Confira as manifestações contrárias de conselheiros, de organizações como a Articulação para o Semiárido, Greenpeace, Abrasco e de Dom Mauro Morelli, criador, junto com Betinho, da Ação da Cidadania
Por Leonardo Fuhrmann
O presidente Jair Bolsonaro, por meio de uma Medida Provisória, esvaziou as funções do Conselho de Segurança Alimentar (Consea), formado por representantes do governo e da sociedade civil para formular diretrizes e prioridades para o combate à fome e a melhoria da alimentação das pessoas. O Consea também tinha poder para monitorar as atividades do governo para o setor. A Casa Civil do novo governo informou ao G1 que o Consea, assim como outros conselhos ligados diretamente à Presidência foram extintos e suas funções transferidas para outros órgãos da administração direta.
Em nota, a Ação da Cidadania, criada por Herbert de Souza, o Betinho, definiu a extinção como “um surrealismo ímpar na história do país”, pois a decisão é tomada no mesmo ano em que o Brasil pode voltar oficialmente ao mapa da fome da Organização das Nações Unidas. A ONU lista os países nos quais mais de 5% da população se encontra em situação de insegurança alimentar. O Brasil havia saído desse mapa em 2014.
A entidade lembra que o Consea foi criado no governo Itamar Franco, a pedido da sociedade civil, quando 32 milhões de pessoas estavam em situação de insegurança alimentar no país. Ao lado do bispo católico Mauro Morelli, um dos principais articuladores da criação do conselho foi o sociólogo Betinho – o irmão do Henfil citado na música “O Bêbado e o Equilibrista”, de João Bosco.
Dom Mauro Morelli usou o Twitter para criticar a decisão. “Mr President, salário decretado e extinção do Consea dedicado à defesa e promoção do direito humano básico ao alimento e à nutrição afrontam o ensinamento bíblico (Mateus 25 e Dt 24)”, escreveu. “Governantes católicos e evangélicos dizem colocar Deus acima de tudo, mas ignoram Sua Palavra”.
Os representantes da sociedade civil no conselho divulgaram uma nota em que destacam a importância da participação social nas políticas públicas. Eles compõem dois terços do Conselho de Segurança Alimentar. “A institucionalização da participação de representantes de diferentes setores da sociedade civil em um órgão de assessoramento direto da Presidência da República, como o Consea, tem sido importante instrumento de escuta da sociedade civil para o aprimoramento de políticas públicas e fortalecimento do Estado brasileiro”, afirmam.
Eles destacam ainda as medidas que tiveram a participação do conselho, como o apoio à agricultura familiar e a aquisição de orgânicos:
– A inclusão do direito à alimentação na Constituição, a aprovação da Lei Orgânica, da Política e do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Plano Safra da Agricultura Familiar, a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica e o Programa de Aquisição de Alimentos e as compras institucionais de alimentos da agricultura familiar para escolas e outros órgãos públicos são algumas das propostas que surgiram em debates no Consea e se tornaram políticas públicas para a garantia de uma alimentação saudável para toda a população.
Para a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, a extinção foi uma arbitrariedade e desmonta a participação social na política pública para o tema. “A luta pela defesa do Direito Humano à Alimentação Adequada no Brasil é histórica e, com o protagonismo da sociedade civil organizada, promoveu inúmeros avanços, dentre os quais a inclusão da alimentação como uma das garantias fundamentais dos cidadão e cidadãs brasileiras na Constituição Federal de 1988”, diz a Abrasco, em nota.
A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) afirma que a experiência do Consea “espalha-se por vários países da América Latina e é estudada em várias universidades do Brasil e do Mundo, inclusive na ONU”. A entidade lembra que a região reúne uma população de mais de 23 milhões de pessoas, das quais 9 milhões no meio rural:
– São cerca de 1 milhão e 700 mil famílias na agricultura camponesa (agricultores/as familiares, povos indígenas, comunidades quilombolas, catingueiros/as, geraizeiros/as, raizeiros/as, quebradeiras de coco, pescadores/as, ribeirinhos/as, vazanteiros/as e tantas outras identidades socioculturais). Estes/as são responsáveis por grande parte da produção de alimentos no país.
A ASA lembra ainda que, apesar dessa riqueza, é no Semiárido, sobretudo no rural, e nas pequenas cidades e periferias das médias e grandes cidades, que ainda existem dezenas de milhões de pessoas em situação de pobreza e de extrema pobreza, conforme os dados de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Durante muitos anos a fome, a migração, a miséria e a morte foram os principais destaques e marcas do Semiárido”, afirma a organização. “Nossos indicadores sociais se igualavam aos de países da África Subsaariana. A região era rotulada como problemática, sobretudo, por setores das regiões Sul e Sudeste”.
O Greenpeace destacou, em nota, a grande relevância do Conselho na elaboração de políticas relacionadas à saúde, alimentação e nutrição. “Essa é mais uma medida que pode afetar principalmente as populações mais vulneráveis do país”, aponta Nilo D’Avila, diretor de Campanhas do Greenpeace Brasil. “Foram debates e propostas originadas no Consea que possibilitaram a inclusão ao direito à alimentação na nossa Constituição e que muitos brasileiros saíssem do mapa da fome”.