui.

Em resposta à reportagem, a Blau Farmacêutica afirmou que “não conhece a Sra. Luana Motta” e que Paulo Moury Fernandes “não é e nunca foi diretor da Blau”. Disse ainda que o processo no TCU foi arquivado em 2021 e que a contratação questionada foi julgada regular pelo tribunal de contas.

De fato perguntamos se ele era diretor. O lobista aparece em diversas reuniões oficiais como “relações governamentais” da empresa, sem a palavra diretor — inclusive junto ao vice-presidente Geraldo Alckmin, em 2023. A Blau não falou sobre o papel de Moury na companhia, nem comentou sua atuação por meio da Sagres Farmacêutica.

Confira a íntegra da resposta da Blau Farmacêutica aqui.

JUNTO A ALIADO, MOTTA BLINDOU EMPRESA E MINISTRO

Em 27 de abril de 2017, o Ministério da Saúde autorizou uma compra emergencial de R$ 63,5 milhões em alfaepoetina, um medicamento utilizado no tratamento de pacientes com câncer e insuficiência renal.

Ao contrário do que foi mencionado no vídeo, publicado em nosso canal no YouTube, o sobrepreço de 3.000% em relação aos valores praticados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) se referia a outro medicamento adquirido, em pregão, da Blau Farmacêutica: a ribavirina, utilizada no tratamento de hepatite C. No caso da alfaepoetina, os valores eram 19,7% mais altos que o preço médio de mercado atestado à época. O próprio Ministério da Saúde reconheceu o sobrepreço, justificando a aquisição devido à economia gerada em relação a compra de outros medicamentos.

Aliados, Wilson Filho e Hugo Motta atuaram para blindar farmacêutica. (Foto: Divulgação/Republicanos)

O episódio gerou questionamentos acerca da atuação do ministro Ricardo Barros. Um mês depois, no início de maio, Hugo Motta tomou a iniciativa de pedir informações ao Ministério da Saúde sobre a compra de medicamentos sem licitação, poucos dias antes do anúncio oficial do contrato. A manobra é conhecida na Câmara: um pedido de informação vindo de um aliado é mais inofensivo que uma proposta de fiscalização pela oposição.

No dia seguinte, seu pedido foi aprovado pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, à época presidida por Wilson Filho (Republicanos-PB). Wilsinho, como é conhecido, é filho do ex-deputado Wilson Santiago, que foi principal padrinho político de Motta na Paraíba. Ele também é cunhado de Thiago Claudino, o ex-assessor do atual presidente da Câmara que se retirou da sociedade com o lobista Moury Fernandes, da Blau, para dar lugar a Luana Motta. A relação entre eles é próxima: Hugo e sua esposa foram padrinhos no casamento de Claudino com Mayara Santiago, irmã de Wilsinho.

Na mesma semana, no dia 12 de maio, a compra de alfaepoetina junto à Blau Farmacêutica foi anunciada oficialmente. Logo em seguida, o deputado Jorge Solla (PT-BA), também médico, apresentou a Proposta de Fiscalização e Controle 116/2017, pedindo ao TCU uma auditoria sobre a compra. O medicamento, também conhecido como eritropoetina, seria importado da China pela Blau.

O texto questionava a atitude do governo de Michel Temer de ignorar a produção do mesmo medicamento pela Fiocruz. Enquanto o requerimento de Hugo Motta solicitava apenas alguns esclarecimentos, o de Solla pedia uma investigação dos contratos. A resposta de Ricardo Barros para o requerimento de Hugo Motta viria em setembro, remetida ao seu gabinete, sem repercussão por parte do deputado. Quanto à proposta de Jorge Solla, o então presidente da Comissão de Controle, Wilson Filho, indicou Hugo Motta para a relatoria.

Proposta de fiscalização de Jorge Solla (PT-BA) foi protelada por seis meses. (Foto: Agência Câmara)

No mesmo dia em que foi apontado relator, Hugo Motta devolveu o processo sem qualquer manifestação. A apuração parou ali. O cargo ficou, então, com o aliado Wilson Filho, que assumiu a relatoria. Somente em 15 de agosto, três meses depois, ele apresentou um parecer preliminar favorável à investigação.

No dia 8 de novembro, quando a comissão se preparava para votar o relatório de Wilsinho, o próprio Motta pediu vistas e adiou novamente a decisão. Duas semanas depois, em 29 de novembro de 2017, a votação voltou à pauta, mas acabou retirada de ofício pelo presidente da sessão — mais uma vez, Wilson Filho. Só em 13 de dezembro, após sucessivas manobras, a comissão conseguiu aprovar o relatório preliminar e encaminhar o caso ao Tribunal de Contas da União.

Três anos depois, em 2020, um relatório do ministro Augusto Sherman, do TCU, confirmou o sobrepreço de 19,7% e constatou que 368.880 frascos de alfaepoetina da Fiocruz estavam prontos para serem utilizados pelo governo mas foram descartados sem uso. Pelos danos ao erário, Sherman recomendou que ex-dirigentes de segundo escalão do Ministério da Saúde fossem inabilitados para ocupar cargos de comissão ou funções de confiança na administração pública. Após votação no plenário do TCU, os ministros acordaram em afastar a responsabilidade de todos os gestores. Saíram ilesos, incluindo Ricardo Barros.

O Acórdão decidiu pela continuidade da investigação para apurar as suspeitas de superfaturamento. Em 2025, em um Formulário de Referência, a Blau Farmacêutica classificou como “remoto” o risco de ser responsabilizada pelo episódio. A investigação encontra-se há cinco anos no Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU).

COBERTURA SOBRE LOBBIES SERÁ INTERATIVA E MULTISETORIAL

Série irá explorar conexões entre os setores público e privado

A investigação sobre lobbies tem sido um dos eixos centrais do De Olho nos Ruralistas. Ao longo de nove anos, publicamos reportagens e vídeos sobre dezenas parlamentares que compõem a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) — entre eles, o próprio Hugo Motta — e como eles se relacionam com o setor privado.

Desta vez iremos além. De Olho nos Lobbies falará de mineração, de farmacêuticas, de bancos, de bets e muito mais. Esses setores não estão isolados do território. Eles geram impactos nos rios, no ar, no solo e nas comunidades tradicionais — essas que raramente se veem representadas no Congresso. E costumam estar intimamente ligados ao agronegócio, seja quando os donos dessas empresas investem em fazendas ou empresas agropecuárias, ou pela articulação junto à bancada ruralista para flexibilização de regras ambientais, como no PL da Devastação.

Pela primeira vez no observatório, De Olho nos Lobbies será uma campanha interativa e aberta à participação do público. Nossos leitores e espectadores poderão enviar informações sobre os deputados e senadores de sua região para os nossos contatos ou pedir temas específicos. As sugestões podem ser enviadas para o email contato@deolhonosruralistas.com.br ou através de nossas redes sociais.

A proposta tem como objetivo acumular o máximo de informações para que, em outubro de 2026, cheguemos com um volume substancial de dados sobre um dos grandes nós da democracia brasileira.

Confira o vídeo da campanha De Olho nos Lobbies em nosso YouTube.

Atualização: a reportagem original publicada no YouTube contém uma imprecisão relativa ao medicamento no qual foi constatada suspeita de sobrepreço. O superfaturamento de 3.000% pelo deputado Jorge Solla (PT-BA) no Pedido de Fiscalização e Controle 116/2017 remetido ao Tribunal de Contas da União (TCU) em 2017 refere-se à ribavirina, e não à alfaepoetina. Os dois medicamentos foram adquiridas sem licitação junto à Blau Farmacêutica no mesmo período.

No caso da Alfaepoetina, o Relatório do Ministro Augusto Sherman (TCU – Processo nº 014.687/2017-8) identificou diferença entre o preço médio de mercado (R$ 22,85) e o valor pago à Blau (R$ 27,35), resultando em sobrepreço estimado de 19,7%, equivalente a R$ 13,58 milhões nos Contratos nº 55/2017 e nº 63/2017, ambos firmados com o Ministério da Saúde, sem licitação.

O acórdão determinou a autuação de processos apartados para apuração do possível sobrepreço e do descarte por parte da Fiocruz de 368.880 frascos do medicamento, prontos para uso, por perda de validade.

A menção ao percentual de 3.000% em relação à Alfaepoetina decorreu, portanto, de uma imprecisão na associação entre os dois medicamentos adquiridos no mesmo período.

Imagem em destaque (Reprodução/Instagram): esposa de Hugo Motta foi sócia de lobista da Blau Farmacêutica

| Tonsk Fialho é pesquisador e repórter do De Olho nos Ruralistas. |

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Observatório inicia investigação inédita sobre os parlamentares e seus lobbies

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