Camponesas e trabalhadoras rurais farão marcha nos dias 13 e 14 de agosto, rumo a Brasília, contra as novas regras da aposentadoria rural e a violência que virá com flexibilização do porte de armas; financiamento coletivo arrecada fundos para o encontro
Por Priscilla Arroyo
Uma das primeiras mulheres a presidir um sindicato no Brasil era negra e camponesa. Durante mais de uma década, Margarida Maria Alves batalhou para que os direitos trabalhistas urbanos valessem também para o campo. Teve êxito, mas a luta custou sua vida. A mando de usineiros, foi morta em 12 de agosto de 1983 com um tiro, na porta da sua casa, na Paraíba.
Sua trajetória de conquistas é inspiração para milhares de mulheres. A cada quatro anos, desde 2000, elas marcham pelas ruas de Brasília para defender os seus direitos. Neste ano, a sexta edição da Marcha das Margaridas, que acontece nos dias 13 e 14 de agosto, terá como lema a “Luta por um Brasil com soberania popular, democracia, justiça e livre de violência”.
A perda de direitos com as mudanças propostas na aposentadoria rural é um fator que diminui um importante direito social das trabalhadoras do campo e, por isso, essa será uma das principais bandeiras do ato. O texto da nova previdência, que tramita no Congresso, iguala a idade mínima para homens e mulheres terem direito à aposentadoria. Hoje, as mulheres param de trabalhar aos 55 e os homens, aos 60.
A alteração seria um retrocesso, especialmente para as trabalhadoras, que têm carga extra de trabalho por conta do acúmulo do trabalho doméstico. “Essa regra é a principal política que reconhece a desigualdade de gênero no campo”, diz Mazé Moraes, diretora da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), entidade responsável pelo encontro, do qual participam mais 27 federações e 4 mil sindicatos.
Outro tema a ser destacado no ato é a posição contrária das Margaridas em relação à flexibilização do porte e posse de armas, conforme decretou o presidente Jair Bolsonaro em janeiro. A nova regra autoriza moradores do campo com mais de 25 anos a comprar armamento de qualquer calibre, inclusive espingardas e carabinas. “Isso tende a aumentar a violência nas áreas rurais”, afirma Mazé.
Junto com essa proposta, o presidente sinalizou que pretende propor a isenção de punição ao proprietário rural que atirar em um invasor. As novas normas tendem a acirrar conflitos e a aumentar as agressões domésticas no meio rural. Somente no ano passado, 482 mulheres foram vítimas de violência em decorrência de conflitos agrários, um aumento de 377% em relação a 2017.
O encontro deve reunir 100 mil mulheres do campo e da floresta em Brasília. Parte do financiamento do evento virá, pela primeira vez, de uma “vaquinha” coletiva virtual. A iniciativa já arrecadou mais de R$ 37 mil, ou 47% da meta de R$ 80 mil, o que significa a garantia da participação de 2.400 mulheres. No You Tube, a atriz Letícia Sabatella faz campanha em prol da marcha.
“Pela experiência de outros movimentos sociais, o financiamento coletivo aumenta o engajamento, por isso decidimos testar”, diz Mazé. A doação mínima é de R$ 20. Com R$ 100 é possível levar três Margaridas ao encontro. As colaborações serão aceitas até 2 de julho. A arrecadação é uma pequena parte do orçamento geral do evento, valor próximo de R$ 5 milhões.
Para alcançar essa cifra, as mulheres seguem a tradição que nasceu no primeiro ato: vender camisetas, artesanatos e outros produtos em feiras e bazares. O comércio conta também com a colaboração das organizações que compõe a marcha. No Nordeste, a Federação de Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape) mantém dois pontos de venda dos produtos em Recife, nos bairros de Boa Vista e Madalena. As peças custam entre 3 e 20 reais e são adornadas por frases e imagens ligada à luta das mulheres.
Na véspera de sua morte, a sindicalista Margarida Maria Alves estava triste e cabisbaixa. Nem parecia a mulher expressiva que todos conheciam. Depois de mais de dez anoz à frente do Sindicato Rural de Alagoa Grande, ela ajudara a promover mais de 600 ações trabalhistas contra usineiros e donos de engenhos na região da Paraíba. A militância elevou a ira dos poderosos e Margarida virou alvo e ameças por telefonemas e cartas. Mas fugir não estava nos seus planos. Foi assassinada com um tiro no rosto na porta da sua casa, diante do marido e do filho, há 36 anos. Em homenagem às suas conquistas, a frase “é melhor morrer na luta do que morrer de fome” foi escrita na fachada da residência, onde permanece até hoje.
Além de vantagens legais, há um ganho de poder subjetivo. “O acesso à terra pelas mulheres às confere um melhor poder de barganhar com os homens (…), o que tende a implicar na diminuição de casos de violência doméstica”, escreve Fernanda Folster de Paula, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) no artigo “Titulação conjunta da terra e o protagonismo das mulheres na conquista de direitos no campo”.