Reportagem divulgada no Fantástico mostrou que grupo de 52 turistas desrespeitou restrições e expôs a risco os indígenas de quatro aldeias próximas do Rio Negro, a bordo do iate do empresário; ataque a ribeirinhos ocorreu em dezembro de 2020
Por Leonardo Fuhrmann
No momento mais grave da pandemia de Covid no Brasil, país que hoje lidera o número de mortes diárias pela doença no mundo, um grupo de 52 turistas resolveu viver “la dolce vita” em águas amazônicas. Desembolsaram até R$ 12 mil para fazer um passeio pelo Rio Negro, com saída de Manaus. Com muita festa e praticamente nenhuma máscara, passaram cinco dias de imersão na “cultura, natureza, música e gastronomia” da região. Um tipo de festa que está proibida por decreto estadual do governo do Amazonas. Participavam dela 31 brasileiros radicados no país, 7 que moram no exterior e 14 estrangeiros.
A aglomeração, já proibida em si, se tornou mais grave quando os turistas foram a pelo menos quatro aldeias indígenas próximas do rio para organizarem festas com os moradores, sem qualquer cuidado para evitar o contágio. Ao todo, expuseram diretamente 300 indígenas ao risco de pegar a doença. Indígenas, quilombolas e povos tradicionais, como os ribeirinhos, estão entre os mais vulneráveis ao contágio da pandemia, tanto que os dois primeiros fazem parte de grupos prioritários de vacinação. A história foi mostrada no último domingo pelo Fantástico, dominical jornalístico da Rede Globo.
A emissora carioca não mostrou quem estava por trás desse turismo predatório da pandemia. De Olho nos Ruralistas apurou que as embarcações mostradas na reportagem pertencem à empresa WL Sistema Amazonense de Turismo, do empresário Waldery Areosa Ferreira, o sócio-administrador, e outros cinco sócios, todos de sua família. O clã Areosa concordou em alugar a embarcação de luxo para as festas mesmo sabendo do momento grave da pandemia no país.
O desrespeito à legislação não é um caso isolado na trajetória de Areosa. Em 2014, Waldery e o filho Waldery Junior, sócio do pai na WL, foram citados em um esquema de exploração sexual de adolescentes em Manaus. Eles estão entre os empresários e políticos citados como clientes da rede, acusada de aliciar as meninas nos bairros pobres da capital amazonense. O caso foi alvo da Operação Estocolmo e foi investigado por uma CPI criada na Assembleia Legislativa. Um prefeito, um deputado estadual e um cônsul honorário estavam entre os citados.
Em dezembro do ano passado, já durante a pandemia, os empresários, donos também do Hotel Amazon Jungle Palace, foram acusados de destruir as casas de ribeirinhos e fazer ameaças contra eles em Iranduba, município próximo de Manaus. O Amazonas Atual conta que Daniel Areosa, outro dos sócios, teria ido ao local com capangas armados. Segundo a reportagem, os posseiros compraram a área em 2017, de um suposto proprietário. Os empresários alegam que demarcaram um terreno cedido pelo governo estadual. A disputa envolve uma saída para o rio para o hotel, que tenta impedir a presença de povos tradicionais no local. Por conta desse ataque, ele responde na Justiça a dois processos por esbulho, turbação e ameaça, além da reintegração de posse.
Na Justiça Federal, Waldery já respondeu a uma ação sob a acusação de invadir terreno da União, instalação ilegal em cursos d’água e aterro ilegal em área de proteção ambiental. A ação é sobre a construção do condomínio Sunset Residencial, na Ponta Negra, área nobre de Manaus, às margens do Rio Negro.
A festa clandestina também foi divulgada pela imprensa italiana. Um dos organizadores é o italiano Paride Moronese, conhecido por organizar festas em diversos países do mundo. O iate alvo da operação seria apenas um dos que participavam da festa organizada por ele. Paride é descendente de uma família de fabricantes de móveis de luxo de Pádua, na região do Veneto, norte daquele país.
| Leonardo Fuhrmann é repórter do De Olho nos Ruralistas |
|| Colaborou Alceu Luís Castilho ||
Foto principal (Reprodução): iate Ana Beatriz passou dias pelo Rio Negro com turismo e festas ilegais