FPA destaca ruralistas “raiz” para alterações no Código Florestal

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Deforestation. (Aerial view).

Senado pode analisar nos próximos dias combo de projetos que enfraquece a legislação; dois dos autores, Irajá Abreu (PSD-TO) e Luis Carlos Heinze (PP-RS), concorrem aos governos do Tocantins e do Rio Grande do Sul, respectivamente, patrocinados pelo agronegócio

Por Mariana Franco Ramos

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) se articula para aprovar, no Senado, um combo de projetos que fragilizam o Código Florestal e anistiam desmatadores. Dois deles carregam assinaturas de expoentes da bancada. O PL 2.374/2020, do campeão de desmatamento Irajá Abreu (PSD-TO), e o PL 1.282/2019, de Luis Carlos Heinze (PP/RS), o arrozeiro negacionista, estavam na pauta da reunião da Comissão de Reforma Agrária e Agricultura (CRA) desta quinta-feira (19), que acabou adiada.

Heinze é pré-candidato ao governo do Rio Grande do Sul. (Foto: Facebook)

Ambos são considerados preocupantes por líderes e organizações ambientalistas. O PL 2.374 permite a regularização de propriedades rurais que não respeitem os limites mínimos de Reserva Legal em razão de supressões de vegetação nativa realizadas entre 22/07/2008 e 25/05/2012, data de promulgação do Código. Atualmente, essa compensação é permitida apenas para áreas consolidadas até 22 de julho de 2008. A relatora, Soraya Thronicke (União-MS), outra integrante da FPA, já deu o aval para a aprovação.

Pesquisadoras do Climate Policy Initiative (CPI), em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), identificaram que o texto promove uma anistia injustificada a um seleto grupo de médios e grandes produtores rurais, com impactos significativos na implementação da lei em todos os estados. Leia aqui a nota técnica.

O PL 1.282/2019 permite, nas áreas de preservação permanente (Apps) dos imóveis, a construção de reservatórios d’água para projetos de irrigação e a infraestrutura física a eles associada. Mais uma vez, a relatoria coube a um aliado do agronegócio: Esperidião Amin (PP-SC). O parecer foi igualmente favorável.

Irajá, filho de Kátia Abreu, quer governar o Tocantins. (Foto: Facebook)

Ao mesmo tempo em que os ruralistas, com o apoio do governo Bolsonaro, se apressam para “passar a boiada” antes das eleições, movimentos sociais e oposição fazem pressão para que as matérias sejam analisadas por outras comissões, além da CRA, e debatidas em audiências públicas, sem atropelo.

Com o adiamento da reunião, ganha-se tempo. Mas a qualquer momento as propostas podem voltar à ordem do dia, sozinhas ou acopladas. A FPA tem trabalhado com pacotes, contendo proposições semelhantes, em estágios de tramitação distintos. A estratégia também é utilizada nos PLs da Grilagem e do Licenciamento Ambiental.

Prestes a completar dez anos, o Código Florestal passa por um processo de implementação longo e conturbado, que avança de forma desigual entre os estados. E, segundo os estudos do CPI e da PUC-Rio, um dos maiores desafios é justamente a promoção da regularização ambiental dos imóveis rurais com passivos em Apps.

IRAJÁ FOI MULTADO EM R$ 130 MIL POR DESTRUIR ÁREA PRESERVADA

Tanto Irajá como Heinze disputarão as eleições de outubro sob a bênção de seus financiadores do agronegócio. O filho de Kátia Abreu, que segue os passos da mãe na política, quer ser governador do Tocantins, enquanto o arrozeiro busca suceder Ranolfo Vieira Júnior no Rio Grande do Sul (PSDB-RS).

Em suas fazendas, Irajá faz valer a fama de “Motosserra” da mãe. (Foto: Repórter Brasil)

Este observatório contou, em 2020, como Irajá Abreu — que fez alterações na MP da Grilagem — e família têm interesses diretos no mercado agrícola da região do Matopiba: “Texto de Irajá na MP da Grilagem beneficia negócios do padrasto“.

Na sua campanha para o Senado, Irajá recebeu R$ 30 mil do pecuarista Marcos de Alencastro Curado. Dono da Agropecuária Terra Bravia S/A, Curado foi denunciado em 2006 pelo desvio de R$ 8,5 milhões da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) em Tocantins, como De Olho nos Ruralistas mostrou em reportagem de 2018.

Também proprietário rural no Tocantins, Frederico de Toledo Gottheiner contribuiu com R$ 10 mil para a campanha do herdeiro da “motoserra de ouro”. Ele é um dos sócios da Bosque Belo, criadora de bois da raça wagyu, com base em Boituva (SP) e Aquidauana (MS).

A fazenda de Irajá foi embargada e multada em R$ 130 mil pelo desmatamento de vegetação em área de preservação permanente, ocorrido em 2010. No ano seguinte, ele apresentou o projeto de lei 2.163/2011, pedindo o fim do licenciamento ambiental para empreendimentos agropecuários ou florestais.

Kátia deve concorrer à reeleição. Recentemente, ela confidenciou a interlocutores que contaria com o apoio do ex-presidente Lula no pleito de outubro. A notícia foi publicada pelo colunista Guilherme Amado, do Metrópoles. Com Professora Dorinha (União Brasil-TO), Vanderlei Luxemburgo (PSB-TO) e Marcelo Miranda (MDB-TO) também no páreo, a disputa pela única cadeira do Tocantins no Senado promete ser acirrada.

Ruralistas em reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-RO). (Foto: Divulgação/FPA)

GAÚCHO ASSUMIU LINHA DE FRENTE DO BOLSONARISMO NA PANDEMIA

Negacionista do clima, negacionista do vírus, negacionista da diversidade, Heinze ganhou um perfil do observatório em 2021. Ele é a mais completa expressão do alinhamento do agronegócio ao governo genocida de Bolsonaro. “Quilombolas, índios, gays, lésbicas, tudo que não presta”, disse o então deputado, em 2014.

Naquele mesmo ano, em enumeração similar, incluiu os sem-terra. Primeiro, em uma audiência pública no Rio Grande do Sul. Depois, no autointitulado Leilão da Resistência no Mato Grosso do Sul, quando ruralistas se juntaram numa espécie de vaquinha virtual para financiar advogados e milícia armada contra os indígenas.

Na última terça-feira (17), Heinze foi um dos responsáveis pela aprovação do PLS 214/2015, de autoria de Alvaro Dias (Podemos-PR), que retira da lista de atividades poluidoras a silvicultura. “Trata-se de uma conquista histórica”, comemorou o gaúcho. A atividade estuda o manejo de florestas para extração de matérias-primas, como resinas, celulose e a própria madeira. A matéria agora segue para apreciação da Câmara.

Os cinco principais doadores do senador na campanha de 2018 são poderosos nomes do setor: Odílio Balbinotti Filho, do Grupo Atto, produtor de sementes transgênicas; Jorge Luiz Silva Logemann e Eduardo Silva Logemann, da gigante da soja SLC Agrícola; Rubens Ometto Silveira Mello, o dono da Cosan, e Wanda Ines Riedi, da I.Reidi, produtora de sementes e insumos.

O quarto vídeo da série De Olho no Congresso, “Heinze, o negacionista”, mostra para quem e como trabalha o político.

PROPOSTAS EM TRAMITAÇÃO NA CÂMARA PODEM AGRAVAR CRISE HÍDRICA

Na Câmara, a preocupação é com os PLs 2.294/2019, de autoria do deputado Zé Vitor (PL-MG), e 2.168/2021, protocolado pelo deputado Jose Mário Schreiner (DEM-GO). Eles apresentam propostas semelhantes com o mesmo objetivo, ressalvada uma diferença: no primeiro, há a exigência da outorga do direito de uso da água, constante no parecer de Evair de Melo (PP-ES), aprovado na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS).

As matérias acrescentam represamento de cursos d’água para “irrigação e dessedentação” entre as atividades excepcionalmente consideradas de utilidade pública com fins de intervenção em áreas de preservação permanente. De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), as medidas podem ocasionar novos desmatamentos, agravar as crises hídrica e energética e conflitar com os instrumentos de regulação, planejamento e gestão dos recursos hídricos brasileiros, gerando impactos negativos para a agricultura familiar, pequenos produtores e até mesmo o abastecimento das cidades e o consumo humano.

A organização assina uma nota técnica em conjunto com a Fundação SOS Mata Atlântica e o Observatório do Clima. “Se cada proprietário rural puder arbitrar, indiscriminadamente, se suprime ou não a vegetação de suas áreas de preservação permanente e se deve ou não represar os cursos d’água de suas propriedades, conforme a demanda de suas culturas agrícolas, o que veremos, afinal, é a ampliação dos conflitos pelo uso da água, já em franca ascensão”, diz trecho.

| Mariana Franco Ramos é jornalista. |

Foto principal (CPI/PUC-Rio): às vésperas de completar dez anos, Código Florestal ganha de presente do Senado proposta para conceder anistia a desmatadores 

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