Sete estados brasileiros registram trinta mortes por coronavírus entre povos indígenas, entre elas uma criança recém-nascida, no sertão de Pernambuco, e outra de 1 ano, em São Paulo; casos de contágio já passam de uma centena
Por Maria Fernanda Ribeiro
As mortes provocadas pela pandemia do coronavírus já atingem povos indígenas de sete estados brasileiros, nas regiões Norte, Nordeste e Sudeste, nas aldeias e nas cidades. Até o momento a doença alcança 29 etnias, com registro de trinta óbitos e mais de uma centena de contaminados. Em menos de 24 horas foram confirmadas as mortes de uma criança indígena de um ano, em São Paulo, e uma recém-nascida, no sertão de Pernambuco.
Na semana passada, a partir de levantamento próprio, registramos que, até aquele momento, eram 18 as etnias atingidas: “Coronavírus já atinge 18 etnias no país, nas aldeias e nas cidades“.
De acordo com dados da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), são 27 casos de óbito somente na Amazônia entre onze povos nos estados do Amazonas, Amapá, Pará e Roraima: Apurinã, Baniwa, Baré, Borari, Kokama, Yanomami, Mura, Palikur, Sateré-Mawé, Ticuna e Warao. No Nordeste, as mortes aconteceram em Pernambuco e no Ceará. No Sudeste, em São Paulo, na zona sul da capital.
O primeiro caso de morte entre uma criança indígena foi divulgado na segunda-feira (04), um mês e meio após o bebê de um ano ter falecido na Terra Indígena Tenondé-Porá, em São Paulo. De acordo com informações da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), outras crianças da TI tiveram síndrome respiratória aguda grave, algumas foram internadas em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) da região. Uma mulher na mesma terra indígena também testou positivo para a doença.
O segundo caso foi divulgado ontem pela prefeitura de Floresta (PE), na região do semi-árido. A recém-nascida era da etnia Pipipã. Ela tinha apenas 3 dias e é a vítima mais nova naquele estado. Segundo o governo pernambucano, a criança passou por consulta em um hospital privado e chegou a receber medicação, mas acabou morrendo.
O Amazonas foi o primeiro estado do país a registrar um caso do novo coronavírus entre indígenas, em 31 de março: uma mulher da etnia Kokama, de 20 anos, moradora da aldeia São José, em Santo Antônio do Içá, a cerca de 250 quilômetros da fronteira com a Colômbia. De lá para cá, os números entre os Kokama não param de crescer, com nove mortes até o momento. No dia 3 de maio, uma nota divulgada nas redes e assinada por três líderes, descreveu o desespero entre os indígenas: “Povo Kokama pede socorro e diz que mortos pela Covid-19 estão sendo registrados como pardos“.
Eles se declaram indignados diante da negligência, descaso e omissão do poder público, nos três níveis: federal, estadual e municipal. E reclamam que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão do Ministério da Saúde, “insiste em fazer diferença entre o atendimento de parentes que vivem na cidade e os que estão na aldeia”. Da família linguística tupi-guarani, a população estimada dos Kokama é de 14,3 mil pessoas.
Entre os Tikuna, considerada a maior população indígena do país com 46 mil indivíduos, já foram registradas ao menos cinco mortes. Assim como os Kokama, eles habitam a região do Alto Rio Solimões, onde estão concentrados o maior número de casos confirmados pela Sesai entre todos os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas. São 72 casos, que quintuplicaram em menos de duas semanas e pelo menos 40 deles estão relacionados aos contatos do médico que testou positivo após retorno ao trabalho e foi o responsável pelo primeiro registro entre os indígenas no Brasil.
Muitos registros de óbitos não constam no boletim epidemiológico da Secretaria Especial de Saúde Indígena, pois o órgão não inclui nas estatísticas dados de indígenas que vivem nas cidades, mesmo com recomendações do Ministério Público Federal (MPF) para que todos os casos sejam contabilizados.
Os números da União deixaram de fora, por exemplo, a morte de Lusia Lobato dos Santos, 87 anos, do povo Borari, na Vila de Alter do Chão, no Pará. Ela faleceu no dia 19 de março. Também não entra nas estatísticas do boletim as mortes de dois irmãos da etnia Apurinã: Adilson Menandes dos Santos, 77, faleceu em Manaus no dia 20 de abril; o irmão, Clevelande, um dia depois.
Na semana passada, o Ministério Público Federal no Pará recomendou que a Sesai inclua em seus boletins a morte da indígena Borari para que “não haja distorções nos números”. De acordo a nota do MPF, a recusa em contabilizar os casos de Covid-19 viola o direito dos indígenas.
Além de não computar os povos considerados como não-aldeados, os dados da Sesai não esclarecem quais são os povos atingidos e os municípios onde eles se encontram, o que dificulta o monitoramento e qualquer tipo de auxílio. Os dados são disponibilizados de acordo com cada Dsei.
Por isso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) faz a consolidação dos próprios dados, por meio de apuração de organizações indígenas regionais.
Conforme reportagem do De Olho nos Ruralistas, a contaminação de profissionais de saúde indígena em duas regiões da Amazônia acendeu o alerta para a disseminação do coronavírus dentro dos territórios pelos próprios agentes que atuam na linha de frente no combate à pandemia. Com isso, coloca em xeque o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (Covid-19) em Povos Indígenas, lançado no dia 17 de março pela Sesai.
Foto principal (Rede Wayuri): mulheres do Alto Rio Negro distribuem barras de sabão entre indígenas.
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