Grupo que representa quase três décadas da gestão ambiental do país divulga carta com críticas à atual administração e pede mudança de rota nas ações do governo; Marina Silva, Sarney Filho e outros “ex” dizem que guinada na governança prejudica também o agronegócio
Por Priscilla Arroyo
Desmonte foi a palavra mais utilizada por sete ex-ministros do Meio Ambiente para descrever a atual gestão da política socioambiental no Brasil. Em uma reunião histórica, que aconteceu nesta quarta-feira (08/05) no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), o grupo criticou as ações tomadas pelo governo de Jair Bolsonaro e o atual encarregado da pasta, Ricardo Salles, que, segundo sua avaliação, esvaziam a capacidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA) de formular e implementar políticas públicas.
A transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura e da Agência Nacional de Águas (ANA) para o Ministério do Desenvolvimento são alguns exemplos. Houve também severos cortes de recursos. No Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o orçamento foi encolhido em 24%, o que não cobre nem as despesas fixas. A verba separada para a Política Nacional sobre Mudança do Clima, por sua vez, foi encolhida em 96% – dos R$ 11,8 milhões alocados, restaram apenas R$ 500 mil para que o MMA atenda compromissos já assumidos.
A reunião dos ex-ministros, seguida de coletiva de imprensa, terminou às 14 horas. Cerca de uma hora depois, Salles respondeu às críticas pelo Twitter, por onde divulgou uma carta-resposta do MMA na qual se coloca de maneira pontual em relação a algumas críticas. Ele afirma que a ANA foi transferida para o Ministério do Desenvolvimento para “viabilizar a construção de políticas públicas e marcos regulatórios” e que mantém o compromisso “no combate ao desmatamento ilegal, com ações efetivas e não meramente retóricas”.
Para o grupo de ex-ministros, o desmonte do MMA decorre do alinhamento explícito de Ricardo Salles com o setor agropecuário. “Tudo aquilo que o agronegócio deseja, o ministério faz”, afirmou José Sarney Filho, ministro de 1999 a 2002, no governo de Fernando Henrique Cardoso, e também em 2016, no governo de Michel Temer. “Essa é a política de governo”. Antes de assumir a pasta, Salles foi diretor jurídico da Sociedade Rural Brasileira (SRB), um dos principais grupos de lobby do setor, que prontamente divulgou uma nota de apoio ao ministro de Bolsonaro.
Ministro durante o governo de FHC, em 2002, José Carlos Carvalho resumiu o problema: “Em pleno regime democrático, estamos voltando à estrutura anterior à democracia”. Em sua avaliação, o que hoje pode parecer beneficiar o agronegócio poderá criar problemas mais à frente. “Tudo isso que está sendo praticado tende a promover insegurança jurídica no futuro”.
O prognóstico é compartilhado por Marina Silva, ministra de 2003 a 2008, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e candidata à presidência em 2014 e 2018. Durante sua fala, ela demonstrou preocupação com o risco de um aumento descontrolado do desmatamento na Amazônia e reforçou a importância do setor privado na discussão. “O setor empresarial precisa se diferenciar sob pena de pagarem um preço alto”, disse, ao se referir à possibilidade de a União Europeia e o Japão colocarem salvaguardas para produtos brasileiros por conta da falta de compromisso com questões ambientais e climáticas.
Segundo os ex-ministros, truculência é outra marca da atual gestão. Edson Duarte, ministro de Temer que passou o bastão para Ricardo Salles, disse que, pela primeira vez desde a criação do MMA, não houve processo de transição. “Começamos a fazer esse trabalho, mas o esforço foi perdido por uma decisão do Salles”. Ele ressalta que os avanços conquistados no setor por “todas as administrações passadas” estão ameaçados. Existe, inclusive, segundo Duarte, a possibilidade do Fundo Amazônia deixar de existir em 2020.
Para Carlos Minc, que chefiou a pasta entre 2008 e 2010, a forma como Salles conduz o MMA é insustentável. “Nós todos aqui temos nossas diferenças políticas, ideológicas, de prioridades, mas nunca nenhum de nós ousou nas nossas gestões desmontar o ICMBio, o Ibama, propor a extinção de parques ou até a revisão de terras indígenas já demarcadas e homologadas”, afirmou.
Na avaliação de Izabella Teixeira, que liderou o MMA de 2010 até 2016, durante as gestões de Lula e Dilma Rousseff, há um profundo despreparo dos atuais líderes para tratar com o setor: “Minha sensação é que as pessoas do governo desconhecem a dinâmica da agenda nacional, federal e internacional do meio ambiente, são mundos distintos. Então simplificam coisas a partir de visões estreitas e de ausência de prática, o que apequena o Brasil”.
O objetivo do grupo de ex-ministros ao tornar pública essa carta de intenções é fazer um apelo para que a sociedade se mobilize e pressione o governo a mudar a rota das suas ações. “Vamos buscar o apoio dos presidentes dos poderes legislativos – Câmara e Senado – do Supremo Tribunal Federal e da Procuradoria Geral da República”, afirmou Rubens Ricupero, ministro de 1993 a 1994, durante o governo de Itamar Franco.
O documento foi assinado também por Gustavo Krause, ministro do Desenvolvimento Urbano e do Meio Ambiente entre 1995 e 1999, durante a gestão FHC. Ele não compareceu à reunião por problemas de saúde.