Licenças foram concedidas meses após o jornal O Globo revelar que o Grupo Thomazini presenteou filho mais novo de Bolsonaro com um carro elétrico avaliado em R$ 90 mil; MPF apura crimes de tráfico de influência e lavagem de dinheiro
Por Mariana Franco Ramos
Em meio a uma investigação sobre suposto crime de tráfico de influência e lavagem de dinheiro, a Gramazini Granitos e Mármores Thomazini, ligada a Jair Renan, filho mais novo de Jair Bolsonaro, conseguiu no fim do ano passado mais 18 alvarás para pesquisar minérios nas regiões sul, sudeste e nordeste do país. Os decretos foram publicados no Diário Oficial da União (DOU) dos dias 29 e 30 de dezembro de 2021 e possuem validades que vão de dois a três anos.
O grupo capixaba, composto por 17 mineradoras, é o mesmo que presenteou o “04” com um carro elétrico avaliado em R$ 90 mil, conforme informações divulgadas pelo jornal O Globo no início do ano passado. Um mês após a doação, em outubro de 2020, a firma agendou um encontro com o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, do qual Jair Renan também participou.
A situação despertou a atenção do Ministério Público Federal (MPF), que instaurou um procedimento preliminar para investigar o caso. Pouco tempo depois, em dezembro, o filho do presidente foi intimado pela Polícia Federal (PF) para depor no inquérito.
Somadas, as áreas de nove das autorizações, concedidas em apenas dois dias, chegam a 6.868,85 hectares. O tamanho das demais não foi informado. A maioria delas fica em Minas Gerais, nos municípios de Eugenópolis, Vieiras, Poté, Divino das Laranjeiras, Mendes Pimentel, Governador Valadares, Grão Mogol, Conselheiro Pena, Goiabeira, Cristália, Malacacheta e Galileia. Mas há também estudos de mármore, granito e quartzito previstos em Tenente Ananias (RN), Rio Branco do Sul (PR), Cerro Azul (PR) e Tunas do Paraná (PR).
A investigação envolvendo Jair Renan tramita na Superintendência da PF do Distrito Federal. O inquérito aponta que ele é associado com outras pessoas “no recebimento de vantagens de empresários com interesses, vínculos e contratos com a Administração Pública Federal e Distrital sem aparente contraprestação justificável dos atos de graciosidade”.
Conforme as apurações, o núcleo empresarial apresenta “cerne em conglomerado minerário/agropecuário, empresa de publicidade e outros empresários”.
As suspeitas sobre o 04 englobam a utilização da empresa de eventos dele, a Bolsonaro Jr Eventos e Mídia, para promover articulações entre a Gramazini Granitos e Mármores Thomazini e Rogério Marinho. Na época, o advogado Frederick Wassef, que representa Renan, negou a acusação de tráfico de influência e disse que o jovem não possui nenhum automóvel, nem foi presenteado.
“Não tem nenhum carro, ele nem atuou para abrir porta para ninguém”, afirmou Wassef, ao Estadão. “É mais um ato para atingir o presidente da República”.
Em março de 2021, De Olho nos Ruralistas mostrou que a área de atuação do Grupo Thomazini vai além da mineração e da construção — e que, portanto, existem mais interesses nessa aproximação com a família Bolsonaro: “Grupo Thomazini, que doou carro para Jair Renan, também faz fortuna na pecuária“. Pelo menos outros dois setores estão presentes no conglomerado: a energia e a agropecuária. Sem falar na concessionária de carros.
A Fazenda 3JR comprou por R$ 26 milhões uma propriedade que pertencia ao ex-deputado federal Camilo Cola (MDB-ES), falecido no ano passado. E que tinha sido avaliada pela família, dez anos antes, por R$ 105 mil. A 3JR especializou-se no gado caribenho senepol, cujo touro é caracterizado por uma forte libido. Os Thomazini rodam o país em eventos do setor, promovendo as crias. É um mercado onde uma vaca chega a valer R$ 313 mil.
A empresa possui o maior rebanho da raça no Espírito Santo e é comandada por Jhonatan Thomazini, o mesmo empresário por trás da Neon E. Motors, concessionária de veículos que presenteou Jair Renan. Jhonatan é irmão de John, o membro da família que aparece em foto com o “04” e com Rogério Marinho, em Brasília.
A Bolsonaro Jr Eventos e Mídia — ou RB Eventos e Mídia Eireli — tem como atividade principal “serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas”. A Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAES) prevê, nesse escopo, itens como “serviços de remates rurais”, “gestão de parque para feiras agropecuárias”, “exposição de animais em feiras” e “organização de parque de leilão de gado”.
Ao mesmo tempo em que trabalha para beneficiar cooperativas e grupos criminosos atuando no garimpo ilegal na Amazônia, Jair Bolsonaro mantém os incentivos às grandes mineradoras e atende aos interesses do MDB na composição de cargos da Agência Nacional de Mineração (ANM). Essa política dual adotada no setor minerário é o tema do relatório “As Veias Abertas”, do De Olho nos Ruralistas, que explora a política fundiária do atual governo.
Na sua articulação pelo avanço do garimpo, Bolsonaro tem o apoio do Grupo de Trabalho da Mineração na Câmara dos Deputados, cujo relator, Joaquim Passarinho (PL-PA), defende a exploração mineral em terras indígenas. Enquanto a lei não vem, o presidente assinou oito decretos que beneficiam pequenas e médias mineradoras e facilitam o garimpo ilegal.
Entre eles, está o nº 10.965, de 11 de fevereiro de 2022, que prevê que a ANM estabeleça “critérios simplificados para análise de atos processuais e procedimentos de outorga”, principalmente no caso de empreendimentos de pequeno porte. A normativa beneficia garimpeiros e a indústria de construção civil, que se utiliza de minerais como argilas, cascalhos, brita, calcário, cálcio e rochas ornamentais.
O candidato à reeleição já expressou, mais de uma vez, seu desejo de ressuscitar os tempos de Serra Pelada, no Pará, quando, nos últimos anos da ditadura iniciada em 1964, um verdadeiro formigueiro humano de mais de 100 mil garimpeiros se formou para extrair metais preciosos do seio da terra, trabalhando em condições degradantes e, por vezes, sub-humanas.
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Apesar da acusação de tráfico de influência, Bolsonaro JR, como o caçula se apresenta nas redes sociais, costuma dizer que política não é a praia dele; que prefere ser influencer. Ainda assim, usa seus perfis para dar recados bolsonaristas e, a exemplo do que faz o pai, disseminar machismo e misoginia.
Em maio de 2020, por exemplo, postou no Twitter um print de um jogo em que derrotava Maria do Rosário (PT-RS), a deputada federal que seu pai disse que não estupraria porque “não merece”. “Pata!”, escreveu. “Tem que se f* e acabou porr*!”
Em 2019, o delegado Giniton Lages, titular da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro e um dos responsáveis pelas investigações da execução da vereadora Marielle Franco, confirmou que a filha de Ronnie Lessa, preso sob acusação de ser um dos autores do homicídio, namorou Jair Renan Bolsonaro.
“Também apareceu que meu filho Zero Quatro e a filha desse ex-sargento, eu comecei a correr atrás”, comentou o presidente, na tentativa de defender o caçula. “Primeiro chamei meu filho”, prosseguiu. “Pai, eu sai com metade do condomínio, nem lembro quem é essa menina”, teria respondido o rapaz. Em dezembro, ele simplesmente não foi depor na investigação da PF.
Às vésperas do primeiro turno das eleições, o “04” se mudou da mansão onde morava com a mãe, Ana Cristina Valle, no Lago Sul de Brasília, bairro nobre da capital federal. A residência ganhou notoriedade por ter sido comprada em nome de um corretor de imóveis pelo valor declarado de R$ 2,9 milhões.
Inicialmente, a ex-esposa de Jair Bolsonaro (PL) afirmava que morava de aluguel. Contou que pagava R$ 8 mil por mês, mesmo recebendo R$ 6 mil como assessora parlamentar. Mas, ao registrar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sua candidatura a deputada distrital, incluiu a propriedade na lista de bens. Ela recebeu somente 1.485 votos e não conseguiu se eleger.
De acordo com a coluna de Rodrigo Rangel, no Metrópoles, a saída de Jair Renan da casa ocorreu pouco tempo após a Polícia Federal (PF) pedir abertura de investigação para que a Justiça apure se Ana Cristina cometeu crime de lavagem de dinheiro na compra do imóvel. O filho do presidente voltou para o apartamento de dois quartos que Jair Bolsonaro mantém, desde 2000, no Sudoeste, outro bairro nobre de Brasília.
| Mariana Franco Ramos é jornalista. |
Imagem principal (Reprodução): Jair Renan se diz avesso à política, mas é investigado por tráfico de influência
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