Diante de governo omisso, delegação de Rondônia visita representantes de oito países e Alto Comissariado da ONU para denunciar genocídio; etnia defende suspensão de acordos comerciais resultantes do sangue indígena e da destruição dos territórios
Por Mariana Franco Ramos
Indígenas dos povos Karipuna, Piripikura e Uru Eu Wau Wau, de Rondônia, estão em Brasília nesta semana para denunciar violações que enfrentam há pelo menos sete anos em seus territórios, tomados por grileiros, madeireiros e desmatadores. Diante da inércia do governo de Jair Bolsonaro, eles decidiram concentrar os esforços em organismos internacionais.
A delegação é composta por treze pessoas, entre elas crianças e duas anciãs, que temem a destruição das comunidades e até a extinção das etnias. “Queremos que as embaixadas cobrem o governo para cumprir com a lei e que verifiquem como fazer acordos com o Brasil”, afirma o cacique André Luiz Karipuna.
O líder diz “nem dormir direito” por conta das ameaças que sofre. Ele se refere à compra de produtos oriundos do desmatamento da Amazônia e do desrespeito aos direitos dos povos originários. “A maioria do que sai daqui para fora é fruto da destruição das terras e do sangue indígena”, destaca. “Precisamos rever isso”.
Estão previstos compromissos com embaixadas da União Europeia e de oito países — como Espanha, França, Alemanha e Suíça. Os indígenas devem visitar, até segunda-feira (26), o Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU). Eles estão entregando uma carta, intitulada “Pedido de Socorro”, listando os pontos principais. “Se esse fosse um país sério, a gente resolveria aqui mesmo, mas infelizmente não acontece”, comenta André.
O grupo esteve hoje na Câmara, em reunião com as Comissões de Direitos Humanos (CDH) e de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (Cindra). Organizações sociais e ambientais e parlamentares presentes decidiram elaborar um documento, para encaminhar ao Ministério da Justiça (MJ) e ao Ministério Público Federal (MPF).
“Viemos pedir socorro”, reforçou o cacique. André Luiz contou que, em outras oportunidades, os Karipuna fizeram denúncias ao MJ, à Fundação Nacional do Índio (Funai), ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e à Polícia Federal (PF) de Rondônia. Mas nada mudou.
“Essa política do governo mata, destrói”, constata. “Dizem que nós atrapalhamos o desenvolvimento, o que é mentira. Nós protegemos todas as vidas da floresta”.
O grupo convidou deputados e senadores a visitar o território. O gabinete do presidente da Cindra, João Daniel (PT-SE), informou que a proposta de criar uma comissão que viaje até Rondônia deve ser analisada após as eleições.
Paulino Montejo, assessor político da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), ressalta que a onda de violência generalizada contra os indígenas é resultado de um projeto político de morte, genocida:
— Não querem apenas acabar com a nossa cultura e o nosso modo de vida. Querem nos extinguir! Para tomar conta da biodiversidade, das riquezas, dos recursos do subsolo, do minério, do gás. Para que o agronegócio avance, a pecuária, os monocultivos, a palma, o eucalipto, a soja transgênica. É um governo submetido aos interesses do grande capital, das corporações, tanto nacionais como internacionais, que visam se apropriar das riquezas que os nossos povos preservaram.
Localizada nos municípios de Porto Velho e Nova Mamoré, a Terra Indígena (TI) Karipuna foi demarcada em 1997, com 152.930 hectares, e se encontra homologada. Até a década de 70, os indígenas viviam praticamente isolados no local. Em 2004, dizimados por doenças transmitidas por contatos com os brancos, eram apenas catorze sobreviventes. Hoje, por volta de 50 habitantes resistem.
Na semana passada, representantes de outras nove etnias marcharam na capital federal em protesto pela escalada da violência em suas comunidades. Mais de 150 pessoas, vindas de quatro estados, participaram, carregando faixas e cartazes. De Olho nos Ruralistas acompanhou a movimentação: “Nosso povo está sendo assassinado”: indígenas de nove etnias protestam em Brasília contra massacres“.
Estavam presentes membros dos povos Apãnjekra Canela, Memortumré Canela, Akroá Gamella, Tremembé do Engenho e Kari’u Kariri, do Maranhão; Macuxi, de Roraima; Pataxó, da Bahia; e Xakriabá, de Minas Gerais. Conforme o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), sete indígenas foram assassinados num período de dez dias no país; três eram adolescentes. As mortes se somam a casos de agressão e ameaças no período pré-eleitoral em regiões dominadas pelo agronegócio.
Lançado em agosto e com dados correspondentes a 2021, o relatório “Violência contra os Povos Indígenas do Brasil“, do Cimi, mostra um aumento em quinze das dezenove categorias sistematizadas, como o observatório também já noticiou: “‘Bolsonaro é um assassino e deveria ser preso’, diz líder sobre recordes de violência contra indígenas“.
Em relação aos casos de “violência contra a pessoa”, foram contabilizados os seguintes números: abuso de poder (33); ameaça de morte (19); ameaças várias (39); assassinatos (176); homicídio culposo (20); lesões corporais dolosas (21); racismo e discriminação étnico cultural (21); tentativa de assassinato (12); e violência sexual (14).
Os registros totalizam 355 situações de violência contra pessoas indígenas em 2021, maior número desde 2013, quando o método de contagem foi alterado. Em 2020, foram catalogados 304 casos do tipo.
| Mariana Franco Ramos é jornalista. |
Foto principal (Chico Batata/Greenpeace): invasores no interior da TI Karipuna, flagrados em fevereiro de 2019
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