O usineiro Gilson Machado Guimarães Filho foi um dos 102 signatários de documento entregue ao governo Geisel; próximo de Bolsonaro, o sanfoneiro e fazendeiro Gilson Neto foi aquele que celebrou as passarelas vazias, em tempos de Covid, e associou o carnaval ao diabo
Por Alceu Luís Castilho
A história se repete como uma sanfona. E como ódio. O ministro do Turismo, aquele que associou o carnaval ao diabo e comemorou as passarelas vazias, tem no DNA de sua família uma relação direta com a ditadura. Próximo de Bolsonaro, Gilson Machado Neto — não apenas um sanfoneiro, mas um empresário do agronegócio — é sobrinho de um usineiro pernambucano que apoiou o golpe de 1964 e tentou mantê-lo, em 1978, contra a abertura anunciada pelo general Ernesto Geisel.
Em maio daquele ano um grupo de 102 empresários assinava um documento que pedia “maior cautela” contra o processo de distensão política. Entre eles estava Gilson Machado Guimarães Filho, na época diretor de uma madeireira em Santa Luzia (MA) e, desde 1966, da Usina Matary, um dos símbolos da oligarquia pernambucana. O tio do ministro casara-se com uma das filhas do usineiro, Luiz Maranhão. E dirigia o Sindicato da Indústria do Açúcar de Pernambuco.
A Argentina estreava na Copa do Mundo de 1978 contra a Hungria, no dia 02 de junho, quando um dos empresários entregou o documento ao chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), general João Baptista Figueiredo. O mesmo que preferia cheiro de cavalo a cheiro de povo e sucedeu Geisel, com uma transição e um linguajar peculiar: “E quem não quiser que abra, eu prendo. Arrebento. Não tenha dúvidas”.
Eram vários os usineiros por trás do documento, articulado por Gerry Lingfield, do grupo Paes de Barros — sobrenome que remete, por sua vez, à família dona de usinas no interior paulista. O documento falava de um “clima de agitação demagógica” na oposição e enxergava uma “volta ao clima anterior a 1964”.
Armando de Queiroz Monteiro, da Usina Cacau, pai do ex-senador Armando Monteiro, estava entre os usineiros de Pernambuco que pressionaram Geisel contra a abertura. Assim como Fernando Antônio de Albuquerque Rabello, Miguel de Cavalcanti Petribu, Gilvan Machado (primo de Magnólia, mulher de Gilson Filho), Ernesto Gonçalves Pereira Lima e Antônio Celso Cavalcanti de Andrade.
Os sobrenomes abrigavam tentáculos políticos — que se estenderam para o período democrático. Gilson Machado Filho se tornaria deputado constituinte. O apoio em Alagoas veio de Carlos Lira Neto, da Usina Caeté, na época suplente de senador pela Arena. Irmão de João Lyra, outro velho conhecido do Congresso.
Conhecido por tocar sanfona durante lives do presidente Jair Bolsonaro, Gilson Machado Neto produz água-de-coco em Alagoas. Ele se apresenta no Twitter como “ministro do Turismo, agricultor, pecuarista, empresário, músico, veterinário, ginecologista de vaca”. A empresa Tature Coco, em São Miguel dos Milagres (AL), aberta em 2016, é uma das poucas empresas ativas do político.
A Rádio Gravatá FM, em Gravatá (PE), foi fundada por Gilson Machado Filho e pelo pai bolsonarista do ministro, o criador de cavalos João Machado Guimarães, em abril de 1988 — quando tio Gilson era deputado constituinte. Um dos sócios, Ricardo Machado Guimarães, vangloriou-se de assumir a secretaria de Turismo do município por ser primo do ministro.
Em outubro de 2020, ainda presidente da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), Gilson Machado Neto postou no Twitter um vídeo onde ele mostra seus coqueiros em Alagoas e classifica as águas-de-coco com conservantes como “tubaína”. Na ocasião ele não se apresentou como presidente da Embratur, e sim como agricultor.
Em setembro, em plena pandemia, ele tinha postado uma foto onde aparece sem máscara em uma aldeia indígena no Rio Negro, em Manaus, ao lado do senador Flávio Bolsonaro, do deputado federal Eduardo Bolsonaro, filhos 01 e 03 do presidente, e do senador Irajá Abreu (PSD-TO). Ele também apareceu ao lado de Eduardo ao lado de uma árvore, no meio da floresta, ambos a dizer que a Amazônia, por causa da umidade, “não queima“.
Machado teve Covid em agosto. E passou pelo que chama de “tratamento precoce”. “Acabo de entrar para as estatísticas de curados do Covid”, escreveu. “Após tratamento com Hidroxicloroquina, Azitromicina e Ivermectina precocemente”. Esses medicamentos, que ele defendeu em várias outras ocasiões, não são apenas ineficazes; eles colocam em risco os pacientes do novo coronavírus.
Gilson Machado Neto foi nomeado ministro do Turismo em dezembro. Sua atuação nas redes sociais mostra que ele vai muito além da propaganda de ações do governo. E que sua ascensão não foi movida somente por sons de sanfona. Líder da Aliança pelo Brasil em Pernambuco e no Nordeste, ele integra o gabinete do ódio.
Foi no Twitter que o ministro fez, no sábado (14) o post icônico sobre carnaval. “Deu pra entender quem manda? Ou tem que desenhar?” Ele comparou uma imagem do diabo a arrastar Jesus, em 2020 (na verdade uma imagem de 2019, de um desfile da Gaviões da Fiel, em São Paulo), à imagem de uma passarela vazia, em 2021. (O ministro grita ao escrever a palavra desenhar em caixa alta.)
O tio homônimo do ministro morreu em 2018. Não antes de divulgar notícias falsas sobre Marielle Franco e defender intervenção militar.
No dia 18 de fevereiro daquele ano, Gilson Neto comemorava, no Facebook, o seguinte fato: “Meu tio apagou um comunista com um soco na testa com plenário lotado!” Ele mesmo completou a história da seguinte forma: “Isso foi na constituinte em 1987, o deputado Juarez Antunes foi tomar o microfone da mão dele, acordou na UTI do Hospital de Base em Brasília!”
A história contada por O Globo, na época, era diferente. Quem tentou tomar o microfone do colega, segundo o jornal, foi o próprio Gilson, então no PFL. Juarez Antunes (PDT-RJ) agarrou-o pelo pescoço e tomou o soco. “Ele caiu duro, bem na minha frente”, contou o deputado Paulo Paim (PT-RS), hoje senador, ao Zero Hora. Mas, de acordo com o jornal gaúcho, Juarez se reergueu.
A biografia de Gilson Filho conta que o tema em discussão, no plenário, era a reforma agrária.
A atuação do ministro do Turismo como pecuarista — o tio dele também andou pelo norte do Mato Grosso — não se expressa, hoje, a partir de suas empresas. Mas o nome de sua antiga banda de forró, Brucelose, faz referência a uma doença que atinge animais, em particular o gado bovino, mas também humanos.
A empresa Brucelose Produção Musical foi criada em 1997, na Estrada para a Serra da Égua, quando o ministro era um jovem de 28 anos. Ainda está ativa. Atividade principal, produção musical. As atividades secundárias são: “Cultivo de coco-da-baía”, “agências de publicidade” e “serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas”.
No dia 03, após visita ao ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Gilson Machado Neto postou foto ao lado da titular da pasta, Tereza Cristina. Ambos anunciaram que vão “reativar os eventos agropecuários por todo o Brasil”, no período após a pandemia. A banda Brucelose costuma ser contratada, sem licitação, por prefeituras do Nordeste.
Criada em 1966, durante o governo Costa e Silva, a Usina Matary S/A ainda está ativa, em Nazaré da Mata (PE). É controlada pela família Maranhão. Em agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou um processo movido pela usina, que alegava ter sofrido prejuízos por tabelamento de preços entre 1986 e 1987. O prejuízo para a União seria de R$ 72 milhões. A decisão vale para casos similares do setor sucroalcooleiro. Quatro ministros votaram a favor dos usineiros.
Imagem principal (Reprodução): Gilson Machado, sanfoneiro-geral da Presidência, dizendo que a Amazônia não queima
| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas |