Indígena também recebeu ameaça de leitor em jornal; segundo ele, reunião entre fazendeiros e policiais em Itabuna determinou que agentes forjariam envolvimento de sua família com o tráfico de drogas; episódio reforça tensão e violência no sul da Bahia
Por Igor Carvalho
O cacique Rosivaldo Ferreira da Silva, o Babau, líder do povo Tupinambá na Bahia, denunciou na última sexta-feira (08/02) ao Ministério Público Federal que ele e sua família são alvos de um plano para assassiná-lo. De acordo com o indígena, ele foi formulado em uma reunião entre fazendeiros e policiais civis e militares da região de Ilhéus, que teria ocorrido em um hotel de Itabuna, no sul do estado.
O esquema consistia em assassinar Babau, seus três irmãos e duas sobrinhas após uma blitz de trânsito. Em seguida seria forjada uma troca de tiros entre os indígenas e os policiais, fazendo parecer que o motivo teria sido tráfico de drogas. Para isso seriam plantados diversos entorpecentes no veículo da família. Os agentes chamariam depois a TV Record e passariam essa versão.
Folha e G1 divulgaram a denúncia de Babau. O líder Tupinambá atendeu duas vezes a reportagem do De Olho nos Ruralistas por telefone, de Brasília.
“Eu e minha família nunca mexemos com droga, queriam que o Brasil acreditasse que somos traficantes e iam nos assassinar”, afirma o cacique. “Quem luta pelos direitos do nosso povo nesse país está correndo risco de vida. O que fizeram comigo é uma covardia. Eu seria assassinado duas vezes, acabariam com a minha honra. Na nossa aldeia, ninguém usa droga e nem mexe com isso”.
O plano foi levado até Babau por um integrante da reunião entre fazendeiros e policiais. De acordo com essa testemunha, a morte do cacique deveria ser providenciada “agora”. Segundo Babau, a conjuntura política do país facilita:
– Bolsonaro passou a campanha inteira falando mal de indígenas, dizendo que não teremos nenhum centímetro de terra, que os fazendeiros deve se armar contra a gente. Deixaram claro, desde que assumiram, que não respeitam os indígenas e os fazendeiros se sentiram no direito de vir pra cima e nos matar. O discurso desse presidente será responsável por muita morte ainda.
A notícia repercutiu em sites e blogs da região. Em um deles, o Verdinho de Itabuna, a nota que informa as ameaças ao cacique recebeu mais de setenta comentários, em sua maioria ofensivos ao indígena. Um deles, escrito por um leitor anônimo, foi encaminhado ao MPF: “Vou arrancar a cabeça desse safado. Esperem pra ver, ele não chega em junho. Vai ser festa aqui em Buerarema. Estamos armados até os dentes. Babau, o seu fim já está escrito, ou você some ou vai cair no aço. Serão mais de cem tiros de escopeta na cara”.
As ameaças relatadas agora são resultado de uma longa batalha, travada por Babau desde 2000, para reconhecimento da Terra Indígena (TI) Tupinambá de Olivença. O processo está paralisado desde 2016, em seu último estágio, a publicação da portaria declaratória dos limites do território, expedido pelo Ministério da Justiça.
Ao todo, 4.600 indígenas vivem no território de 47 mil hectares, que incide nos municípios de Ilhéus, Una, Buerarema e São José da Vitória. Em 19 anos de luta dos Tupinambá o cacique já foi preso quatro vezes por comandar as retomadas em áreas que, segundo os indígenas, foram invadidas por fazendeiros.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) reconheceu em 2009 os 47 mil hectares como área pertencente ao povo Tupinambá. Cinco anos antes, em 2004, quando começaram os estudos de demarcação e identificação, os indígenas começaram a retomar propriedades rurais na região. Por conta da morosidade do Ministério da Justiça, em junho de 2013 dez fazendas foram ocupadas. Somente na aldeia Serra do Padeiro houve a retomada de 89 fazendas.
Em novembro de 2013, três indígenas foram assassinados brutalmente dentro da TI: Ademilson Vieira dos Santos, Agenor Monteiro de Souza e Aurino Santos Calazans. Os assassinos, quatro homens de moto, de acordo com testemunhas, não foram identificados. Esses são alguns entre dezenas de assassinatos ocorridos nos últimos anos, segundo o movimento indígena.
Em 26 de novembro de 2016, o tupinambá Luiz Viana de Lima, de 54 anos, foi emboscado quando retornava para a aldeia Serra do Padeiro, de moto, e assassinado com vários tiros. Luizão Tupinambá, como era conhecido, era uma das lideranças da aldeia. Em junho de 2018, os Tupinambá foram recebidos por Torquato Jardim, então ministro da Justiça, e pediram segurança para os indígenas no sul da Bahia.
Entre os integrantes da reunião, Babau aponta Abiel Santos, presidente da Associação de Pequenos Produtores Rurais de Ilhéus, Una e Buerarema (Aspaiub) e Alfredo Falcão, proprietário da Fazenda Serra das Palmeiras, que já foi vice-presidente da Aspaiub. A propriedade na TI Tupinambá de Olivença foi palco de diversos conflitos entre o fazendeiro e o povo Tupinambá.
Em maio de 2015, Abiel Santos, na condição de presidente da Aspaiub, foi recebido pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Na reunião, o produtor rural pediu para que o magistrado intercedesse em favor dos fazendeiros na região de Ilhéus, Una e Buerarema. O dirigente da categoria reclamava do processo de demarcação da TI Tupinambá de Olivença.
Em 2017, durante seu voto sobre duas ações civis a respeito da legalidade da demarcação de terras indígenas, Gilmar Mendes deu o seguinte parecer:
– Eu vivo em Brasília desde os anos 70 e nunca vi índio por aqui. Agora apareceram os índios do Nordeste. É razoável isso? Quem vai ao sul da Bahia sabe dos conflitos que lá se instalaram. Estive em Ilhéus. Fiquei impressionado com índios de variadas ordens, vi gente andando de motocicleta, alguns negros, brancos, louros, todos se autodeclarando índios. O que é mais conveniente: ser sem-terra ou ser índio? Tem que debater com seriedade e não estimular os engodos e enganos.
Em 2014, procuradores do Ministério Público Federal em Ilhéus apresentaram uma ação civil pública pedindo à Justiça que determinasse prazos para a decisão sobre a homologação, ou não, da TI Tupinambá de Olivença. O consenso entre os agentes do MPF era de a morosidade do processo era determinante para a violência na região de Una, Buerarema e Ilhéus.
Na noite da terça-feira, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, recebeu em Brasília o cacique Babau e uma comitiva do povo Tupinambá. De acordo com o cacique, a reunião deve ter outros desmembramentos. “Por enquanto, nada de efetivo pode ser dito, não houve nenhuma medida tomada, mas devemos conversar outra vez.”
Em nota enviada ao De Olho nos Ruralistas, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) informou que as investigações de crimes ocorridos dentro de áreas indígenas são conduzidas pela Polícia Federal. Reforça que denúncias referentes às condutas inadequadas de policiais civis e militares devem ser direcionadas para as corregedorias: “Até então, nenhuma corregedoria vinculada à SSP recebeu qualquer registro sobre ameaças policiais envolvendo indígenas.”
Até o fechamento desta reportagem, não foi possível contatar a Associação de Pequenos Produtores Rurais de Ilhéus, Una e Buerarema (Aspaiub) e Alfredo Falcão, proprietário da Fazenda Serra das Palmeiras.