Líder Pataxó é assassinado e indígena Avá-Guarani é baleado ao sair de uma reunião na Funai; ataques acontecem após Bolsonaro reiterar oposição à demarcação de novas terras indígenas
Por Leonardo Fuhrmann
Na noite da última terça-feira (06/11), o líder indígena Reinaldo Silva Pataxó, de 40 anos, foi assassinado a tiros na aldeia Catarina Caramuru Paraguassú, em Pau Brasil (BA). Ele já havia sido vereador no município e concorreu novamente em 2016, mas não conseguiu ser eleito. Segundo o jornal Folha do Cacau, a polícia ainda não tem informações sobre a motivação do crime, mas a principal suspeita é que esteja relacionada à disputa de terras na região.
Também na terça, o indígena Donecildo Agueiro, Avá-Guarani de 21 anos, do Tekoha Tatury, sofreu atentado a tiros após sair de uma reunião da Coordenação Técnica Regional da Fundação Nacional do Índio (Funai). A reunião discutiu a demarcação de terras indígenas na região de Guaíra, no Paraná. Ele encontra-se internado no Hospital Regional de Toledo. Donecildo não sente as pernas.
Antes e após a eleição de Jair Bolsonaro (PSL), no dia 28 de outubro, os ataques a comunidades indígenas vêm se intensificando por todo o país. Apenas algumas horas depois de fechadas as urnas, uma escola e um ambulatório foram incendiados na comunidade Bem Querer de Baixo, do povo Pankaruru, em Jatobá, no sertão de Pernambuco.
No Mato Grosso do Sul, outros três ataques foram registrados no mesmo dia. Em Dourados, na madrugada do domingo de eleições, antes mesmo da vitória de Bolsonaro, 15 indígenas foram feridos em um ataque de balas de borracha a um acampamento ao lado de uma aldeia Bororo. Outros dois casos de ameaça foram reportados pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no estado. Na mesma noite, cerca de 40 caminhonetes fizeram uma carreata a uma retomada indígena em Caarapó, enquanto em Miranda, no Pantanal sul-mato-grossense, fazendeiros soltaram fogos de artifício e realizaram disparos de armas de fogo em direção a um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).
O acirramento dos conflitos e a violação de direitos humanos envolvendo os povos indígenas no Mato Grosso do Sul incentivou a visita da delegação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) à região sul do estado. A comissária Antonia Urrejola visitou na terça-feira a Terra Indígena Guyraroká, pertencente aos Guarani Kaiowá, cuja demarcação foi anulada em 2014 pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Os casos de violência e as cadeias políticas e econômicas que permeiam os conflitos no estado são tema da série jornalística De Olho no Mato Grosso do Sul, produzida pelo De Olho nos Ruralistas com apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos.
Indiferente ao recrudescimento da violência, Bolsonaro segue sua investida contra a demarcação de novas terras indígenas. Na segunda-feira ele voltou a atacar a demarcação de terras indígenas em entrevista ao programa Brasil Urgente, da Band: “Eu tenho falado que, no que depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena”. Em 2017, em visita ao Mato Grosso, Bolsonaro já havia afirmado que não haveria nem “um centímetro quadrado demarcado”.
Os dois casos ocorridos na última terça-feira ocorreram em territórios pendentes de demarcação. A aldeia onde Reinaldo Silva Pataxó foi assassinado é alvo de uma longa disputa na Justiça baiana. Em 2012, o STF anulou os títulos de propriedade de fazendas localizadas dentro da Terra Indígena Caramuru-Paraguassú, que tem 54 mil hectares e abrigava, na época, em torno de 3,2 mil indígenas. A anulação foi resultado de uma ação da Funai. Dias depois, segundo a revista Veja, a aldeia foi vítima de um ataque a tiros feito por pistoleiros.
No Paraná a situação não é muito melhor. Em 2017, foi lançado um manifesto de apoio aos Guarani do oeste paranaense, em resposta ao discurso de ódio contra as comunidades. Segundo o Conselho Indigenista Missionário, o Paraná tem vinte terras tradicionais em situação de total omissão. Além de 14 terras indígenas com pendência para identificação, uma terra declarada e quatro identificadas.
O cacique do Tekoha Y’Hovy – vizinho ao Tekoha Tatury, onde vive Donecildo Agueiro – afirmou ao Cimi que o cenário de violência enfrentado pelos indígenas em Guaíra é crítico e se acentuou desde 2012. Ele afirmou ainda que um grupo de fazendeiros estimula a violência contra os indígenas:
– Sofremos constantes ameaças, racismo, violência com arma de fogo, entre outras agressões. Os casos são extremamente recorrentes, inclusive com sequestro de indígenas para o Paraguai. A situação acalmou um pouco em 2017, com o trabalho do Ministério Público Federal (MPF) na região. Agora, as agressões voltaram a acontecer após a divulgação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena, emitido pela Funai.
Um relatório da Funai, do dia 15 de outubro, delimita uma área de 24 mil hectares, entre os municípios de Altônia, Guaíra e Terra Roxa, para a criação da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá. O processo demarcatório deverá ser finalizado ainda este ano, mas pode ser congelado pelo governo de Jair Bolsonaro.