Cortes no Censo Agropecuário vão atingir produtores como Pedro, 60 anos

Ele vive em assentamento no interior de SP e tem as mãos rachadas pelo uso de agrotóxicos; IBGE passa a ignorar, em 2017, a produção com venenos

Por Izabela Sanchez

Pedro Angelo Mazin tem 60 anos e vive no assentamento Pasto do Planalto, em Guarantã, interior de São Paulo. Ele é uma das pessoas responsáveis, no Brasil, por levar alimentos às mesas dos brasileiros. Nas estufas, Pedro cultiva pimentão e tomate. No assentamento – que antes era um latifúndio de 10 mil alqueires e hoje abriga 27 famílias – ele também produz leite. Quem chega cedinho na casa desse produtor é recebido com café fresco, ali produzido.

A vida dele, no entanto, enfrenta batalhas. Com pouco incentivo do poder público, Pedro e outros milhares de camponeses Brasil afora resistem para continuar. Mas a resistência dele vai além. O pequeno produtor quer diminuir a abrangência dos agrotóxicos na rotina de quem lida com estufas e produção para o mercado interno.

Desde os 14 anos ele esteve próximo dos venenos que pulverizava. Hoje, sofre com rachaduras nas duas mãos. A opinião médica: culpa dos agrotóxicos. Esse tipo de realidade, no entanto, corre o risco de passar despercebida aos olhos do governo federal e de toda a sociedade. Isso porque o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciou que diversas questões relacionadas à agricultura familiar serão suprimidas do Censo Agropecuário 2017.

A pesquisa começa a ser aplicada em outubro. Entre as questões que ficam de fora está a que permite entender como está a relação entre os agrotóxicos e a agricultura familiar, ou camponesa. Assediados por agrônomos que representam o lobby das empresas dos venenos e com nenhum fomento à produção alternativa, o que Pedro relata é a dificuldade para se livrar dos agrotóxicos:

– O movimento sempre briga contra o uso indiscriminado. Eu procuro evitar, mas muitas vezes não tem como, pra fazer agricultura orgânica precisaríamos de um apoio do governo. No começo quase não tinha [agrotóxicos], depois que começou a aparecer estufa, que é uma renda – porque toda semana a gente entrega pra mercado -, aí começou a aumentar. Tem gente que usa indiscriminadamente, até produtos proibidos. Nem pensar, porque acaba com tudo, até com as minhocas.

Pedro conta que começou a lidar com os venenos quando trabalhava em uma plantação de algodão. “Eu mexi muito com veneno, desde os anos 1970 eu já pulverizava algodão e usava até venenos proibidos”, descreve. “Eu tenho até sequela, eu tenho uma rachadura nas mãos. Quando chega no inverno começa a rachar. Eu fui em um monte de dermatologista e me disseram que eu tinha resíduo no sangue”.

CRIANÇAS TAMBÉM SÃO AFETADAS

É o que também explica Susana Prizendt, coordenadora do Comitê Paulista da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Ela diz que a utilização dos agrotóxicos na agricultura camponesa, embora ocorra em menos intensidade do que nas grandes monoculturas, causa impactos violentos em diversas esferas: “Em primeiro lugar, esse uso traz graves problemas de saúde para os integrantes de toda a família, já que os agricultores não conseguem atender aos padrões, exigidos por lei, em relação aos equipamentos de segurança e à estrutura para armazenagem e descarte dos agrotóxicos”.

Além do contato direto na hora de aplicação, relata Susana, há o contato devido à contaminação do solo, da água e do ambiente em geral, expondo todos os camponeses às substâncias tóxicas. “As mulheres costumam sofrer com um contato extra”, observa, “ao assumirem a tarefa de lavagem de roupas e equipamentos usados para pulverização”. Ela conta que as crianças e mesmo os animais correm riscos de intoxicação por causa da falta de condições de segurança.

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, e utiliza diversos venenos vetados em outros países. A preocupação com a incidência dos agrotóxicos na agricultura brasileira foi recentemente divulgada pelo Ministério da Saúde, no relatório nacional 2016 do programa de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos.

AO REDOR DO ASSENTAMENTO, SOJA

Outra questão que tem preocupado Pedro Mazin é o aumento de lavouras de soja no entorno do assentamento. De acordo com ele, nos últimos dois anos a monocultura aumentou na região:

– Tem um vizinho plantando soja e com isso aumenta as pragas, porque eles passam um veneno forte lá. Aumentou a mosca branca, e não consegue controlar. Eu ouço falar de outras pessoas doentes, porque é uma coisa que aparece em longo prazo. Em outros assentamentos tem um pessoal com câncer.

Para ele, os cortes no Censo mostram que o governo federal quer favorecer apenas as empresas e o agronegócio. “Governo não quer saber de agricultura familiar”, diz. “Falta um apoio do Estado, um estímulo pra não usar o produto. É mais caro produzir sem e muita gente não tem as informações. A gente tenta, mas nem sempre consegue, porque não adianta a gente não usar e o vizinho não controlar”.

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