Cerca de 28 organizações denunciam na Comissão Interamericana de Direitos Humanos os retrocessos nos direitos dos povos indígenas
Por Izabela Sanchez
Cerca de 28 organizações de apoio aos povos indígenas denunciam o Brasil, nesta quarta-feira (24/05), na Organização dos Estados Americanos (OEA). O grupo entrega em Buenos Aires um documento com as denúncias, durante uma audiência – “Mudanças em políticas públicas e leis sobre povos indígenas e quilombolas no Brasil” – com o secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Paulo Abrão.
As denúncias à Comissão relatam os ataques no campo e o desmonte da Fundação Nacional do Índio (Funai). O país pode ser julgado e condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, já que é signatário e fundador da OEA.
O documento discute o atual governo e destaca legendas como PSC, PP e PMDB por protagonizarem retrocessos. E observa que o tema foi objeto de vasta análise pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, que realizou missão em 2016 para levantar a situação dos direitos humanos dos povos indígenas nos Estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul:
– O Conselho Nacional de Direitos Humanos identificou um padrão de violações e conflitos exacerbados, travados por políticos que têm como bandeira a negação dos direitos indígenas, o que se repete em diversas regiões do país, notadamente Sul, Nordeste e Centro-Oeste.
DESMONTE DA FUNAI
O documento elaborado pelas organizações explica que hoje a Funai tem 2.142 funcionários, em contraste com o total de cargos autorizados pelo Ministério do Planejamento: 5.965.
Os grupos criticam a nomeação do deputado federal Osmar Serraglio (PMDB) para o Ministério da Justiça, que coordena a Funai, e relembram que ele foi relator da Proposta de Emenda Constitucional 215 (PEC 215), cujo objetivo é transferir do Executivo para o Legislativo a palavra final sobre demarcações de territórios indígenas, quilombolas e unidades de conservação ambiental.
Assessor jurídico da Articulação dos povos indígenas do Brasil (Apib), o Terena Luiz Eloy lembra que a OEA já foi acionada diversas vezes. Mas desta vez as organizações dão destaque aos retrocessos nas políticas públicas. “Uma das temáticas que sensibilizaram a Comissão foi justamente esses retrocessos de direitos”, conta. “A audiência foi solicitada com foco nas mudanças de políticas públicas e legislativas que estão afetando os povos indígenas”.
O advogado Terena lembra que o país é signatário do pacto São José da Costa Rica, assinado em 22 de novembro de 1969 e ratificado em setembro de 1992. Para Luiz Henrique Eloy, enquanto vários Estados americanos avançam na proteção de direitos humanos “o Estado brasileiro está indo na contramão, está retrocedendo”.
GOVERNO RURALISTA
Luiz Henrique Eloy diz que hoje não há bancada ruralista, mas governo ruralista:
– Eles tomaram conta de todas as instâncias. Direitos que já foram conquistados e consagrados na Constituição Federal hoje estão sendo ameaçados, diante de interesses políticos e econômicos de classes dominantes no Brasil.
O documento observa que as demarcações de terra no Brasil estão paralisadas desde 2012, e a Funai se arrasta para concluir cerca de 241 processos. Para as organizações, a questão ocorre pela relação de cumplicidade entre o agronegócio, o governo federal e os governos estaduais.
Os defensores de direitos também destacam a tese do marco temporal, jurisprudência consolidada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após o julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Esse entendimento jurídico afirma que só podem ser demarcadas as terras que tiveram efetiva ocupação indígena no ano da promulgação da Constituição, em 1988.
As organizações afirmam que a tese tem sido tomada como parâmetro pelo governo, desde 2013, o que identificam como um ponto crítico. Elas dizem que as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol e a tese do marco temporal passaram a orientar a Advocacia Geral da União no sentido de limitar a defesa judicial dos direitos indígenas. E isso leva a um cenário jurídico altamente desfavorável:
– Nos últimos anos também cresceu o número de ordens judiciais determinando o despejo de comunidades indígenas de suas próprias terras, a paralisação e até a anulação de processos de demarcação de terras, com base na tese do marco temporal, mesmo que em contextos totalmente distintos da Raposa Serra do Sol.