Juiz determina despejo de 300 famílias para criar mega-latifúndio na Bahia

Com 340 mil ha, terreno equivale a duas vezes o município de SP; região tem 1.060 camponeses e é responsável por 15% da produção

A decisão liminar do juiz Sérgio Humberto de Quadros Sampaio pode expulsar 300 famílias de camponeses para a criação de um dos maiores latifúndios do país. A disputa dura três décadas e envolve uma área de 340 mil hectares – equivalente a duas vezes o tamanho do município de São Paulo. As propriedades, situadas em Formosa do Rio Preto, no oeste da Bahia, produzem atualmente 1,1 milhão de grãos e fibras por ano, 15% da produção na região. Quem se beneficia com a reintegração? José Valter Dias, que alega ser o único proprietário da área, informou o jornal Gazeta do Povo nesta segunda-feira (10/04).

A decisão gerou revolta, levando um grupo de camponeses a fazer um protesto na BA-225. No piquete, que durou cerca de 1h30, os camponeses utilizaram máquinas agrícolas para fechar a rodovia. Para a Associação dos Produtores Rurais da Chapada das Mangabeiras (Aprochama), a medida é “ilegal, absurda e sem precedentes”.

Reprodução / Rede Bahia

Esta é a segunda vez que o juiz da comarca de Formosa do Rio Preto concedeu a reintegração de posse em favor de José Valter Dias. Em 19 de setembro de 2016, o magistrado assinou uma portaria administrativa para a retirada dos camponeses. Porém, em novembro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) concedeu uma liminar em favor das famílias que recorreram, suspendendo a reintegração, com a justificativa de que ela não poderia ter sido concedida pela via administrativa.

O advogado da Aprochama, Leonardo Lamachia, declarou ao G1 que:

– O que está em pauta neste processo não é o tema de grilagem, não se está discutindo regularização fundiária, o que há, nesta região, são inúmeros, centenas de produtores rurais de boa fé e trabalhadores que há anos desenvolvem suas atividades de forma íntegra e que adquiriram regularmente suas propriedades, com o aval do Estado. Esses produtores não podem ser confundidos com pessoas que podem ter agido ilegalmente para obter outras áreas de terras naquela região.

De acordo com a associação, os camponeses adquiriram as terras por meio do programa de incentivo de cooperação técnica elaborado entre os governo do Brasil e do Japão, o Programa Nipo-Brasileiro para Desenvolvimento do Cerrado (Prodecer II). A associação afirma, ainda, que a produção da região emprega 1.060 pessoas diretamente com a produção de soja, milho, feijão e algodão. E que a renda oriunda de salários e encargos sociais pagos pelos agricultores é superior a R$ 56 milhões por ano.

Confira o tamanho da área revindicada / Gazeta do Povo

Na região há também três multinacionais, a Bunge, a Cargill e a Amaggi/Dreyfus (uma aliança entre o grupo francês e a empresa do ministro da Agricultura, Blairo Maggi), que, assim como os camponeses, compraram as terras. A soma dos investimentos em infraestrutura nesta propriedade chega a R$ 6,2 bilhões.

Para Edson Fernando Zago, presidente da Aprochama, a região se desenvolveu graças ao trabalho dos camponeses:

– Agora, sem ao menos serem ouvidos e sem serem réus no processo são surpreendentemente intimados a se retirarem da terra que dá o sustento para suas famílias. Confiamos que instâncias superiores da justiça corrijam esta arbitrariedade.

Segundo o Atlas Agropecuário, lançado pelo Imaflora em parceria com o GeoLab, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), o nordeste é a segunda região onde se concentram mais latifúndios no Brasil, em 41% das terras da região. Atrás apenas do Centro-Oeste, com 75%.

Reprodução / Brasil de Fato

Na terça-feira (11), o presidente da Comissão de Agricultura da Bahia, o deputado estadual Eduardo Sales (PP-BA), se reuniu com o secretário de Segurança Pública do Estado, Maurício Barbosa, e com representantes dos camponeses para pedir reforço na segurança depois que capangas armados rondaram a região para intimidar os camponeses. Barbosa garantiu que enviará reforço para impedir o conflito.

OUTRO LADO

A Gazeta do Povo e o G1 não conseguiram contato com o juiz Sérgio Humberto de Quadros Sampaio. Em nota, o advogado de José Valter Dias disse que a ação envolve grilagem em suas terras.

Compartilhe:

Sair da versão mobile