Indígenas, quilombolas e camponeses se unem a ambientalistas e cientistas para pautar proteção socioambiental e investimentos em ciência e tecnologia; candidaturas representam populações que protegem os biomas, enquanto especialistas alertam para os efeitos destruidores das mudanças climáticas
Por Luma Prado e Nanci Pittelkow
Agronegócio, mineração, barragens e megaprojetos de desenvolvimento causam desmatamento, queimadas, poluição e expulsam as comunidades que conservam os biomas. A devastação e o desequilíbrio provocam mudanças climáticas e eventos extremos.
“São secas prolongadas, chuvas concentradas, ondas de calor e de frio, avanço do mar”, ilustra Claudia Visoni, ambientalista e co-candidata a deputada estadual pelo PV-SP. O efeito imediato é o agravamento da fome e mais carestia: “Nenhum desses cenários é bom para agricultura; a gente está vendo quebras de safra e preço dos alimentos subindo”, complementa.
Candidata a deputada federal pelo PSOL-SP, Sônia Guajajara destaca que a agenda ambiental foi destruída nesses quase quatro anos de governo Bolsonaro. “Muitos desses ataques vêm do próprio Congresso Nacional, por meio das medidas legislativas que retrocedem direitos, que flexibilizam legislação ambiental”, diz a coordenadora nacional da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). “Tem o PL 490, PL 191 da mineração, o 2633 da grilagem e o próprio Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal. As ameaças vêm diretamente dos três poderes da União”, resume.
Para se contrapor ao “governo da boiada”, candidaturas do campo e das florestas, aliadas a ambientalistas e acadêmicos, propõem uma política da vida. “Eles decidiram passar a boiada sobre nossos territórios, mas nós decidimos passar com a nossa resistência, com o nosso cocar e com a força do urucum e do jenipapo”, afirma Célia Xakriabá, candidata a deputada federal pelo PSOL-MG. “Eu sou uma mulher indígena e estou preparada para compor a bancada do cocar e enfrentar a bancada ruralista”, completa.
Veja as propostas do campo e da cidade alinhadas com a defesa dos biomas e dos territórios dos povos tradicionais para “adiar o fim do mundo”, no sexto vídeo do especial Eleições do programa De Olho na Resistência:
Há um alinhamento de propostas entre as candidaturas. Elas representam não somente os biomas, mas os povos que sustentam a biodiversidade. A ideia é ocupar a política institucional e constituir as bancadas da terra e da ciência. “Em determinado momento, o ambientalismo não foi muito feliz na comunicação de suas pautas em relação às questões sociais”, diz Cláudia Visoni. “Surgiu uma falsa dicotomia entre o social e o ambiental, mas hoje a gente sabe que são a mesma pauta.”
As chapas que representam os povos originários decidiram buscar espaço na política em um momento crítico. “Nós estamos vivendo o ápice do racismo ambiental”, relata José Carlos Galiza, quilombola e co-candidato a deputado federal pelo PSOL-PA. “Tem conflito com a mineração, com o avanço do agronegócio, com os grandes projetos na Amazônia, principalmente, e transmissão de mineroduto. Todos esses projetos vão impactando nossas vidas”.
Por isso a organização partiu do território para conquistar as urnas. “Vamos sempre defender que haja o fortalecimento da política ambiental na Amazônia e da política de direitos dessas populações”, afirma Jackson Dias, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e candidato a deputado federal pelo PSB-PA. “Porque não existe floresta em pé se não tiver alguém cuidando”, completa.
Esses representantes alertam para o fato de que os megaprojetos expulsam as pessoas do campo e impactam a vida das cidades, exigindo mudanças nas políticas públicas. “Aumenta a pressão sobre os postos de saúde, hospitais, escolas”, lembra Dias. “Elas deveriam ter seu desenvolvimento nas comunidades”.
Essas e outras candidaturas podem ser consultadas na lista de signatários da carta-compromisso socioambiental. O Farol Verde é outro instrumento de busca por candidaturas comprometidas com as pautas de mudanças climáticas e direitos socioambientais.
As mudanças climáticas sempre foram objeto de preocupação entre os indígenas. “Os cientistas, pesquisadores, estão anunciando que se não cuidar, a natureza, o ambiente, vão viver um colapso”, fala Bartô Macuxi, candidato ao Senado pelo PSOL-RR. “Porque se intensificam chuvas, temporais, inundações, queimadas, tempestades de areia”.
Para Claudia Visoni, os efeitos da mudança já são tangíveis. “Não é mais uma coisa teórica ou futura, ela está aqui hoje”, alerta. “Está afetando o dia a dia e a gente precisa reagir rápido”.
O Brasil já teve políticas citadas como exemplo para combater o desmatamento. “Está acima de nós o imperativo ético de lidar com o problema das mudanças climáticas que ameaçam o Brasil e o mundo e o retorno atualizado de políticas públicas que (…) geraram resultados reconhecidos no mundo inteiro”, lembra Marina Silva, ex-senadora e candidata a deputada federal pela Rede-SP, durante evento em que anunciou seu apoio à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência.
“Fomos responsáveis por criar 80% das áreas protegidas do mundo, enquanto o atual governo, em três anos e meio, já é responsável pela destruição de um terço das florestas virgens do mundo”, diz Marina, que foi ministra do Meio Ambiente no governo Lula, entre 2003 e 2008.
Além de brigar por recursos e defender a autonomia universitária, as candidaturas da bancada da ciência defendem o ambiente. “Qual o ponto essencial: nós queremos desmatamento zero e reflorestamento”, fala Ricardo Galvão, cientista e candidato a deputado federal pela Rede-SP. “Queremos uma proposta para a Amazônia de zerar o desmatamento em no máximo um ano e meio, dois anos. E forte incentivo ao reflorestamento”.
Como ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Galvão alerta para a gravidade dos impactos das mudanças climáticas. “É impossível nós evitarmos o aquecimento global médio do Brasil até 2040 de 1,5 a 2 graus centígrados. Estudos do Inpe e do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] já mostram isso claramente”, informa Galvão. “Todo o Centro-Oeste e mais Sudeste do Brasil vai se aquecer. As oscilações de temperatura serão maiores. E quando a média sobe, os picos sobem”.
Nesse cenário, cientistas convergem ao considerar os conhecimentos dos povos originários e comunidades tradicionais como principal caminho para a criação de novas estratégias de enfrentamento às mudanças climáticas, o que vem sendo chamado de política de envolvimento, em contraste com conceitos ultrapassados de desenvolvimento.
“Eu não sou daquelas que acham que não se pode tocar em nada”, afirma Carmen Foro, camponesa, ribeirinha e candidata a deputada federal pelo PT-PA. “Nós acumulamos conhecimento e é possível ter desenvolvimento na Amazônia brasileira, desde que os projetos tenham racionalidade. Eu já tive a oportunidade de dizer ao presidente Lula que do jeito que esses projetos são pensados para Amazônia não dá mais, eles têm que ser revistos e alguns tem que ser cancelados”, opina.
Alinhado com essas demandas, o candidato à presidência Lula se comprometeu a criar um Ministério dos Povos Originários, a demarcar territórios indígenas e a combater o garimpo ilegal. “Alguém terá que assumir esse Ministério e não será um branco como eu”, disse Lula, em evento. “Terá que ser uma índia ou um índio. Terá que ser alguém para poder existir da mesma forma que nós fizemos o Ministério da Igualdade Racial.”
No próximo programa, continuamos com o especial Eleições. E será a vez de falar sobre violência e resistência no campo e nas candidaturas de indígenas, quilombolas e camponeses.
| Luma Prado é historiadora, roteirista e apresentadora do De Olho na Resistência. |
|| Nanci Pittelkow é jornalista. ||
Foto principal (Denisa Starbova/Cimi): área de floresta queimada em território Huni Kuin, no Acre
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