Multados por desmatamento disputam prefeitura em Apuí (AM), fronteira da devastação na Transamazônica

Um é gaúcho, outro catarinense, o outro paranaense; município do Arco do Desmatamento costuma liderar rankings de queimadas; os três candidatos são milionários, têm diferentes contestações judiciais e defendem a expansão do agronegócio na região

Por Mariana Franco Ramos

Os três candidatos que disputam a prefeitura de Apuí (AM), município localizado na Rodovia Transamazônica (BR-230), a 453 quilômetros de Manaus, são milionários, nasceram na região Sul, têm ligação com o agronegócio e um histórico de acusações de corrupção, desmatamento ou crime ambiental. Apuí é uma das fronteiras de destruição no sul do Amazonas. É lá que estão, por exemplo, os principais interessados na destruição da Terra Indígena Tenharim, na vizinha Manicoré.

O comerciante Almir Fagundes (Pros) e o pecuarista Marcos Antonio Lise (PSC), atual vice-prefeito, estão na lista de autuados por desmatamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), enquanto o médico Paulo Cezar Mates (PSDB), um latifundiário mais conhecido como Dr. Paulo, já foi condenado por não cumprir seu contrato de trabalho em período integral em Jacareacanga (PA). Ele possui mais de 15 mil hectares — uma área do tamanho de Liechtenstein.

Com população de pouco mais de 22 mil habitantes, Apuí fica na divisa com os estados do Pará e do Mato Grosso. O município surgiu no início dos anos 80, a partir do Projeto de Assentamento Rio Juma, o maior assentamento rural do país, e é hoje um dos 256 integrantes — ou 267, conforme os critérios do Instituto Socioambiental (ISA) — do novo Arco do Desmatamento.

Apuí registrou em 2020 o maior índice de focos de calor dos últimos dez anos. (Arquivo/Idesam)

Nas últimas décadas, o município ganhou forte identidade agropecuária, que ajudou a inspirar a criação de uma base específica do Ibama. Seu rebanho bovino é o segundo do estado e ultrapassa 150 mil cabeças de gado. A região apresenta um crescimento exponencial de queimadas e áreas desmatadas. Apuí costuma aparecer no noticiário por liderar o ranking das maiores concentrações de calor do estado.

Conforme boletim do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), o município registrou 837 focos entre janeiro e julho de 2020, a maior incidência dos últimos dez anos. A organização também identificou um aumento de 12% no desmatamento no mesmo período, em comparação com 2019. Foram desmatados 16.845 hectares.

Assim como em Novo Progresso (PA), outra fronteira do desmatamento, os candidatos em Apuí são forasteiros: um gaúcho, um catarinense e um paranaense. Confira aqui a reportagem sobre o município paraense: “Em Novo Progresso (PA), dois candidatos possuem terras na Floresta Nacional do Jamanxim“.

DONO DE 15 MIL HECTARES, MATES DECLAROU R$ 1,4 MILHÃO EM ESPÉCIE

O mais rico dos três candidatos é Paulo Cezar Mates, que declarou um patrimônio de R$ 11,669 milhões. A listagem de bens do médico de 48 anos, nascido em Chapecó (SC), inclui R$ 1,4 milhão em espécie. Ele é o candidato com mais terras no Amazonas. Somente na Vicinal Coruja, em Apuí, ele informou possuir 12.492 hectares. Preço da terra? R$ 100 mil. Catorze vezes menos o que ele tem em espécie.

Ele tem outra terra de 2.297 hectares na Vicinal Morena. Essa foi declarada por R$ 6 milhões e representa mais da metade de seus bens. Mates ainda tem um lote rural de 512 hectares em Apuí. Valor informado ao TSE: R$ 300 mil. Pouco mais que o valor de sua casa em Balneário Camboriú, um dos principais destinos do litoral catarinense.

O candidato a vice-prefeito em sua chapa, o pecuarista José Alves (PSB), mais conhecido como Zé Barbudo, declarou R$ 919,4 mil. Ele tem 810 cabeças de gado e imóveis rurais em Humaitá e Manicoré – os primeiros municípios a oeste de Apuí, outros focos de expansão agropecuária ao longo da Transamazônica.

De acordo com o Ministério Público do Pará, Mates e seu irmão Paulo Marcos Mates atuavam apenas quinze dias por mês como médicos de Jacareacanga (PA), mesmo recebendo salários que variavam de R$ 28 mil a R$ 66 mil, entre 2015 e 2018. No ano passado, eles e mais dois profissionais — Maykel Lazel Rocha Quintana e Anselmo Heidman – tiveram seus bens bloqueados pela Justiça e foram sentenciados a devolver aos cofres públicos mais de R$ 1,3 milhão.

“Todos os requeridos, de uma forma ou de outra, da maneira mais irretorquível possível, violaram durante meses o dever funcional que lhes cabia, desrespeitando quase todos os princípios que regem a administração pública”, escreveu o autor da Ação Civil Pública, o promotor de Justiça Osvaldino Lima de Sousa.

O tucano também possui propostas específicas voltadas ao agronegócio, como apoiar a organização, a comercialização e a distribuição da produção agropecuária; realizar a extensão rural ambiental aos produtores e implantar agroindústrias de pequenos e médios portes (APPMS). Ele concorre numa coligação formada por PT, PSB, PSD, Solidariedade, PDT e PL.

PATRIMÔNIO DO VEREADOR ALMIR CRESCEU 426% EM DOZE ANOS

Almir Rodrigues dos Santos, o Almir Fagundes, de 55 anos, foi multado três vezes por crime ambiental: duas em 2006, ambas em R$ 385,5 mil, e uma em 2018, em R$ 61 mil. As primeiras não foram pagas e inscritas como dívida ativa e a última ainda está dentro do prazo para defesa.

Natural de Nonoai (RS), ele já foi vereador e concorre pela primeira vez à prefeitura. Declarou R$ 1,263 milhão em bens ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O montante corresponde a dois terrenos, sendo um lote rural de R$ 300 mil no Km 80 da Transamazônica e um de R$ 60 mil no Distrito de Sucunduri, prédios comerciais e veículos automotivos.

Na última eleição que disputou, em 2008, o comerciante havia informado ao TSE possuir R$ 240 mil em bens. Isso significa que, em doze anos, seu patrimônio cresceu 426% — R$ 1,023 milhão a mais, em cifras nominais. Naquela época, ele tinha 102 cabeças de gado, que valiam R$ 52 mil, três lotes rurais de R$ 160 mil e um caminhão. Em 2004, quando concorreu a uma vaga na Câmara Municipal, não declarou bens.

Em seu plano de governo, Fagundes se apresenta como “empresário, homem do campo e pai”. Ele propõe “buscar novas alternativas para o desenvolvimento agrário, levando em conta nossos recursos naturais e as exigências do ágil mercado globalizado”. Fala também em “estimular a agricultura familiar e o agronegócio” e apoiar os produtores rurais do município.

VICE-PREFEITO QUER AGROINDÚSTRIAS NA TRANSAMAZÔNICA

O patrimônio do vice-prefeito Marco Antonio Lise cresceu 331,48% em quatro anos de gestão. Em 2016, ele declarou R$ 633,4 mil em bens. Ele possui agora R$ 2,733 milhões, o que significa um aumento de mais de R$ 2 milhões. Entre os bens declarados pelo político do PSC, mesmo partido do governador do Amazonas, Wilson Lima, estão um sítio de R$ 1,6 milhão e 630 cabeças de boi, por R$ 725 mil. Os bens rurais são bem mais significativos que os demais: uma casa, dois automóveis e R$ 65 mil em espécie.

Assim como Fagundes, o paranaense de Renascença aparece na lista do Ibama por danos à flora. Foram quatro sanções ambientais: duas em 2003, de R$ 3 mil e R$ 6 mil; uma em 2006, de R$ 96 mil; e uma em 2014, de R$ 51 mil. Todas constam como quitadas. Ele não está entre os maiores multados por desmatamento dos últimos 25 anos — os valores são até baixos, diante da proliferação de políticos com autuações milionárias, como mostrou a série De Olho nos Desmatadores.

A agropecuária também está no centro do plano de governo do pecuarista de 46 anos. Compõem o programa promessas como “o fomento à implantação de agroindústrias, com vistas à verticalização da produção primária”, e “o aumento da produtividade da agricultura, da pecuária, da pesca e do extrativismo”. Além do PSC, a coligação conta com PP, DEM, PSL, MDB, Republicanos e Patriota.

Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas |

Foto principal (Arquivo/Idesam): município na Transamazônica é um dos polos de expansão da pecuária predadora

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