Pesquisa da Rede Social de Justiça e Direitos humanos evidencia vínculos de empresas com queimadas, desmatamento e expropriação de comunidades rurais; SLC, Insolo, BrasilAgro, Dahma e Radar/Tellus também são citadas
Por Mariana Franco Ramos
Empresas de soja divulgam políticas de desmatamento zero, mas se beneficiam do processo violento de destruição ambiental e apropriação indevida de territórios. A conclusão é do relatório “Desmatamento, grilagem de terras e financeirização: Impactos da expansão do monocultivo da soja no Brasil”, lançado nesta semana pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, que implica diretamente multinacionais como a Bunge.
Segundo os pesquisadores, apesar da pressão de seus acionistas para que adote medidas de sustentabilidade, a gigante do agronegócio continua a impulsionar a destruição dos biomas e a grilagem.
Além dela, são mencionadas diretamente SLC, Insolo (recentemente vendida para a Universidade de Harvard), BrasilAgro, Dahma e Radar/Tellus. Esta última tem como acionistas a Cosan e a Mansilla, criada para especular com terras agrícolas. A principal fonte do capital da Radar é a TIAA, que administra fundos de pensão nos Estados Unidos avaliados em aproximadamente US$ 1 trilhão.
Conforme a publicação, o processo ilegal de constituição de uma fazenda ocorre de maneira sofisticada, envolvendo elites locais e suas relações com cartórios. Assim, o primeiro passo é a falsificação de um título de terra. “Posteriormente, os supostos proprietários iniciam a expulsão, muitas vezes violenta, das comunidades rurais de seus territórios”.
Um dos casos mais emblemáticos acontece no sul do Piauí, mais precisamente em Uruçuí, onde fica a fábrica da Bunge. A companhia detém o monopólio da venda de insumos e de financiamento aos produtores. Ela processa a commodity nessa unidade e a exporta na forma de farelo e óleo pelo Porto de Itaqui, no Maranhão.
— A evolução do desmatamento nas últimas décadas esteve bastante conectada à emergência da economia do agronegócio da soja e, portanto, se acelerou pari passu com esta, ao ponto de ter sido maior nos últimos 20 anos (cerca de 13 milhões de hectares) do que nos 500 anos anteriores, desde a invasão colonial (aproximadamente 11 milhões de hectares).
Ainda de acordo com o relatório, em 2020, a superfície desmatada de Cerrado no Matopiba (formado pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) já correspondia a 23,47 milhões de hectares, ou 35,28% da área total de Cerrado na região.
Cerca de 17% dessa área devastada (4 milhões de hectares) estava destinada à soja em 2018; e 14,6 milhões de hectares eram destinados para pastagens em 2020, com um aumento de 258% desde 1985.
Juntos, criação de gado e monocultivo de soja correspondem a praticamente 80% da área de desmatamento acumulada até 2020 no Cerrado do Matopiba. “O desmatamento tem por finalidade tentar vender a área como se fosse legítima, o que dificulta a reversão da grilagem da terra”, destacam os autores.
A expansão da Bunge inclui um novo silo de armazenamento de soja na cidade de Santa Filomena, também no sul do Piauí. Este silo está localizado nas proximidades de uma área de desmatamento, documentada em imagens de satélite e em visitas a campo em outubro de 2021.
Segundo a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, a destruição começou um mês antes, na escarpa leste da Chapada Fortaleza, acima dos baixões de diversas comunidades que reivindicam a titulação coletiva de suas terras. Conforme informações do site Trase, toda a soja produzida no município abastece os silos da Bunge. “Isso significa que esta empresa se beneficia do desmatamento”.
— Eu comecei a ver um trânsito de carros muito intenso na estrada próxima à minha casa. Tentei me informar, mas ninguém queria me dizer o que estava ocorrendo… Era tudo sigiloso. Então, quando finalmente alguém me disse, perguntei onde exatamente era a derrubada. Fui até lá, vi a área sendo desmatada e a minha primeira reação foi denunciar.
O depoimento, que consta do relatório, é do líder de uma comunidade próxima à Chapada Fortaleza, próximo aos territórios de Chupé e Brejo das Meninas, onde vivem comunidades tradicionais. Ele notou que, embora os homens que vigiavam a área desmatada tivessem se identificado como policias, eram, na verdade, pagos por um grileiro local.
“O desmatamento tem por finalidade tentar vender a área como se fosse legítima, o que dificulta a reversão da grilagem da terra”, afirmam os pesquisadores.
A Friends of the Earth e a Global Witness enviaram cartas aos acionistas da Bunge e da ADM, como parte de uma campanha para que a multinacional adote práticas sustentáveis, em preparação para a reunião anual de acionistas, que ocorre no dia 12 de maio.
No ano passado, 98% dos acionistas da companhia votaram para que a empresa adotasse medidas contra o desmatamento. No entanto, o atual compromisso, que seria abolir a prática em suas cadeias até 2025, está atrasado. A campanha alerta que é preciso parar de adquirir soja de fornecedores que estão em terras desmatadas após 2020 no Cerrado.
| Mariana Franco Ramos é jornalista. |
Foto principal (Divulgação): fazendas griladas pelos fundos de Harvard e TIAA no Cerrado