Los hermanos contra os agrotóxicos

Argentinos lutam em várias frentes contra devastação provocada pelos agroquímicos; crianças de escolas rurais são atingidas

Por Inês Castilho

Os fatos se sucedem na Argentina, e parecem ter no Tribunal Monsanto um polo irradiador. Depois de denunciada no Tribunal, uma pesquisa que comprova a relação entre câncer e agroquímicos foi censurada e gerou solidariedade em outros países. Estudo da mesma universidade anunciou a comprovação dos efeitos tóxicos do glifosato para o sistema nervoso. Expostas no Tribunal, as fotografias de “O custo humano dos agrotóxicos”, de Pablo Ernesto Piovano, sobre as ‘zonas fumigadas’, ganhou prêmio internacional.

E mais. Uma fábrica da Monsanto foi fechada. Uma caravana contra os agrotóxicos foi armada por vizinhos autoconvocados que se definem como “vítimas de envenenamento por viver em pueblos fumigados com agrotóxicos”. A morte por intoxicação de uma criança está sendo julgada.

CENSURA AOS ACAMPAMENTOS SANITÁRIOS

O médico Damián Verzeñassi acabava de voltar da Holanda, onde relatara ao Tribunal Internacional Monsanto as pesquisas realizadas por sua equipe na Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, demonstrando a relação existente entre expansão do uso de agrotóxicos e a tendência a contrair câncer na população rural. Foi quando soube que estava impedido de acessar os dados da pesquisa, trancados com corrente e cadeado pelo decano da Faculdade de Ciências Médicas, à qual ele e sua equipe estão ligados. A reação da comunidade acadêmica e dos movimentos sociais fez os dados serem liberados.

Verzeñassi e sua equipe realizam pesquisas em acampamentos sanitários nas regiões de cultivo de soja transgênicas, fumigadas por agrotóxicos – além da cuenca sojera, as províncias do Chaco, Santiago Del Estero, Salta e Formosa. Desde 2010, já alcançaram com os acampamentos 96.800 pessoas que vivem em 27 localidades de quatro províncias argentinas. Desse encontro entre quem vive nas localidades de menos de 10 mil habitantes e dos estudantes e docentes da universidade pública foram surgindo dados que permitiram à equipe de Verzañassi identificar as enfermidades e seu comportamento nos últimos 20 anos: hipotireoidismo, doenças respiratórias, malformações congênitas, abortos espontâneos, diferentes tipos de câncer.

SOJA EM GRANDE ESCALA

“Quando estudamos o que tinham em comum, vimos que eram vilarejos em regiões onde se começou a produzir soja em grande escala há 20 anos”, diz o médico. Essa foi exatamente a época em que a soja transgênica entrou no país. “As doenças que prevalecem nesses territórios, segundo os dados observados, coincidem com os problemas de saúde associados aos agrotóxicos, de uso obrigatório no pacote de transgênicos”.

O mapa de saúde dos vilarejos fumigados revela grandes diferenças com o mapa epidemiológico nacional da Argentina, demonstra a pesquisa.  Em nível nacional, a primeira causa de morte são os problemas cardiovasculares, enquanto nessas regiões um terço dos óbitos ocorre por alguma forma de câncer – o que representa cerca de 50% a mais que no resto do país.

Os últimos dados parciais revelados pela equipe de Verzeñassi, em 2015, sobre a localidade de San Salvador (Entre Ríos), mostram que, entre 2000 e 2014, 80 dos domicílios visitados relataram 84 casos de câncer diagnosticados, dos quais 46,4% ocorridos nos últimos cinco anos.

“Chama a atenção que a escalada de perseguições surja quando estou de licença participando do Tribunal em Haia, e membros da nossa equipe tenham falado aos meios de comunicação sobre o mapa do câncer na região”, observou Verzañassi, que recebeu apoio de vários setores da sociedade argentina e internacional. Seus estudos vêm sendo apresentados como prova em juízo em congressos, nacionais e internacionais, e requisitados por autoridades científicas. O caso repercutiu também na Itália, consumidora da soja argentina.

ESCOLAS RURAIS

As escolas rurais são diretamente afetadas pelas fumigações. Como no Brasil, onde o caso de Rio Verde, a 200 km de Goiânia, foi registrado no filme Pontal do Buriti – brincando na chuva de veneno.

Feitas em horário de aula e sem aviso prévio, causam doenças de pele e das vias respiratórias, vômitos e problemas gastrointestinais em crianças e adultos. Na região de Entre Ríos, as fumigações vêm atingindo 82 escolas, com cerca de 2.500 alunos, 450 professores e 80 funcionários. No departamento de Uruguay são 15 escolas, das 28 pesquisadas. E em Gualeguaychú, 19 entre as 23 escolas visitadas sofreram fumigações. O mesmo ocorre em Córdoba, onde há 1500 escolas a menos de um quilômetro de campos fumigados, com 12 mil alunos e 900 professores. “Parem de fumigar a escolas”, diziam cartazes de associações de docentes, padres e ambientalistas que se mobilizam contra essa prática.

O país é o terceiro maior produtor de soja transgênica do mundo, com 60,8 milhões de toneladas na safra 2014/2015, perdendo apenas para o Brasil (94,5 milhões de toneladas) e os Estados Unidos (108 milhões de toneladas), em números absolutos.

CIENTISTA ESTUDA GLIFOSATO

A Argentina foi o primeiro país latino-americano a aprovar o cultivo de sementes transgênicas. Vinte anos depois, é um dos maiores produtores de soja geneticamente modificada do mundo, e um dos países com mais aplicação de agrotóxicos – atrás apenas dos Estados Unidos e do Brasil. O mais usado é o glifosato, conhecido como “mata mato” ou Roundup , da multinacional Monsanto. É o veneno mais comercializado em escala global, por sua suposta inocuidade.

Contudo, pesquisa desenvolvida pela professora Silvana Rosso na Faculdade de Ciências Bioquímicas e Farmacêuticas da Universidade Nacional de Rosário – a mesma onde os dados dos “acampamentos sanitários” foram censurados – traz luz ao debate acerca dos efeitos sinistros do glifosato para o desenvolvimento animal e humano. Mesmo em doses menores que aquelas a que os humanos estão expostos, o glifosato produz efeitos citotóxicos e altera a constituição do DNA, comprovou o estudo.

Durante cinco anos, a equipe da professora avaliou os efeitos do glifosato sobre o desenvolvimento e função do sistema nervoso de mamíferos expostos ao veneno no período de gestação, usando como modelo animal fêmeas de ratos, cujo sistema nervoso é semelhante ao humano.

“Observamos, por meio de testes comportamentais realizados em laboratório com animais que foram expostos ao glifosato durante o período de gestação, sinais de neurotoxicidade manifestados por alterações na capacidade de respostas reflexas, diminuição na atividade motora, na aprendizagem e na memória, e que essas alterações são irreversíveis”, diz Silvana Rosso.

IMPACTO NA SAÚDE

Em 2015, a Agência Internacional do Câncer (Iarc), que pertence à Organização Mundial de Saúde (OMS), recategorizou o glifosato como “provavelmente cancerígeno”. Mas nesse mesmo ano a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar desautorizou a Iarc: considera que o glifosato não é nem carcinogênico nem mutagênico.

Em 29 de junho de 2015, um mês depois que a OMS e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) publicaram um estudo conjunto sustentando que o glifosato não é cancerígeno, a Comissão Europeia renovou a permissão de uso do glifosato no continente até o último dia de 2017. Até então, a Agência Europeia de Produtos Químicos terá, espera-se, uma conclusão definitiva sobre o efeito dessa substância sobre as pessoas.

No Brasil, o Ministério Público Federal reforçou o pedido de banimento do glifosato por ser um produto cancerígeno. O herbicida 2.4D também é proibido em vários países do mundo. Ambos são muito utilizados no Brasil e na Argentina.

A EXPLOSÃO DO CONSUMO

O consumo do glifosato na Argentina saltou dos 30 milhões de litros/ano em 1996 – quando foi aprovado o uso de transgênicos no país – para 400 milhões em 2016, apontam estudos da Universidade Nacional da Plata. Foram pulverizados mais de 24,5 milhões de hectares, cerca de 60% da área cultivada do país. Isso significa um aumento de maisde 1000 % em duas décadas.

No Brasil, o aumento foi de um terço em cinco anos, de 120 mil toneladas em 2010 para quase 195 mil em 2014, conforme dados apresentados pela pesquisadora Sonia Corina Hess, professora da UFSC. “Glifosato e transgênico vão juntos. A indústria convenceu todo o mundo que o veneno não é venenoso. Mas quem faz os testes é a indústria”, alertou ela, na Audiência Pública sobre Agrotóxicos que criou o Forum Paulista contra os Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos, no fim de agosto.

Também o pesquisador da Fiocruz Marcelo Firpo, que esteve no Tribunal Monsanto representando a Abrasco, alerta para a invisibilidade do problema: “Temos anualmente 400 mil casos de intoxicação e 4 mil mortes relacionadas com os pesticidas no Brasil. O Tribunal é de grande relevância para os países da América Latina”.

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