Sob ameaça de fome e morte, populações estão entre as mais vulneráveis ao Covid-19; povos originários têm um histórico de genocídio causado por doenças disseminadas pela civilização ocidental
Por Maíra Mathias e Ludmilla Balduino
A principal orientação de autoridades internacionais para enfrentar a pandemia do novo coronavírus é clara: distanciamento social. Mas povos tradicionais e comunidades indígenas enfrentam ainda mais desafios na busca em seguir à risca a diretriz. As quarentenas decretadas em quase todos os estados brasileiros afetam, de diversas formas, a renda dessas populações. Pensando nisso, instituições e organizações de base popular lançaram campanhas de doação.
A Articulação Brasileira dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) saiu na frente. No dia 22 de março, inaugurou uma campanha para arrecadar R$ 100 mil. No dia 7 de abril, a organização coordenada por Sonia Guajajara já havia atingido mais da metade da meta: 500 apoiadores haviam destinado R$ 90 mil. E a meta foi dobrada para R$ 200 mil.
“É preciso ter um olhar direcionado aos povos indígenas”, diz a Apib, lembrando que, ao longo da história, doenças introduzidas nas comunidades — caso da varíola, do sarampo e até da gripe — tiveram efeitos devastadores sobre os indígenas. “O nosso modo de vida comunitária pode facilitar a rápida propagação do vírus em nossos territórios caso algum de nós seja contaminado”, explica o texto que acompanha a campanha.
O valor arrecadado será revertido para a compra de alimentos, medicamentos e produtos de higiene. Valéria Paye, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), explica que a ideia é descentralizar o mais rápido possível esses recursos. “Da mesma forma, a Apib tem recebido propostas de doações diretas de alimentos, por exemplo, e vai fazer a articulação entre quem quer doar e as organizações indígenas regionais mais próximas”, diz. A Coiab é filiada à Apib.
Povos indígenas da região Sul organizaram a Frente Indígena de Prevenção e Combate ao Covid-19, organizada pelos povos Guarani, Kaingang, Laklãnõ Xokleng, Xetá e Charrua. Eles solicitam apoio financeiro para garantir segurança alimentar às comunidades que continuam isoladas, seguindo as orientações da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e do Ministério da Saúde. Mesmo sem o coronavírus, as etnias enfrentem problemas relacionados ao tema.
Joziléia Daniza Kaingang, uma das organizadoras das campanhas de financiamento coletivo e arrecadação de alimentos, aponta preocupação com o possível desequilíbrio social e cultural das aldeias, caso a doença se faça presente: “Nossas famílias são numerosas, e a centralidade familiar é baseada nos mais velhos. Sabemos o quão perigosas as epidemias podem ser para a nossa existência. Podemos perder muitas pessoas e desestabilizar famílias inteiras”.
Para esses povos indígenas, esta época do ano costuma ser financeiramente produtiva, por causa dos feriados de abril, para os artesãos que trabalham com cestaria. “Essas pessoas costumam ir às cidades do litoral para vender seus produtos aos turistas”, conta Joziléia. “Agora, com a pandemia, as cidades vazias e todos em quarentena será impossível garantir a renda que eles usavam até o fim do ano, quando começa outro verão e as vendas retornam”.
Algumas aldeias organizam os próprios financiamentos coletivos. Entre elas, o povo Avá-Guarani, do Oeste do Paraná. Além da ameaça do coronavírus, a etnia passa por mais uma perda histórica: no dia 24 de março, o delegado Marcelo Augusto Xavier da Silva, escolhido em 2019 por Bolsonaro para a presidência da Funai, anulou o processo administrativo de identificação e delimitação da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá, parte do território tradicional da etnia, nos municípios de Guaíra, Altônia e Terra Roxa (PR).
O momento de anulação do processo é estratégico para o governo, já que os indígenas encontram-se em estado de isolamento compulsório por causa da pandemia e não podem sair de suas aldeias para protestar.
De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), nos últimos seis meses, os Avá-Guarani vêm passando por processos de violações graves aos direitos humanos. Além da anulação do processo de delimitação, tiveram o assassinato de Demilson Ovelar Mendes, duas tentativas de assassinatos, duas invasões à terra indígena, ameaças de morte, duas tentativas de atropelamento e um atropelamento, além da omissão do governo na tentativa de construção de escolas indígenas no território tradicional.
Doações podem ser feitas pelo PayPal por meio de depósito ou transferência bancária para a Comissão Guarani Yvyrupa:
Banco do Brasil
Agência: 3560-2
Conta corrente: 27044-X
CNPJ: 21.860.239/0001-01
Em Rondônia, a ONG Associação de Defesa Etnoambiental (Kanindé) está na linha de frente da campanha de arrecadação e distribuição de cestas básicas para as aldeias indígenas Uru-eu-wau-wau e Paiter Suruí. A ação é realizada em em parceria com o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei). As doações são recebidas em Porto Velho e Cacoal (RO), e encaminhadas até a entrada dos territórios indígenas.
Até o dia 6 de abril, a Kanindé distribuiu 200 cestas de alimentos, entregues a 200 famílias. No entanto, ainda há milhares de indígenas desassistidos e isolados em meio à quarentena: de acordo com a ONG, outras 15 mil famílias precisam de ajuda.
Ivaneide Bandeira Cardozo, mais conhecida como Neidinha, coordenadora de projetos da Kanindé, revela uma preocupação em atender não só as milhares de famílias isoladas nas aldeias, como também os indígenas que estudam em Porto Velho: “Os estudantes se sustentam na cidade através da ajuda de parentes das aldeias, só que, como estão todos isolados, eles estão sem apoio”.
O objetivo principal dessas doações é evitar a saída dos indígenas das aldeias, já que eles precisam ir à cidade para comprar itens de alimentação que não são produzidos entre eles, como açúcar, sal, óleo e remédios. “A aldeia Juma, por exemplo, tem apenas 28 pessoas. Se a pandemia chega até eles, acontece um genocídio”, afirma Neidinha.
As cestas básicas foram doadas por parceiros de ONGs internacionais. Como ainda falta muito a ser doado e distribuído, a ONG deixou disponível sua conta bancária para depósitos e transferências:
Banco Itaú – Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé
Agência 0663
Conta 85087-3
Todas as cestas básicas entregues foram higienizadas e enviadas com o menor contato humano possível, a fim de evitar a proliferação do vírus por parte de moradores da zona urbana. Neidinha garante que a Kanindé vai prestar contas das doações em seu site.
Depois de bloquear o acesso aos seus territórios, as comunidades indígenas que fazem parte do Conselho Indígena de Roraima (CIR) criaram uma campanha de arrecadação. O fundo será usado para compra e distribuição de materiais de higiene e alimentos para as 246 comunidades indígenas que fazem parte do conselho. O CIR é a voz de 70.596 mil indígenas que vivem na Roraima amazônica.
Para fazer a doação, interessados podem fazer o depósito ou transferência bancária para o Conselho Indígena de Roraima:
Banco do Brasil
Agência 2617-4
Conta: 8198-1
CNPJ: 34.807.578/0001-76
No Tocantins, a Reserva Indígena Krahô — cujo território tem a maior área contínua de cerrado preservado, em meio à devastação causada pelo agronegócio de milho e soja — também precisa de doações para se manter neste período de isolamento.
Doações podem ser feitas via depósito bancário:
Bradesco
Agência-1725-6
Conta Corrente -0086375-0
Associação Hotxwa Cia Hiken
CNPJ 16.849.941/0001-34
A Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), que atua na defesa de 213 mil indígenas, também tem uma campanha no site Vakinha, com a meta de arrecadar R$ 40 mil. Até o dia 7 de abril, a Apoinme havia conseguido pouco mais de R$ 800. O valor arrecadado deve ser dividido entre os 78 povos atendidos pela organização.
Originalmente, a página do financiamento coletivo da Apoinme foi criada para pedir fundos para o Acampamento Terra Livre — um encontro anual de etnias em Brasília, com o objetivo de cobrar do estado a garantia dos direitos básicos indígenas. O evento, que seria realizado no fim de abril, foi cancelado pela primeira vez em dezesseis anos por causa da pandemia.
Em Fortaleza, a Pastoral do Povo da Rua, com apoio da OAB do Ceará, iniciou uma campanha de solidariedade para arrecadar fundos que serão revertidos em itens de alimentação e higiene às pessoas em situação de rua, povos e comunidades tradicionais, migrantes e catadores.
As doações deverão serem feitas via transferência bancária para a Pastoral do Povo da Rua – Associação Serviço Voluntário ao Irmão de Rua:
Banco do Brasil
Agência: 2793-6
Conta corrente: 120.465-3
CNPJ: 10.945.649/0001-39
O Instituto Socioambiental (ISA) reúne, desde o dia 25 de março, campanhas feitas pelas lideranças das aldeias indígenas e outras entidades, como a da própria Apib. A organização divulga a iniciativa nas redes sociais: “Conhece iniciativas de comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e extrativistas para doação de produtos e arrecadação de fundos contra o #coronavírus? Mande pra gente as informações”.
Na lista do ISA estão as comunidades Maxakali, de Minas Gerais, os Guarani Mbya, do Jaraguá, em São Paulo, entre outras comunidades e organizações que precisam de apoio financeiro em tempos de pandemia. O povo Guarani precisa ainda lutar contra a invasão da construtora Tenda, que pretende construir um condomínio com mais de 800 apartamentos residenciais a menos de 100 metros de uma das aldeias: “Jorge Paulo Lemann e Itaú estão entre acionistas de construtora que assusta povo Guarani no Jaraguá, em SP“.
O ISA articulou ainda, junto com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e outras organizações, uma campanha de doação para os povos de Altamira, no Pará. Não somente indígenas, mas também os ribeirinhos. A meta, de R$ 40 mil, já havia sido ultrapassada em 7 de abril: 289 pessoas haviam contribuído com R$ 48 mil.
Segundo Marcelo Salazar, do escritório do ISA em Altamira, os recursos arrecadados vão cumprir dupla função: “Vamos comprar alimentos para famílias que estão em situação de extrema vulnerabilidade, mas a ideia é adquirir o máximo de produtos das populações ribeirinhas e da agricultura familiar da região”.
Foto principal: arrecadação em Rondônia. (Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé)