Com transferência de votos do ex-governador Geraldo Alckmin, Lula se aproximou da votação do presidente no Vale do Ribeira, onde Bolsonaro viveu, onde ainda moram seus irmãos e sobrinhos e onde seu cunhado invadiu quilombo
Por Leonardo Fuhrmann
Nascido e criado no interior paulista, o presidente Jair Bolsonaro (PL) construiu sua carreira política no Rio de Janeiro. Apesar disso, os laços políticos com o Vale do Ribeira (SP) ainda são bastante presentes. Os irmãos e sobrinhos do presidente vivem lá até hoje. E foi lá que, em 2018, um cunhado dele foi condenado por invadir um quilombo.
Mas isso não foi suficiente para garantir a Bolsonaro uma vantagem expressiva no primeiro turno. Nessa região de 21 municípios grandes e pouco populosos no estado (fazem parte da região outros sete municípios no Paraná), o PT mais do que dobrou sua votação entre 2018 e 2022.
Em 2018, o ex-ministro da Educação Fernando Haddad, hoje candidato ao governo paulista, recebeu 35.742 votos na região, cerca de 20% do total de votos na região durante o 1primeiro turno. Bolsonaro, naquele ano, foi escolhido por 94.302 dos votantes, ou 52% das urnas.
Nestas eleições, o total de votos e os eleitores de Bolsonaro aumentaram em relação ao pleito anterior, mas nada em proporção semelhante ao número de votos dado ao candidato do PT neste ano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Bolsonaro obteve um crescimento de 12,8% no eleitorado, pouco acima dos 9,4% a mais de votos depositados nas urnas. Lula cresceu 116,% em relação à votação de Haddad.
Mesmo com o crescimento exponencial da candidatura petista em relação à disputa anterior, Lula ficou na segunda colocação na região, com 77.410 votos, ante os 106.383 de Bolsonaro.
Embora tenha vencido em sete municípios, contra catorze do adversário, Lula conquistou uma margem expressiva de votos, superando a barreira dos 50% em pelo menos cinco cidades – cifra que Haddad passou longe de bater na região. No terceiro maior colégio eleitoral do Ribeira, no município de Juquitiba, Lula “devolveu” a derrota sofrida pelo PT em 2018, vencendo por 46% dos votos, contra 43% de Bolsonaro.
Além do maior potencial eleitoral de Lula em relação a Haddad, a escolha do vice pesou nesta eleição. Ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSB) terminou à frente de Haddad na eleição anterior em seis municípios (Cananeia, Iguape, Itariri, Jacupiranga, Juquiá e Pariquera-Açu) e superou Bolsonaro em Itaoca.
Aliado a estes fatores, o resultado mostra também uma maior polarização, com o crescimento exponencial do antibolsonarismo. Foi o caso de Registro, maior município da região, onde a votação do candidato petista cresceu praticamente uma vez e meia. Em Eldorado, onde o presidente morou, o resultado foi apertado a favor dele nas duas eleições. Em 2018, ficou 9 pontos percentuais à frente do PT. Em 2022, a diferença foi de seis.
A diferença é notória também na mobilização política em outros municípios do Ribeira. De Olho nos Ruralistas esteve na região em julho e conta o que viu em reportagem: “Ameaças a indígenas e quilombolas são legado de Bolsonaro no Vale do Ribeira“.
Ao longo do mandato de Bolsonaro, além da pulverização aérea dos bananais, outras disputas acirraram a divisão entre bolsonaristas e outros grupos políticos. A posição do governo contrária à demarcação de terras indígenas e de povos quilombolas é uma delas. O Vale do Ribeira tem dez aldeias Guarani Mbyá e Ñandeva, mais de oitenta comunidades caiçaras e 98 dos 142 territórios quilombolas existentes no estado de São Paulo, 36 deles oficialmente delimitados.
Em 2019, o secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, e o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier da Silva, chegaram a viajar para Miracatu, onde participaram de uma articulação com ruralistas da região contra as demarcações de terras indígenas. Um dos articuladores do encontro foi Renato Bolsonaro, irmão do presidente, que depois ocupou o cargo de chefe de gabinete do prefeito do município, Vinícius Brandão de Queiroz (PL).
Renato foi o articulador de outras mobilizações semelhantes na região. Em comum, a ausência de convites para indígenas para falar sobre as demarcações de suas próprias terras.
Sem o mesmo sucesso eleitoral do irmão e sobrinhos, Renato não é um neófito na política. Ele concorreu a deputado federal em 1998; em 2000 e 2004, para vereador na Praia Grande, no litoral sul de São Paulo. De volta ao Vale do Ribeira em 2008, recebeu 202 votos na candidatura a vereador em Miracatu. Concorreu a prefeito do município nas duas eleições seguintes. Também ex-militar, ele chegou a usar o nome Capitão Bolsonaro em algumas disputas. Foi do PPB, PFL, PTB, PSL e PR (atual PL, partido pelo qual Jair disputa a reeleição).
Antes da eleição presidencial de 2018, Renato foi apontado como “funcionário fantasma” no gabinete de um deputado estadual em São Paulo, fazendo o papel inverso na prática comum nos mandatos do irmão e do sobrinho Flávio, ex-deputado estadual no Rio e agora senador. No gabinete de André do Prado (PR-SP), recebia um salário de R$ 17 mil enquanto trabalhava regularmente em uma das suas quatro lojas de móveis em Miracatu. Após a divulgação da história, Renato foi exonerado do cargo. Em 2022, não concorreu a nenhum cargo.
Conforme mostrou o dossiê “O Presidente das Bananas“, a família do presidente tem interesses econômicos na região. Cunhado de Bolsonaro, o empresário Theodoro da Silva Konesuk foi condenado pela Justiça em 2018 por invadir terras quilombolas — como revelado por este observatório. Ele foi obrigado a devolver uma área pertencente aos remanescentes do quilombo do Bairro Galvão, em Iporanga, município vizinho de Eldorado. A imprensa comercial brasileira até hoje não repercutiu essa informação.
A atuação do cunhado na região também é marcada pela devastação do ambiente, assim como a de outros aliados da família na região. Konesuk fez um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) em 2020, depois de constatada sua responsabilidade por devastar a vegetação da reserva legal de uma fazenda que possui às margens do Rio Ribeira do Iguape, em Registro (SP). O local é Área de Proteção Permanente (APP).
Candidato a deputado federal pelo PSL em 2018, na época mesmo partido de Bolsonaro, o empresário Valmir Beber foi condenado em 2018 a um ano de reclusão pela Justiça em Eldorado, por crime ambiental. Ele é acusado de manter uma plantação de bananas em uma área de 19,5 hectares dentro do Parque Estadual Caverna do Diabo. Beber contou com o apoio direto de Renato e de Jair em sua campanha. Com direito a vídeos. Ele também usou a estrutura de sua empresa para ajudar na campanha bolsonarista.
Depois de eleito, Bolsonaro e a então deputada Tereza Cristina, depois ministra da Agricultura, hoje senadora eleita pelo Mato Grosso do Sul, receberam uma comitiva da Associação dos Bananicultores do Vale do Ribeira (Abavar), da qual Beber fazia parte. Outro participante era o empresário Renê Mariano, condenado em 2017, em ação civil pública do MP-SP, por não manter a reserva legal de sua fazenda, a São Lourenço, em Jacupiranga, outro município vizinho de Eldorado. O imóvel tem pouco mais de 780 hectares.
O empresário foi beneficiado diretamente pela instrução normativa editada pelo Ministério da Agricultura meses depois para aumentar as áreas em que é permitida a pulverização aérea nos cultivos de banana: ele é dono da empresa Banaer Pulverização Agrícola.
Foto principal (Manoel Marques/De Olho nos Ruralistas): apoio a Bolsonaro no Ribeira foi um dos temas de cobertura especial do observatório
| Leonardo Fuhrmann é repórter do De Olho nos Ruralistas. |
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