Autores de “Roucos e Sufocados”, sobre a indústria tabagista no Brasil, dizem que ela atuará no Palácio do Planalto “contra o aumento de impostos e qualquer outra medida regulatória”
Por Igor Carvalho
Fruto de um conjunto de experiências dos jornalistas João Peres e Moriti Neto na investigação da indústria tabagista, o livro “Roucos e Sufocados” (Editora Elefante) apresenta a relação intensa entre produtores rurais e as multinacionais que comandam o setor. Ele será lançado em São Paulo na próxima terça-feira (4). Do conjunto de 18 capítulos não escapam as relações do segmento com a política e o judiciário. Entre os nomes nacionais em destaque estão algumas das principais lideranças da bancada ruralista.
Um dos nomes que comandam a bancada do fumo é o do deputado federal Luís Carlos Heinze (PP-RS), desde 1999 na Câmara, desta vez candidato ao Senado. O parlamentar recebeu R$ 98 mil da Philip Morris e R$ 40 mil da Alliance One durante a campanha de 2014. Cético em relação ao aquecimento global, ele é natural Candelária, uma dos principais municípios produtores de tabaco. O parlamentar é articulador das empresas fumageiras na Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a face mais organizada da bancada ruralista.
Caso seja eleito, ele ocupará a vaga da colega de partido Ana Amélia (PP-RS). A parlamentar integra a chapa presidencial encabeçada por Geraldo Alckmin (PSDB), ex-governador de São Paulo. Segundo João Peres, ela não ficará sem trabalho em Brasília: “O agronegócio ganha ainda mais peso na candidatura de Alckmin. Ana Amélia tem uma atuação generalista em prol dos ruralistas, como Heinze, e dedicação importante ao fortalecimento da indústria do cigarro”.
A senadora tem uma importante articulação com a Associação dos Municípios Produtores de Tabaco (Amprotabaco) e com o prefeito de Santa Cruz do Sul, Telmo Kirst, habilidoso na costura política e central para os interesses da indústria. Motivo: ele comanda a capital do fumo no país. “É de se imaginar que num eventual governo Alckmin a indústria do cigarro tenha uma articuladora dentro do Palácio do Planalto contra o aumento de impostos e contra qualquer outra medida regulatória”, completa o jornalista.
A bancada do fumo é suprapartidária. No livro, os autores observam que o PT não desempenha um papel firme na oposição à indústria do tabaco. O ex-governador Tarso Genro (PT) é citado como exemplo. O petista compareceu à Expoagro da Afubra, a Associação dos Fumicultores do Brasil, maior feira do setor no Brasil. “Foi à inauguração da fábrica da Souza Cruz e denunciou a tentativa do capital estrangeiro de estrangular um setor que considera fundamental para o Rio Grande do Sul”, diz Peres.
Quando termina de colher o tabaco de suas terras, o agricultor coloca a produção no caminhão e a transporta até a empresa que compra a matéria-prima. Uma relação espúria começa aí, explicam os autores. Como não há critérios técnicos que regulem o valor do produto, fica a cargo do empresário definir o preço. Caso não concorde, o produtor deve retornar com toda a mercadoria, arcando com os custos de toda a logística.
Essa relação desigual se tornou alvo de dois projetos de lei, um estadual e um federal. Parlamentares não aliados à bancada do fumo querem obrigar o setor a regular o preço, a fim de que os produtores tenham segurança no momento da negociação. Em todos os casos, a bancada do fumo se articulou para garantir que os textos não tramitassem.
A bancada ruralista ocupa apenas 10% das cadeiras na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. O grupo não costuma ter problema, porém, em demonstrar sua força na Casa, ao amparar seu discurso nos números que dão à região a condição de polo brasileiro do tabaco. Entre Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, aproximadamente 700 cidades e 150 mil famílias estão relacionadas à produção do tabaco.
Na tentativa de resolver o imbróglio entre produtores e empresários, o deputado Zé Nunes (PT-RS) propôs na Assembleia gaúcha o Projeto de Lei 204/2015, que determinava a obrigatoriedade de critérios técnicos para a elaboração do preço da folha de tabaco. O projeto caiu nas mãos de Frederico Antunes, liderança do PP, referência local do agronegócio. Um ano e meio após ser apresentado, ele teve parecer contrário na Comissão de Constituição e Justiça.
Outro projeto parecido com o de Nunes, o PL 3.854, foi apresentado em 1997 na Câmara pelo deputado federal Adão Pretto (PT-RS). Após onze anos de tramitação, encontrou em Luis Carlos Heinze um obstáculo importante e ficou estagnado na Comissão de Constituição e Justiça até 2009, quando Pretto faleceu.