Marido de Anni Karini Reina dirige a Cooperativa dos Garimpeiros do Vale do Rio Peixoto; diretores doaram verbas para as campanhas do prefeito Maurício Ferreira de Souza e do candidato à sucessão, Calebe Borges; prefeitura diz não haver impeditivo legal
Por Carolina Bataier e Bruno Stankevicius Bassi
O município de Peixoto de Azevedo (MT) é o terceiro com maior extensão de área de mineração do Brasil. São 128,39 km² destinados à atividade, segundo dados do MapBiomas. A título de comparação: em seu auge, nos anos 80, o garimpo de Serra Pelada, o maior do mundo, abrangia uma área de 50 km² — 2,5 vezes menos que a área explorada no município mato-grossense.
Com tamanha relevância, a mineração tem espaço de destaque na administração pública local: Meio Ambiente, Mineração e Turismo compõem a mesma secretaria. A falta de estrutura própria para a gestão ambiental é um dos temas do dossiê “Os Gigantes“, publicado no dia 5 de setembro pelo De Olho nos Ruralistas. O observatório identificou que, dos cem maiores municípios do país, 52 não possuem um gabinete específico para o tema: “Os Gigantes: 30 municípios têm secretarias de ambiente fundidas com agronegócio, mineração e turismo“.
Em Peixoto de Azevedo, a pasta está sob a gestão da engenheira ambiental Anni Karini Reina. A secretária é casada desde 2023 com o garimpeiro Maicon Aquino, dirigente da Cooperativa dos Garimpeiros do Vale do Rio Peixoto (Coogavepe). Em imagens de redes sociais, o casal posa em registros em festas e viagens. No peito, Aquino ostenta uma pepita de ouro pendurada em um cordão dourado.
A Coogavepe possui 7 mil cooperados e responde por 4% da produção nacional de ouro, segundo estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Maior operadora de garimpos legalizados do Brasil, ela atua em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT) para a regularização ambiental dos empreendimentos.
Principal fonte de água de Peixoto de Azevedo, o Rio Peixoto é vítima frequente de contaminação oriunda do garimpo. Em 2021, uma operação do Ministério Público de Mato Grosso constatou a presença de garimpeiros ilegais na região.
No mesmo ano, Peixoto de Azevedo voltou a fazer parte da lista de municípios prioritários para ações de prevenção, monitoramento e controle do desmatamento na Amazônia, mantida pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). O retorno se deu três anos após o município ter saído da lista, fruto de uma diminuição consistente nos índices de desmatamento.
O prefeito atual foi eleito em 2016 com um plano de governo sem propostas concretas para o ambiente. Maurício Ferreira de Souza (PSD) encerra seu segundo mandato contrariando uma tendência observada em outros municípios mato-grossenses: a de queda nos índices de desmatamento ilegal, acompanhada do aumento do número de cortes autorizados pela Sema-MT. Em 2022, um estudo da secretaria apontou que 94% do desmatamento realizado ocorreu sem licença: a maior taxa de ilegalidade do estado.
A lista de doadores da campanha de reeleição de Maurício, em 2020, expõe sua conexão com a mineração e o agronegócio. Um deles é o líder garimpeiro Felipe Mesquita Santa, da Coogavepe, que contribuiu com R$ 20 mil para o candidato. Acima dele aparece o sojicultor Carlos Gonçalves Muniz, que doou R$ 40 mil. Além da extração de minérios, o município dedica 46 mil hectares à monocultura de soja.
Em 2024, Mauricio apoia a candidatura do fazendeiro Calebe Borges (PSD). Ele é o segundo maior doador de campanha de Calebe, com R$ 30 mil. Na sequência vem a secretária de Meio Ambiente, Mineração e Turismo, Anni Reina, com R$ 10 mil. O empresário Ricardo Rebelatto, ligado à cooperativa de garimpeiros de Peixoto de Azevedo, doou R$ 7,5 mil.
Questionada sobre eventual conflito de interesses decorrente do matrimônio entre a secretária de Meio Ambiente, Anni Karini Reina, e o dirigente da Cooperativa dos Garimpeiros do Vale do Rio Peixoto (Coogavepe), Maicon Aquino, a prefeitura de Peixoto de Azevedo declarou não haver irregularidades:
— Inicialmente, destaca-se que não há qualquer vedação legal na nomeação da Secretária Anni Karini. Ela é formada em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Estado de Mato Grosso, sua nomeação é meramente técnica. Por conseguinte, ressalta-se que não há conflitos, uma vez que as atividades de extração de metais preciosos são analisadas e autorizadas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente, por meio da Superintendência de Mineração, em Cuiabá, a 800 km de distância. Logo, o Município de Peixoto de Azevedo não tem autonomia para liberar licenças ou autorizar extração de ouro ou outros minerais preciosos. Compete ao Município a gestão de atividades de impactos locais, nos termos da Lei Federal nº 140, de 2011, bem como lava-jatos, oficina mecânica e armazém de grãos.
O território brasileiro comporta quase todo o continente europeu. Um quinto das Américas. É a maior área continental do hemisfério sul. O Oiapoque, no Amapá, está mais próximo do Canadá do que de Chuí, no extremo sul do país. Entre o litoral paraibano, onde se inicia a Rodovia Transamazônica, e Mâncio Lima, na divisa com o Peru, são 4.326 quilômetros — quase a mesma distância entre Lisboa e Moscou.
“É uma fatia decisiva e esquecida do Brasil”, aponta o diretor do De Olho nos Ruralistas, Alceu Luís Castilho. “Esses municípios costumam ficar fora da cobertura eleitoral, diante da ênfase nos grandes centros urbanos, mas a importância ambiental deles é gigantesca. O impacto deles é planetário”.
Além do dossiê “Os Gigantes”, o observatório publica uma série de vídeos e reportagens detalhando os principais achados do estudo, que mapeia as políticas ambientais dos cem municípios e conta casos emblemáticos de conflitos de interesses envolvendo prefeitos-fazendeiros e a influência de empresas e sindicatos rurais.
O primeiro episódio está disponível em nosso canal no YouTube. Confira abaixo:
| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de pesquisa do De Olho nos Ruralistas. |
|| Carolina Bataier é repórter do Brasil de Fato e integrou o time de pesquisa do dossiê Os Gigantes. ||
Foto principal (MP-MT): Tráfico de ouro ocorre em toda a extensão do Rio Peixoto, no Mato Grosso
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