Veto de Bolsonaro obriga povos do campo a se arriscar nas cidades por auxílio emergencial

Medida foi bancada pelos ministros da Saúde, Eduardo Pazuello, e da Cidadania, Onyx Lorenzoni; governo diz que pagar benefícios em comunidades “sem mapeamento preciso” seria inseguro, e que indígenas e quilombolas se deslocariam “para a realização de demais negócios”

Por Alceu Luís Castilho

O auxílio emergencial aos povos do campo, aprovado em junho pelo Senado, recebeu dezesseis vetos de Jair Bolsonaro. Catorze deles trazem como motivo a ausência de demonstração do impacto financeiro das medidas. É praticamente um copia e cola: com base em pareceres de cinco ministérios: da Justiça, da Economia, da Saúde, da Cidadania e da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Em todos esses casos o governo alega que seria criada uma “despesa obrigatória” sem previsão orçamentária. Entre as medidas vetadas estão a distribuição de materiais informativos sobre Covid-19 e a distribuição de materiais de higiene nas aldeias.

Mas há duas exceções. Uma delas, exatamente o último veto antes da assinatura de Bolsonaro, diz respeito a uma medida central na prevenção de casos de Covid-19 entre indígenas, quilombolas e camponeses: a necessidade de ir à cidade para receber o benefício. O veto partiu dos ministros da Saúde e da Cidadania.

Outra diz respeito aos quilombolas. A demanda por inclusão dos descendentes de escravos no Programa Nacional de Reforma Agrária foi vetada pelo presidente a pedido da ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a ruralista Tereza Cristina (DEM-MS).

GOVERNO ALEGA ‘IMPOSSIBILIDADE OPERACIONAL’

O artigo 19 do Projeto de Lei nº 1.142, de 2020, vetado pelo presidente, previa facilitação do acesso à renda emergencial para os povos do campo, conforme o projeto aprovado pelo Congresso:

—> Art. 19. Em áreas remotas, a União adotará mecanismos que facilitem o acesso ao auxílio emergencial instituído pelo art. 2º da Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020, assim como aos benefícios sociais e previdenciários, de modo a possibilitar a permanência de povos indígenas, de comunidades quilombolas, de pescadores artesanais e de demais povos e comunidades tradicionais em suas próprias comunidades.

Onyx Çorenzoni foi um dos artífices de veto. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil))

Para justificar o veto, Bolsonaro alegou que a proposta é contrária ao interesse público “em razão da insegurança decorrente da necessidade de deslocamento da entidade pagadora a milhares de comunidades do Brasil, algumas das quais não se tem um mapeamento preciso, o que revela a real impossibilidade operacional de pagamento em tempo oportuno”.

O trecho acima traz mais de um argumento, portanto, o deslocamento seria inseguro e o governo “não tem um mapeamento preciso” das comunidades.

Mas a justificativa do presidente para o veto traz mais um trecho, onde a responsabilidade pela medida é transferida para os próprios indígenas, quilombolas e camponeses:

— Finalmente, o pagamento do auxílio ou qualquer outro benefício na própria comunidade não impede o deslocamento desses cidadãos beneficiários para a realização de demais negócios jurídicos nos municípios e centros urbanos onde costumam receber o numerário disponibilizado.

Bolsonaro vetou, portanto, medidas que impeçam os povos do campo de deixar as comunidades porque esse pagamento nas áreas remotas “não impede o deslocamento” dos beneficiários. Para a realização de “demais negócios jurídicos”.

Esse veto foi recomendado por duas pastas específicas: o Ministério da Saúde, comandado interinamente desde 15 de maio pelo general Eduardo Pazuello, e pelo Ministério da Cidadania, comandado por outro ruralista, o deputado licenciado Onyx Lorenzoni.

TEREZA CRISTINA VETA ACESSO A PROGRAMA DE REFORMA AGRÁRIA

O penúltimo veto de Bolsonaro, conforme a decisão publicada nesta sexta-feira pelo Diário Oficial da União, diz respeito especificamente às comunidades quilombolas, que não poderão se tornar beneficiárias do Programa Nacional de Reforma Agrária. Esse veto se segue aos catorze anteriores, quando todas as justificativas se basearam em falta de previsão orçamentária.

Ministra Tereza Cristina paramentada como as Paresi, no Mato Grosso. (Foto: Reprodução)

Neste caso, o veto partiu do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, comando pela ruralista Tereza Cristina (DEM-MS), ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária.

O quinto item do artigo 10 apresentado pelo Congresso dizia o seguinte: “Será garantida a inclusão das comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares como beneficiárias do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), assegurado o cadastramento das famílias na Relação de Beneficiários (RB), para acesso às políticas públicas”.

O argumento de Tereza Cristina para o veto, referendado por Bolsonaro, foi o seguinte:

— A propositura legislativa, ao prever a inclusão de comunidades quilombolas como beneficiárias do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), assegurado o cadastramento das famílias na Relação de Beneficiários (RB), para acesso às políticas públicas, contraria o interesse público por estar em descompasso com a determinação que condiciona a concessão das modalidades de créditos de instalação aos beneficiários do PNRA que tenham firmado Contrato de Concessão de Uso (CCU), Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU) ou Título de Domínio (TD), na forma do artigo 13 do Decreto nº 9.424, de 26 de junho de 2018.

| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas |

Foto principal (GEA/Divulgação): atendimento em aldeias pelo governo do Amapá

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