Com patrimônio multiplicado depois que virou cartola, ele possui participação em doze CNPJs, entre eles distribuidoras da Mondelez Brasil, dona das marcas Bis, Oreo e Sonho de Valsa; uma das empresas do dirigente patrocina o jornalista bolsonarista Milton Neves
Por Mariana Franco Ramos
O presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Langanke Caboclo, formalmente acusado nesta sexta-feira (04) de assédio moral e sexual por uma funcionária da organização, conforme publicou o portal ge.globo, possui participação em doze empresas, entre elas distribuidoras de produtos alimentícios. Ao todo, pelo menos 49 pessoas são sócias do cartola em empresas de atuações bastante distintas, da advocacia ao esporte.
Alguns CNPJs estão diretamente ligados ao futebol, como os da própria CBF e o Copa América 2019 – Comitê Organizador Brasileiro Eireli, criado para promover o evento. Dois anos depois, em plena pandemia e diante da recusa da Colômbia e da Argentina, a Copa América deve ocorrer novamente no Brasil, sob as bênçãos do presidente Jair Bolsonaro.
Somado, o capital social das corporações que estão em nome do dirigente chega a R$ 1.249.065,00. Na lista há um escritório de advocacia e três distribuidoras (um setor anterior ao atacadista na cadeia de vendas), cujas sociedades ele divide com familiares: Caboclo Distribuidor Ltda, Cromma Logística Empresarial e Rommac Distribuidora de Produtos Alimentícios, esta com sede em vários municípios.
Com 50 anos de história, a Caboclo é distribuidora exclusiva da Mondelez Brasil, detentora das marcas Lacta, Sonho de Valsa, Bis, Oreo, Trident e Trakinas, entre outras, nos segmentos de comércio. Atua na capital paulista, em bares, padarias, lanchonetes, restaurantes, bombonieres, hotéis, motéis e supermercados de pequeno, médio e grande porte.
A Rommac cobre todos os ambientes de varejo e tem clientes de peso, caso da multinacional Cargill (com suas marcas de azeite, por exemplo), da Jacobs Douwe Egberts e da Toscado. Fundada em 2016, também está presente na Grande São Paulo, além do litoral paulista, do Vale do Ribeira e do Vale do Paraíba.
A Rommac Distribuidora é uma das patrocinadoras do programa “Domingo Esportivo“, apresentado pelo jornalista bolsonarista Milton Neves. Ele comanda a atração ao lado de Guilherme Cimatti e Ricardo Garcia. Conhecido como rei do merchandising no esporte, prática da qual se orgulha, Neves possui um quadro, o “Empório do Miltão”, no qual apresenta produtos de seus parceiros comerciais.
O apresentador apoia publicamente o governo Bolsonaro e é amigo pessoal do secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Fabio Wajngarten. Em post de 2019 no blog Bela Jogada, ele disse que votou no presidente duas vezes e votaria mais 500 ou em qualquer outro, “desde que o candidato da vermeiada de mãos e olhos gigantescos fosse derrotado e desaparecido”.
Ao justificar o convite para estrelar a campanha publicitária a favor da Reforma da Previdência, a qual chamou de excelente, afirmou, citando ao final a distribuidora de Caboclo, a Rommac:
— Seria apenas mais uma de minhas milhares de campanhas que faço desde 1982 de bancos, cinco marcas de cervejas, cada uma a seu tempo, palestras, eventos corporativos de multinacionais, móveis, chuveiros, fios e cabos, água mineral, ar condicionado, sapato, celular, atacados, supermercados, restaurantes top, Thinner da Natrielli, Distribuidora de Produtos, EMS, Bradesco, Febraban, Cartão Corinthians, Sicredi, Alimentos Aurora, Magnus, Cepam da Village, Rommac e mais uns 30 clientes regionais também de mercado imobiliário.
Nesta sexta-feira, ao comentar em seu blog sobre o caso envolvendo o presidente da CBF, o apresentador se apressou em dizer que “denúncia não é condenação” e que “precisamos esperar que os fatos sejam esclarecidos”. Segundo ele, muitos “antenados jornalistas” já indicam a “morte política” do dirigente.
“Mas, olha, eu já vi muito presidente da CBF cair por desvios dos mais variados tipos”, completou. “Agora, por assédio, se de fato acontecer, será a primeira vez! Infelizmente, tenho a sensação de que a poltrona do mandatário da entidade máxima de nosso futebol esteja amaldiçoada”.
Conforme apuração dos repórteres Gabriela Moreira e Martín Fernandez, a denúncia contra Caboclo foi protocolada no início da tarde de sexta-feira na Comissão de Ética da CBF e na Diretoria de Governança e Conformidade. Os abusos teriam ocorrido contra uma funcionária, que detalhou episódios vividos por ela desde abril do ano passado. No documento, a mulher afirma ter provas de todos os fatos e pede que o dirigente seja investigado e punido com o afastamento da organização e, também, pela Justiça Estadual.
Entre os fatos narrados estão constrangimentos sofridos em viagens e reuniões com o presidente e na presença de diretores da CBF, homens. Na denúncia, a vítima detalha o dia em que o dirigente, após sucessivos comportamentos abusivos, perguntou se a funcionária se “masturbava”. Em um dos episódios de extrema gravidade, de acordo com o relato, ele tentou forçá-la a comer um biscoito de cachorro, chamando-a de “cadela”. Procurado, o cartola não se pronunciou sobre a denúncia.
Reportagem de 2015 da Folha mostrou que o dirigente, formado em Direito e Administração de Empresas, viu seu patrimônio em carros e imóveis se multiplicar desde que começou a trabalhar como cartola de federações de futebol. Em 2001, quando ele assumiu seu primeiro cargo na Federação Paulista de Futebol (FPF), tinha em torno de R$ 570 mil em bens.
Após 17 anos, já acumulava R$ 8,6 milhões, cerca de quinze vezes a quantia original. O aumento dos bens aconteceu principalmente a partir de 2012, quando Caboclo entrou no Comitê Organizador Local da Copa de 2014, financiado com recursos da Fifa. Na época, ele argumentou, por meio da assessoria da CBF, que o crescimento era condizente com a sua renda no período.
| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas. |
Foto principal (Lucas Figueiredo/CBF/Flickr): presidente da CBF tem face empresarial pouco conhecida