Prefeituras na Amazônia não têm estrutura para lidar com queimadas e desastres ambientais

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Ministério Público de Contas do Amazonas conclui que nenhuma possui plano de contingência contra enchentes, secas e queimadas; no Acre e Amapá, secretarias de Ambiente apontam despreparo; dossiê “Os Gigantes” disseca gestão ambiental nos cem maiores municípios

Por Carolina Bataier e Bruno Stankevicius Bassi

Produzido pelo núcleo de pesquisa do De Olho nos Ruralistas, o dossiê “Os Gigantes” propõe uma abordagem espacial sobre as eleições municipais de 2024. O documento, lançado no dia 5, analisa as políticas e os conflitos de interesses nos cem maiores municípios por extensão. Juntos, eles compõem 37% do território nacional. Uma área equivalente à Índia.

Municípios não estão preparados para lidar com as mudanças climáticas, aponta dossiê

Durante quatro meses, a equipe do observatório buscou contato com as secretarias responsáveis pela gestão ambiental nas cem prefeituras, pedindo dados sobre as políticas ambientais e climáticas. Apenas oito responderam: “Os Gigantes: 30 municípios têm secretarias de ambiente fundidas com agronegócio, mineração e turismo“.

Os dados disponibilizados nos portais municipais de Transparência são limitados: 39 prefeituras não disponibilizam informações atualizadas sobre a execução do orçamento anual. Em alguns municípios, o site da transparência sequer estava no ar. É o caso de Laranjal do Jari e Oiapoque, no Amapá, Rondolândia e Gaúcha do Norte, em Mato Grosso, e Mucajaí, em Roraima.

Frente à ausência de dados completos sobre o monitoramento das políticas ambientais e de prevenção a desastres climáticos nos Gigantes, De Olho nos Ruralistas recorreu às secretarias estaduais e ao poder Judiciário dos onze estados cujos municípios figuram entre os cem maiores do Brasil.

No Amazonas, o Ministério Público de Contas (MPC-AM) é categórico: nenhum município está preparado para lidar com os impactos da crise climática. O diagnóstico consta em uma representação contra a prefeitura de São Gabriel da Cachoeira, protocolada em fevereiro, visando apurar a existência de omissão em estruturar a Defesa Civil. O órgão conduz, desde 2016, um trabalho de avaliação das ações das prefeituras no preparo para enfrentar eventos extremos como estiagens e enchentes.

Nenhum município possui plano de contingência completo e atendendo todos os requisitos legais, principalmente com estratégia de prevenção e precaução, buscando a redução do risco de impactos negativos de possíveis desastres por ações integradas com os demais setores da prefeitura. Quando muito, há apenas planos de contingência (…)  voltado a preparação para reagir de véspera ao desastre de consumação certa. Não há a cultura de se precaver. Ignoram-se riscos e a possibilidade concreta de evitar as consequências negativas mediante política de prevenção e gestão de riscos. É intolerável que permaneça assim.

Administrada pelo prefeito indígena Clóvis Curubão (PT), São Gabriel da Cachoeira foi tema de outra reportagem da série, que detalha alguns dos destaques do dossiê: “Os Gigantes: PT e PL administram só três prefeituras nos cem maiores municípios“.

“SE TIVER FOGO, NÃO TEM COMO APAGAR”, DIZ PROCURADOR

Segundo o procurador de contas Ruy Marcelo Alencar de Mendonça, à frente do trabalho nos municípios, São Gabriel da Cachoeira passa longe de ser um caso isolado. “Diante dessa evidência, nós pusemos uma série de representações contra todos os prefeitos dos municípios amazonenses, para que eles fortaleçam a cultura de prevenção de desastres e estudem um projeto de lei para adaptação”, explica.

Prefeitura de Tefé mantinha lixão a céu aberto, contaminando igarapé. (Foto: Tefé News)

Durante o trabalho, o MPC-AM observou indicativos como desmatamento, queimadas, poluição de rios e igarapés e a destinação de recursos para a Defesa Civil. A manutenção de lixões a céu aberto aparece na lista de problemas identificados, presente em pelo menos nove municípios que integram a lista dos Gigantes.

Em Tefé, o Ministério Público do Amazonas instaurou um inquérito civil, em 2022, para investigar a contaminação de um igarapé por um aterro municipal. O conjunto de indicativos permitiu ao MPC observar o trabalho das prefeituras sobre temas ambientais, constatando a deficiência, insuficiência ou inexistência de serviços públicos fundamentais nesse sentido.

“Eu devo reconhecer que os cofres desses municípios são modestos”, ressalta o procurador Ruy Alencar. “Eles não têm maior fôlego financeiro comparativamente à maioria dos municípios brasileiros e têm os piores índices de desenvolvimento humano. Feita essa ressalva, não há uma percepção de prioridade jurídica e ecológica com relação a essas políticas públicas”.

O trabalho do MPC identificou a ausência de estrutura para Defesa Civil e outros serviços essenciais para a contenção de danos. “Não tem corpo de bombeiros militar na maioria dos municípios, não tem batalhão”, alerta o procurador. “Se tiver fogo na zona urbana não tem como apagar, muito menos na floresta”.

O Amazonas possui o maior número de representantes entre os cem maiores municípios 34, ao todo. O estado é uma das principais frentes de avanço do desmatamento e das queimadas na Amazônia: segundo dados do MapBiomas, dos quinze municípios que mais perderam florestas entre janeiro de 2021 e julho de 2024, quatro são amazonenses.

AUTORIDADES NO ACRE E NO AMAPÁ ALERTAM PARA RISCO DE DESASTRES

O despreparo das prefeituras amazonenses em responder à crise climática é semelhante ao que ocorre no Amapá e no Acre, conforme apurado junto às Secretarias de Estado de Meio Ambiente (Sema). Segundo a secretária amapaense, Taísa Mendonça, todos os municípios contam com unidades da Defesa Civil, mas ainda não estão preparados para os eventos extremos.

Laranjal do Jari, na fronteira com a Guiana Francesa, é um dos municípios monitorados por ameaça climática. (Governo do Amapá)

“Até o momento, a Defesa Civil da capital é a única preparada para lidar com desastres naturais”, afirma o ofício. De acordo com levantamento da Sema-AP, os municípios de Laranjal do Jari, Oiapoque e Calçoene — três dos quatro representantes amapaenses nos Gigantes — apresentam maior risco de sofrer com eventos climáticos extremos.

No caso do Acre, como a maior parte dos municípios fica às margens de rios, tanto a população urbana quanto a rural estão suscetíveis aos impactos da mudança no curso dessas águas. “De forma generalizada, todos municípios do Acre têm a possibilidade de sofrer com efeitos de uma enchente ou estiagem”, informa a secretária Renata Silva e Souza.

Em Feijó (AC), a cheia histórica do Rio Envira, em 2021, resultou em uma ação do Ministério Público do Acre recomendando a instalação de uma unidade da Defesa Civil — então inexistente — e a criação de um plano de contingência para lidar com as enchentes.  Segundo o órgão, o planejamento foi executado pela prefeitura, por meio do mapeamento e retirada das famílias que residiam em locais de risco. As ações tiveram resultado: três anos depois, Feijó foi um dos municípios que menos sofreu com as enchentes que devastaram o estado em fevereiro.

Na Bahia, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) afirma atuar em conjunto com a Secretaria do Meio Ambiente para a criação de um mapa de vulnerabilidade às mudanças climáticas no estado. O órgão não informou se monitora o nível de preparo das prefeituras para lidar com essas ameaças. O mesmo ocorre em relação aos contatos realizados junto às secretarias de Mato Grosso e Rondônia.

CONFIRA VÍDEO SOBRE “OS GIGANTES” EM NOSSO CANAL NO YOUTUBE

O território brasileiro comporta quase todo o continente europeu. Um quinto das Américas. É a maior área continental do hemisfério sul. O Oiapoque, no Amapá, está mais próximo do Canadá do que em relação a Chuí, no extremo sul do país. Entre o litoral paraibano, onde se inicia a Rodovia Transamazônica, e Mâncio Lima, na divisa com o Peru, são 4.326 quilômetros — quase a mesma distância entre Lisboa e Moscou.

Entre esses extremos existem 5.568 municípios. Entre eles, desponta um time seleto cujas proporções são comparáveis a países inteiros: os cem maiores municípios do país. O maior deles, Altamira (PA), é maior que a Grécia. Bem maior que Portugal.

“É uma fatia decisiva e esquecida do Brasil”, aponta o diretor do De Olho nos Ruralistas, Alceu Luís Castilho. “Esses municípios costumam ficar fora da cobertura eleitoral, diante da ênfase nos grandes centros urbanos, mas a importância ambiental deles é gigantesca. O impacto deles é planetário”.

Além do dossiê “Os Gigantes”, o observatório publica uma série de vídeos e reportagens detalhando os principais achados do estudo, que mapeia as políticas ambientais dos cem municípios e conta casos emblemáticos de conflitos de interesses envolvendo prefeitos-fazendeiros e a influência de empresas e sindicatos rurais.

O primeiro episódio está disponível em nosso canal no YouTube. Confira abaixo:

| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de pesquisa do De Olho nos Ruralistas. |

|| Carolina Bataier é repórter do Brasil de Fato e integrou o time de pesquisa do dossiê Os Gigantes. ||

Foto principal (Marizilda Cruppe / Greenpeace): foto de 2023 mostra queimada na Gleba Abelhas, em Canutama (AM), um dos cem maiores municípios

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