Enquanto Polaco não se apresenta à Justiça, madeira de sua empresa, a Cedrorana, chega à Georgia, nos EUA; ele é acusado de mandar matar nove camponeses no MT
Por Alceu Luís Castilho e Izabela Sanchez
Ele é o nome por trás do ataque que assassinou nove camponeses em Colniza (MT), norte do Mato Grosso, no dia 19 de abril, segundo o Ministério Público Estadual de Mato Grosso (MPE-MT). O madeireiro Valdelir João de Souza, ou Polaco, 41 anos, é dono de duas empresas de extração e venda de madeiras e produtos derivados. Enquanto estava foragido, no dia 20 de maio, os produtos de suas madeireiras, a Cedroarana, em Machadinho D’Oeste (RO), chegavam no estado da Georgia, nos Estados Unidos.
Polaco pode estar escondido da Justiça, mas as transações comerciais seguem normalmente. De Olho nos Ruralistas identificou uma venda de 24 toneladas de madeira da árvore muiracatiara, que saiu de Machadinho D’Oeste e chegou até o Porto de Savannah, na Georgia (na foto principal), no dia 20 de maio. O Ministério Público Estadual de Mato Grosso (MPE-MT) denunciou Souza por homicídio qualificado e por formação de milícia privada no dia 15 de maio.
Ele é considerado, pela Promotoria de Justiça de Colniza, o mandante da chacina, mas está foragido desde então. A exportação de madeira passou pelo Porto de Paranaguá (PR) e por Cartagena, na Colômbia. O observatório identificou a transação internacional – encomendada pela importadora Tiger Deck, do estado de Oregon – em plena ausência do madeireiro perante a Justiça de seu país.
Outro carregamento de madeira muiracatiara chegou em Seattle, no dia 12 de abril, nos Estados Unidos, estado de Washington, passando por Navegantes (SC) e, novamente, por Cartagena. Dessa vez eram 20 toneladas. O destinatário inicial da carga era novamente a Tiger Deck, mas ela foi comprada por uma empresa de Mobile, no Alabama. Mas o vendedor era outro madeireiro de Machadinho D’Oeste, Cícero Emmanuel Durski Santos, da Cidemad – sem relação com o massacre de Colniza, onde a empresa tem filial.
ROTA DA MADEIRA
As madeireiras de Souza, em Machadinho D’Oeste, em Rondônia, e em Colniza, no Mato Grosso, estão no centro de uma das maiores rotas de comércio de madeira do país. O acusado de comandar a chacina já foi multado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em quase R$ 1 milhão, por extração ilegal de madeira.
A muiracatiara, nativa do Brasil, é uma árvore da espécie conhecida popularmente como aroeira. É considerada uma madeira durável.
Um membro do Greenpeace que atua na Amazônia, Rômulo Batista, conta que é muito fácil driblar o sistema de licenciamento, hoje nas mãos dos governos estaduais. A madeira exportada por Souza, explicou, tem provável rota terrestre. De Machadinho D’Oeste para Porto Velho, de lá para Cuiabá, em seguida para Brasília, depois para o Porto de Paranaguá, no Paraná. A partir daí, rota internacional para Cartagena, na Colômbia. Até o destino final, nos Estados Unidos.
O ativista explica que o nome de Polaco já é conhecido na região, e pode estar relacionado com outros crimes contra povos do campo em Rondônia:
– É uma região já bem conflituosa, não é a primeira vez que pequenos agricultores são expulsos da região e há indícios de que essas mesmas pessoas estão envolvidas em casos de violência lá em Rondônia.
Ele lembra que Rondônia é um dos estados onde há mais violência – e assassinatos – no campo. “A região [Machadinho D’Oeste] é bastante conflitiva e você vê uma baixa atuação do poder público”, afirma. “Esses assassinatos na Amazônia você sofre com a não solução e às vezes a não investigação dos casos”.
Para explicar a facilidade com que os madeireiros atuam na região, Rômulo faz uma analogia com uma conta bancária. Quando o madeireiro pede o licenciamento para extração e é aprovado, os dados ficam cadastrados em um sistema:
– Eles dão a licença de operação do plano, isso vai pra um sistema, onde esses créditos são debitados em uma conta individual. Então se você fraudou esse primeiro passo a sua conta vai estar superinchada e a pessoa não tem, às vezes, nem o interesse de explorar a área que licenciou. A única coisa que ele faz é mandar esses créditos, por exemplo, pra uma serraria, que já tem essa madeira tirada de outro lugar.
São diversas as estratégias para fraudar o sistema, esclarece o campaigner do Greenpeace. Além de retirar a madeira de lugares não licenciados, os empresários também superestimam a quantidade de tipos de madeira que tenham valores mais altos: “Por exemplo, Ipê, Cedro, Maçaranduba, madeiras com um alto valor comercial. É o Estado que está licenciando, então é uma licença menos rigorosa”.
FAMÍLIAS ESTÃO ABANDONADAS
Segundo a assessoria de imprensa do MPE-MT, três pessoas foram presas até agora após o massacre de Colniza: Pedro Ramos Nogueira, o Doca; Paulo Neves Nogueira, sobrinho de Doca e Moisés Ferreira de Souza, ex-sargento da Polícia Militar do Estado de Rondônia. Souza, o Polaco, é considerado pela Promotoria de Justiça o líder de um grupo intitulado “encapuzados”. “Conhecidos na região como guaxebas, matadores de aluguel, com a finalidade de praticar ameaças e homicídios”.
Assim pontua a denúncia:
– A motivação dos crimes seria extrair recursos naturais dessas terras e consequentemente os envolvidos no crime se apossariam delas, bem como para assustar os moradores e expulsá-los das terras futuramente. Apurou-se que “Polaco” é intermediado por “Doca” na passagem das madeiras extraídas de maneira ilegal das grilagens de terras feitas por bando armado atuante na região e já teve boa parte de seus maquinários queimados pelo Ibama, há quase dois anos.
Enquanto está foragido, as famílias que sobreviveram ao ataque ao assentamento onde ocorreu o massacre, em Taquaruçu do Norte, vivem na miséria. É o que relata o coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Mato Grosso, Cristiano Cabral.
Ele explica que o choque das mortes violentas desestruturou as famílias. E conta que a morte por miséria, ou em decorrência do trabalho exaustivo, não é algo incomum para os posseiros. Mas a violência do ataque desestruturou por completo a comunidade onde as famílias viviam de forma pacífica há muitos anos.
Segundo Cabral, as viúvas dos agricultores mortos estão completamente desassistidas pelo Estado:
– Pra uma mulher solteira, miserável e com quatro filhos nas costas, arrumar trabalho é complicado, então continuamos a pressionar o Estado para resolver a questão da terra para esses grupos ali, pra esses posseiros da região inteira. Porque não é só esse grupo, são diversas posses em Colniza e em quase todas elas há conflito grave, ameaças, perseguições, pistolagem, então é uma situação muito violenta em vários sentidos.
Cabral explica que a pistolagem diária na região não chama a atenção das autoridades, muitas vezes envolvidas diretamente com os crimes. E que o caso só ganhou repercussão por ter vitimado nove pessoas de uma vez. Segundo ele, ataques isolados ocorrem diariamente contra os posseiros.
E quem pressiona o conflito, pontua o coordenador na CPT, é o agronegócio. Os madeireiros, em parte a mineração, ainda em seu início, e a pecuária:
– É a pressão que a soja está fazendo. Porque a soja chegou num limite do médio norte do Mato Grosso, e eles estão subindo, e ao subir empurram a pecuária e os madeireiros mais pra cima. Esse povo que estava vivendo em suas posses, sem problema nenhum, começou agora a ter problema, porque a grilagem tem a força de policiais, ex-policiais, deputados e os fazendeiros empresários, então começaram a entrar numa área que os posseiros já estavam há muito tempo.
OUTRO LADO
O advogado das empresas, Ricardo Spinelli, afirmou ao De Olho nos Ruralistas que Souza nunca compactuou com qualquer tipo de ilícito, “sempre agindo dentro da lei e nunca tendo respondido a processo de qualquer natureza”. Ele prossegue:
– As empresas têm como atividade a exploração de manejos florestais, com unidades em Mato Grosso e Rondônia, onde geram inúmeros empregos [mais de 105 funcionários], sempre procedendo com o recolhimento do tributo respectivo, inclusive com controle rígido de suas atividades, nunca se furtando a qualquer encargo ou responsabilidade, seja de cunho moral ou profissional.
O advogado nega o envolvimento do madeireiro na chacina. “Os fatos ventilados não correspondem com a verdade, acreditando seriamente que tudo será devidamente esclarecido, dentro do devido processo legal, afirmando pela inocência do senhor Valdelir João de Souza, pois não cometeu qualquer tipo de infração, confiando na justiça deste país, onde a verdade será restabelecida”.