Clã político se perpetua em município maranhense atingido pela fome

Milagres do Maranhão, onde renda mensal per capita é de R$ 36, nunca teve um prefeito que não fosse da família Caldas, que controla também as principais secretarias do município; quem atenua insegurança alimentar é o governo estadual

Por Roberto Lameirinhas

Com pouco mais do 8 mil habitantes e a 360 quilômetros de São Luís, Milagres do Maranhão tem um dos piores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) do país. Em razão disso, é um dos que mais sofrem com a fome, que voltou a crescer no Brasil, de acordo com os últimos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No dia 15, José Augusto Cardoso Caldas (Republicanos), de 52 anos, foi eleito prefeito ao receber 2.473 votos (51,37%). A adversária Claudete Rodrigues de Vasconcelos Carvalho (PCdoB) foi derrotada, com 48,63%. Conhecido como Gugu, ele já teve um patrimônio de R$ 166 mil, em 2012, encolhido este ano para R$ 70 mil.

De acordo com moradores que De Olho nos Ruralistas conseguiu contatar por meio de redes sociais, a campanha eleitoral trouxe poucas novidades em termos de propostas para melhorar a situação de segurança alimentar. A disputa esteve centrada na continuidade ou não do clã Caldas no comando do município — que, fundado em 1996, nunca teve um prefeito de sobrenome diferente.

Em 2016, Milagres do Maranhão ganhou destaque no noticiário por ter eleito o mais jovem prefeito do país, Leonardo Caldas, um entusiasta das vaquejadas que tinha 21 anos e é sobrinho de José Augusto, de quem recebeu o cargo e para quem deve entregá-lo novamente em 1º de janeiro. Antes deles, Miguel Caldas, irmão de Gugu, tinha ocupado a prefeitura.

MÃE NA SECRETARIA DA SAÚDE, TIAS NA EDUCAÇÃO E NA AÇÃO SOCIAL

Segundo o Portal MaisPB, noções de republicanismo nunca foram muito populares na cidade: a mãe do jovem Leonardo, Arlene Caldas, foi mantida pelo filho no cargo de secretaria da Saúde, que já exercia havia doze anos. A tia dele, Aline Caldas, continuou na Secretaria de Educação e outra tia, Ana Rosa, permaneceu na Secretaria de Ação Social — teoricamente, a pasta encarregada de tratar da questão de segurança alimentar. “Fui eleito para dar continuidade ao trabalho da família”, declarou Leonardo, na época de sua eleição, para justificar a manutenção dos parentes em seus postos.

Pequenos produtores de Milagres do Maranhão vendem mandioca para a Ambev. (Foto: Agerp-MA)

Com tanto empenho das autoridades locais em se manter no poder, o município acabou se tornando um dos alvos de um plano do governo do estado para melhorar as condições de vida da população dos locais mais pobres do Maranhão.

Na verdade, um levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que oito dos municípios de menor renda do país estão no Maranhão. Além de Milagres, figuram na lista Turilândia, Primeira Cruz, Jenipapo dos Vieiras, Fernando Falcão, Centro do Guilherme, Matões do Norte e São João do Soter. Completam a relação dois municípios paraenses: Chaves e Cachoeira do Piriá.

A renda média mensal per capita em Milagres é de R$ 36,14. Em comparação, os municípios mais ricos do ranking são Nova Lima (MG), com renda média mensal de R$ 6.253, e Santana do Parnaíba (SP) — que abrange condomínios de luxo, como Alphaville —, com R$ 5.384.

No caso dos municípios maranhenses, o Plano Mais IDH vinha revertendo o pessimismo generalizado até a eclosão da pandemia de Covid-19, a partir da qual o ritmo da evolução voltou à marcha lenta. Pelo Twitter, um morador que se identificou apenas como José relatou a reversão da expectativa:

— No ano passado, uma série de projetos de irrigação vinha sendo implementada para ajudar em projetos de agricultura familiar. Uma fábrica de cerveja passou a comprar a produção de mandioca de algumas roças e Milagres começou a construir sua primeira escola de ensino médio. Tudo caminhava para uma melhora. De repente, as coisas começaram a parar.

RESTAURANTES VENDEM REFEIÇÃO POR TRÊS REAIS

Restaurante popular em Milagres do Maranhão. (Foto: Reprodução)

Até o fechamento do contrato entre a Agência Estadual de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural do Maranhão (Agerp) e Instituto de Colonização e Terras do Maranhão (Iterma) e a Ambev — pelo qual a multinacional se compromete a comprar produtos agrícolas de trinta municípios maranhenses —, os agricultores de Milagres canalizavam a produção basicamente para o restaurante popular da cidade, que vende refeição a preço subsidiado como paliativo para atenuar a questão da fome.

Os restaurantes, que vendem cada refeição até o preço máximo de R$ 3,00, foram instalados nos municípios maranhenses mais ameaçados pela insegurança alimentar por meio de convênio com o governo estadual. Mesmo durante a pandemia, pelo menos 30% dos proudutos comercializados devem ter origem em roças de agricultura familiar.

“Os restaurantes são parte importante dos equipamentos de segurança alimentar do Maranhão, pois oferecem refeições elaboradas por nutricionistas e levam à população capacitação, atendimentos de saúde e auxílio à economia local”, diz o secretário de Desenvolvimento Social do Estado do Maranhão, Márcio Honaiser.

| Roberto Lameirinhas é jornalista. |

Foto principal (Reprodução): Milagres do Maranhão tem fome e tem perpetuação de clã político

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