De Olho nos Ruralistas descobriu onde ficam duas propriedades rurais do médium, em Anápolis e São Miguel do Araguaia, com incidência em área pública; João está preso em Goiás, acusado de ter abusado sexualmente de centenas de mulheres
Por Alceu Luís Castilho, Bruno Stankevicius Bassi e Yago Sales (em Goiânia)
Curandeiro? Empresário? Garimpeiro? Qual a profissão de João Teixeira de Faria? Em documento de compra da Fazenda Vista Alegre, em São Miguel do Araguaia (GO), na fronteira com o Mato Grosso, João de Deus se apresenta como fazendeiro. A propriedade de 2.893,10 hectares tem uma peculiaridade: 38,79% dela, mais precisamente 1.122,25 hectares, ficam na Floresta Estadual do Araguaia, uma área pública, conforme dados registrados em 16 de novembro de 2016 no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Três meses antes, no dia 15 de agosto de 2016, o médium pecuarista – hoje preso no Núcleo de Custódia, em Aparecida de Goiânia – entrou com um processo que corre sob sigilo na Secretaria de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos (Secima), em Goiás. Ele solicitava, sem estudo de impacto ambiental, uma Licença de Exploração Florestal para o desmatamento de uma área de 484 hectares, que a Secima classifica como Cerrado Aberto Baixo, ou CAB. O destino? Pastagem.
Mas João não quis esperar. Os dados do CAR mostram que, em novembro daquele ano, a Fazenda Vista Alegre teve dois embargos em áreas de Reserva Legal, também do bioma Cerrado. Duas áreas pequenas, de 1,14 hectare cada, de um total de 580,79 hectares. Somadas, elas totalizam cerca de três campos de futebol. Os dois embargos somam-se à incidência na Floresta Estadual do Araguaia como as restrições do imóvel do empresário no cadastro rural.
A imagem abaixo mostra a sobreposição da fazenda de João Teixeira de Faria com a Floresta Estadual do Araguaia. Criada em 2002, ela possui 8.802,81 hectares. Ou seja, a fazenda de João de Deus – comprada por ele cinco anos depois, em 2007 – avança sobre cerca de 1/8 da unidade de conservação.
As florestas estaduais são de domínio público. Por lei, os imóveis privados que incidem na área precisam ser desapropriados. Em 2013, porém, apenas 52,87% da Floresta Estadual do Araguaia (Floe Araguaia), 4.337 hectares, tinham sido adquiridos pela Secretaria de Gestão e Planejamento do Estado de Goiás. Ficaram faltando 3.866 hectares – pouco mais que o triplo dos 1.122 hectares da fazenda de João de Deus – incidentes na Floe Araguaia.
A promotora Cristina Emília França Malta, do Ministério Público do Estado de Goiás em São Miguel do Araguaia, moveu em 2014 uma ação civil pública contra o Estado de Goiás, diante da morosidade da gestão e da fiscalização do Parque e da Floresta Estadual do Araguaia. Entre as medidas listadas como necessárias para a efetivação das Unidades de Conservação estavam a finalização da regularização fundiária e o cercamento da área das unidades.
A Floresta Estadual do Araguaia está entre as Unidades Estaduais de Conservação do Cerrado que tiveram mais desmatamento acumulado até 2013, conforme o Ministério do Meio Ambiente. Foram 4.240 hectares até aquele ano – cerca de metade do tamanho da Floe Araguaia. Os dados são do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado (PPCerrado), em sua terceira fase, divulgado este ano pelo governo Temer.
O decreto que criou a Floresta Estadual do Araguaia, em 2002, assinado pelo governador Marconi Perillo, mostra que a Floe Araguaia faz divisa com a Agropecuária Vale do Araguaia Ltda. Esta, por sua vez, é uma das sócias da empresa Voe Canhedo S/A, da família do empresário Wagner Canhedo, o antigo dono da Viação Aérea de São Paulo (Vasp).
Os dados sobre a Fazenda Vista Alegre, de João de Deus, mostram que ela faz divisa com a Fazenda Piratininga, com pelo menos 125 mil hectares, adquirida por Canhedo nos anos 1990 e leiloada para pagamento de dívidas da Vasp. Nesse período ela estava em nome da Agropecuária Vale do Araguaia.
A Fazenda Piratininga foi comprada em 2010 pelos empresários goianos João Alves de Queiroz Filho (dono do grupo Hypermarcas), Marcelo Limírio Gonçalves Filho (do laboratório Neo Química, comprado pela Hypermarcas), e Igor Nogueira Alves de Melo, da Teuto. Todos do ramo farmacêutico.
O nome da propriedade rural de João de Deus em Anápolis (GO) remete às denominações de suas atividades mais conhecidas: Agropecuária Loyola. Também conhecida como Fazenda Dom Inácio. O fundador da Companhia de Jesus dá nome a três empresas que estão no nome de João Teixeira de Faria e de sua mulher, Ana Keyla Teixeira Lourenço: o Centro Espírita Dom Inácio de Loiola, num bairro chamado Lindo Horizonte, a Lanchonete e Livraria Dom Inácio Ltda e a Cristais Dom Inácio Ltda, todas em Abadiânia, onde ele reunia os fiéis.
Em 2010, a Secretaria do Meio Ambiente outorgou por doze anos, a João Teixeira de Faria, o uso das águas de uma vertente do Córrego Pianco, em Anápolis, para acumulação de água em uma barragem. A beneficiada foi a Agropecuária Loyola. Mais especificamente, o gado. João de Deus se comprometeu a preservar o manancial.
Abaixo, imagens da fazenda em Anápolis.