Com empresas vinculadas a políticos ruralistas, setor de grãos deve R$ 23,6 bilhões à União

Equivalente a três quartos do orçamento da agricultura familiar para 2019/20, dívida de sojeiros e outros produtores de grãos inclui ruralistas e offshores; do Paraguai à Amazônia, grupos endividados controlam terras

Por Bruno Stankevicius Bassi

Apesar de representar cerca de 55% da produção agrícola brasileira, quando o assunto é a participação no estoque de dívidas ativas da União o setor de grãos, cereais e oleaginosas tem um peso inferior ao da indústria da carne e do complexo da cana, já retratados na série De Olho nas Dívidas.

Somadas, as 5.617 empresas do setor acumulam uma dívida total de R$ 23,6 bilhões, de acordo com o levantamento realizado pelo De Olho Nos Ruralistas utilizando dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) colhidos em 19 de junho. O valor equivale a 75% do orçamento destinado ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) no Plano Safra 2019/2020, de R$ 31,2 bi.

O cálculo usa a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), conforme declaração feita pelas próprias empresas. Isso inclui setores que vão do cultivo de soja (0115-6), cereais (0111-3), algodão (0112-1), café (0134-2) e oleaginosas (0116-4) ao beneficiamento de grãos (grupo 10.6 e CNAEs 1041-4 e 10.42-2), passando pelo comércio atacadista de soja e de óleos e gorduras vegetais (4622-2 e sub-classe 4637-1/03).

A conta não inclui fazendeiros e outros proprietários individuais que não possuem CNPJ constituído, como é o caso de Aparecida Paxeco Sennas Lopes e Thomezio Chelli, os dois maiores devedores do Imposto Territorial Rural (ITR) que, juntos, somam R$ 2,9 bilhões em passivos.

ENTRE LÍDERES DA LISTA, CASOS DE FRAUDES FISCAIS E OFFSHORES

A relação de devedores do setor de grãos é liderada por uma ilustre desconhecida. Com sede em Itu (SP), a Milano Agro Industrial Importadora e Exportadora Ltda deve, sozinha, R$ 1,6 bilhão à União, quase o dobro do valor devido pelo segundo colocado, o Moinho Água Branca S.A., com R$ 845 milhões.

Com falência decretada em 2018, a Milano pertence à offshore Engrow Holdings, registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, e representada no Brasil por Roberto Sávio. A Engrow aparece na base de dados do Panama Papers como um dos 214 mil clientes do escritório de advocacia Mossack Fonseca, epicentro do escândalo de sonegação de impostos e outros crimes fiscais revelado em 2016 pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos.

Grupo Sina foi alvo de operação contra fraudes fiscais em 2013. (Foto: Divulgação)

Na sequência, aparecem quatro empresas ligadas ao Grupo Sina, um dos principais esmagadores de soja do estado de São Paulo, com quatro unidades de processamento de óleo e produção de 36 mil toneladas/mês. Juntas, Dov Óleos Vegetais, Sina Indústria de Óleos Vegetais, Multioleos e Sina Indústria de Alimentos devem R$ 2,5 bilhões. Mais abaixo na lista, outra empresa do grupo, a Faróleo Indústria e Comércio de Óleos Ltda, surge com um passivo de R$ 518 mil.

Em 2013, o conglomerado capitaneado por Nemr Abdul Massih foi alvo da Operação Yellow, que apurava fraudes fiscais de R$ 2,7 bilhões cometidas por meio da criação de créditos fictícios de ICMS. Um dia antes da operação, em 21 de abril, um fiscal da Secretaria da Fazenda – que integrava a força-tarefa junto ao Ministério Público Estadual e à Polícia Civil – ligou a um advogado do Grupo Sina alertando sobre a iminência da prisão de Massih e seus sócios. “Vão fritar em óleo quente”, avisou, sem saber que a ligação estava sendo interceptada. Massih permaneceu foragido até a revogação da prisão, em julho.

Abaixo do Grupo Sina vem outra esmagadora de grãos, a Clarion Agroindustrial, com uma dívida de R$ 422 milhões. Com sede em Cuiabá (MT), a companhia possui outras cinco empresas na relação de devedores – Rubi S.A. Comércio, Indústria e Agricultura, Agropecuária Varjão Ltda, Parati Agroindustrial e Comercial Ltda e duas subsidiárias da Clarion – que, juntas, somam um passivo de R$ 1,3 bilhão. Mas as dívidas não se restringem ao setor de grãos.

O grupo comandado pela família Ferrari também é dono da Dail S.A. Destilaria de Álcool Ibaiti, em recuperação judicial, devedora de R$ 583 milhões. Em seguida vêm Manacá S.A. Armazéns Gerais e Administração (R$ 520 mi), Manacá Agropecuária Ltda (R$ 519 mi), RPL Investimentos e Participações Ltda (R$ 423 mi), Manacá Transportes (R$ 430 mi), Imperial Agro Pecuária Mineração e Participações Ltda (R$ 423 mi), Agroindustrial e Mineração Diacal Ltda (R$ 427 mi) e Matax Comércio de Produtos Agrícolas Ltda (R$ 379 mi).

Valor total? R$ 3,7 bilhões, sem incluir as dívidas pessoais dos sócios, como a de Reno Ferrari Filho. Em 2017, ele acumulava multas de R$ 158 milhões com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

EMPRESAS DE POLÍTICOS RURALISTAS INTEGRAM A LISTA

Empresas do ex-deputado Dilceu Sperafico devem R$ 129 mi. (Foto: Ananda Borges/Agência Câmara)

Na nona posição entre os maiores devedores do setor aparece a Granja Bretanhas S.A. Apesar do nome, ela pertence ao grupo arrozeiro do ex-deputado federal Érico da Silva Ribeiro (PP-RS) – considerado, nos anos 1990, o maior produtor individual de arroz do mundo. O grupo inclui a Granja Mangueira Agro Pecuária S.A. e a Cooperativa Arrozeira Extremo Sul Ltda. Juntas, as três empresas devem R$ 1,1 bilhão.

Em 2006, Ribeiro foi acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) pela apropriação indébita da contribuição previdenciária de funcionários do Frigorífico Extremo Sul. Na mesma acusação figuram Fernando Schild Ribeiro e Milton Martins Moraes Filho, sócios do político nas empresas de arroz.

Mais conhecido que o colega pepista, Dilceu Sperafico (PP-PR) aparece na lista com a Sperafico Agroindustrial Ltda e a Sperafico da Amazônia S.A., somando R$ 129 milhões em dívidas. Aposentado em 2018, após seis mandatos consecutivos na Câmara, o paranaense foi um dos membros mais ativos da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e autor do polêmico Projeto de Lei de Proteção de Cultivares (PL 827/2015), que pretende limitar a produção, distribuição, comercialização e troca de sementes protegidas por agricultores, incluindo os familiares.

Em 2017, Sperafico foi apontado como um dos “padrinhos”de Gil Bueno de Magalhães, denunciado durante a Operação Carne Fraca por receber vantagens indevidas pagas por empresas sujeitas a inspeção sanitária pela Superintendência Federal da Agricultura no Paraná (SFA/PR). À época, o ex-deputado afirmou ter indicado Gil pois ele “sempre foi atencioso e preocupado com as questões da área”.

Durante falência, Grupo Diplomata protagonizou escândalo dos “frangos canibais”. (Foto: Reprodução/Facebook)

A bancarrota do Grupo Sperafico, considerado, até 2008, um dos maiores produtores de trigo do país, propiciou a entrada no mercado brasileiro da Glencore, braço agrícola da mineradora anglo-suíça de mesmo nome, por meio da compra de 45 armazéns de estocagem e cinco unidades de esmagamento de soja pertencentes à família do ex-deputado. Apesar da aposentadoria, Sperafico conseguiu eleger em 2018 um substituto na Câmara, o deputado José Carlos Schiavinato (PP-PR).

Outro ruralista paranaense do bloco dos aposentados é Alfredo Kaefer (PSL-PR). Ele aparece na relação de devedores com a Diplomata Industrial e Comercial S.A., fabricante de ração animal, que soma um passivo de R$ 105 milhões. Somando os débitos de empresas de outros setores, a dívida do político – o mais rico do Congresso nas eleições de 2014 – alcança os R$ 838 milhões.

Kaefer se tornou nacionalmente conhecido quando, em 2013, com a recuperaçao judicial do grupo, 500 mil aves no sudoeste do Paraná não receberam ração. Mais de 12 mil pintinhos morreram de fome e frangos começaram a praticar canibalismo. Criadores de Capanema e Xaxim soltaram aves para que procurassem comida no entorno. Em 2018, três trabalhadores morreram após uma explosão em uma das máquinas da Dip Frangos S.A.

SÓCIOS DA CARAMURU POSSUEM TERRAS NO PARAGUAI

Garoto-propaganda da Previdência, Ratinho deve R$ 76 mi. (Foto: Divulgação/SBT)

Também fazem parte da lista de devedores do setor de grãos empresas conhecidas como a multinacional Bunge, com um passivo de R$ 123 milhões. A empresa está entre as financiadoras indiretas da FPA no Congresso, por meio do aporte das associações mantenedoras do Instituto Pensar Agro, instituição que presta suporte técnico ao braço institucional da bancada ruralista.

Além dela, aparecem também a Terra Santa Agro S.A., ex-Vanguarda Agro, dona de 143 mil hectares no Mato Grosso, com uma dívida de R$ 137 milhões; a Urbano Agroindustrial Ltda, proprietária da marca de arroz Urbano, com R$ 106 milhões; e a Agropastoril Café no Bule Ltda, com R$ 76 milhões, pertencente ao apresentador Ratinho, recém-contratado pelo governo federal como garoto-propaganda da reforma da Previdência.

Dona de uma dívida tributária de R$ 161 milhões, a Caramuru Alimentos S.A. também compõem esse bolo. Conhecida pela marca Sinhá (óleo, fubá, farofa, sopão, coco ralado, entre outros produtos) e de outras onze no segmento industrial, o grupo possui 73 armazéns distribuídos entre Paraná, Goiás, Mato Grosso e São Paulo, além de cinco plantas industriais para processamento de soja, milho e biodiesel e dez terminais logísticos.

Em 2012, a empresa foi indiciada pelo MPF durante a Operação Zaqueus pelo pagamento de propina a servidores públicos com o propósito de reduzir o valor de suas autuações fiscais de R$ 65,9 milhões para R$ 315 mil.

Massacre de Curuguaty segue sendo uma ferida aberta para camponeses paraguaios. (Foto: Leonardo Wexell Severo/BdF)

Menos explorada é a faceta agrária dos sócios da Caramuru. Maria Aparecida Pelissari de Souza e seus filhos Maximilian e Anderson são donos de 5.953 hectares no distrito de Curuguaty, no Paraguai, local onde onze camponeses e seis policiais foram mortos em um confronto durante reintegração de posse da ocupação Marina Kué, em 2012. O episódio, que ficou conhecido como Massacre de Curuguaty, foi o estopim da queda do presidente paraguaio Fernando Lugo, recolocando o Partido Colorado no poder após um inédito intervalo de cinco anos, depois de seis décadas de governo ininterrupto. As terras da família no país vizinho foram tema de uma das reportagens da série De Olho no Paraguai, produzida pelo observatório em 2018.

No Brasil, César Borges de Souza, vice-presidente do grupo, é dono de 12 mil hectares em Nova Canaã do Norte (MT), na Amazônia mato-grossense. Desde 2012 a fazenda, chamada Calixbento, é administrada pelo filho Eduardo, genro do ex-ministro da Agricultura, Blairo Maggi.

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