Conheça as empresas que pediram os novos pesticidas ‘extremamente tóxicos’

Contaminação de funcionários, irregularidades na produção e doações para bancada ruralista compõem histórico das multinacionais do mercado de agrotóxicos; menos conhecidas, corporações nacionais também foram beneficiadas pelas liberações do governo Bolsonaro

Por Julia Dolce

O recorde de novos pesticidas certificados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) em menor período, batido pelo governo Bolsonaro após aprovar 86 novos produtos em pouco menos de dois meses, é comemorado por um grupo seleto de empresas. Além de colecionarem pedidos de registros, as corporações por trás desses agrotóxicos e seus sócios — ambos negligenciados pela imprensa brasileira — têm em comum históricos de conflitos agrários, processos e denúncias de contaminação.

Quais são elas?

Riscos para os trabalhadores e para o ambiente. (Foto: Reprodução)

Na lista das que mais tiveram novos produtos registrados estão multinacionais e empresas brasileiras pouco conhecidas do público em geral, como a israelo-chinesa Adama, sétima maior produtora de químicos agrícolas do mundo (com faturamento anual no Brasil estimado em US$ 600 milhões). Ela é a responsável pelo pedido de dois novos produtos classificados como classe I ou extremamente tóxicos, o Voraz EC e o Hexazinona Técnico Adama BR, além de dois produtos altamente tóxicos e um medianamente tóxico. A empresa alemã Helm teve o pedido de dois venenos classe I aceitos pelo Mapa.

Entre as campeãs em novas certificações desponta uma velha conhecida: a Syngenta Proteção de Cultivos Ltda. A multinacional suíça, cujo faturamento total, por ano, chega a US$ 10 bilhões, foi adquirida em 2017 pela estatal chinesa ChemChina. No Brasil, é responsável pelo pedido de dois produtos “extremamente tóxicos”: o Elatus Trio, indicado para as culturas de milho e soja, e o Avicta 500 FS PRO, indicado para as mesmas culturas, além dos plantios de algodão e cana-de-açúcar.

Esse último pesticida é produzido com o ingrediente ativo abamectina, que já teve a legalidade de seu uso questionada pelo Ministério Público Federal (MPF), em março de 2015, e pela 7ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, no ano passado, por causar danos à saúde humana e ao ambiente.

A relação traz ainda empresas brasileiras como a Agroimport do Brasil Ltda, pertencente ao Grupo Ferrarin,  responsável por uma variação do glifosato conhecida como Topatudo, outro pesticida extremamente tóxico aprovado neste ano. Confira na outra reportagem da série: “Um dos agrotóxicos liberados em janeiro pelo governo Bolsonaro chama-se Topatudo“.

E o número de pedidos e aprovações só cresce: em 2005 foram apenas 91 registros deferidos; em 2018, esse número saltou para 450. A perspectiva é que o Brasil chegue neste ano à primeira centena somente nos primeiros meses do mandato de Bolsonaro. Em janeiro foram 131 solicitações divulgadas. No dia 4 de fevereiro, o Mapa teve 78 novas solicitações de registro de agrotóxicos. No dia 15, onze dias depois, foram feitos mais 31 pedidos.

‘EXTREMAMENTE TÓXICOS COLOCAM EM RISCO OS TRABALHADORES’

No caso dos produtos classificados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como extremamente tóxicos, 21 deles foram aprovados pelo atual governo em quatro atos publicados no Diário Oficial da União (DOU) em janeiro e fevereiro. De acordo com o procurador do trabalho Pedro Luiz Serafim, coordenador do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, a legislação brasileira determina que os novos agrotóxicos registrados pelo Mapa sejam cada vez menos perigosos:

A Constituição diz que a lei deve procurar substitutivos cada vez menos tóxicos, o contrário do que está acontecendo. Os extremamente tóxicos colocam em risco os trabalhadores – nas etapas de fabricação,  transporte, aplicação – e o meio ambiente. Não existe uso seguro, por isso queremos trabalhar para que cada vez mais as empresas sejam responsabilizadas, dando instrumentos ao Estado para proteger a saúde das pessoas.

Meirelles, da Fiocruz, diz que produtos “extremamente tóxicos” são subnotificados. (Imagem: Reprodução/YouTube)

A avaliação da categoria “extremamente tóxico” no Brasil é baseada no perigo agudo que a substância representa, o que já indica uma subnotificação dos riscos crônicos causado pelos químicos.

“Os piores venenos também estão nos menores frascos”, afirma Luiz Cláudio Meirelles, pesquisador e professor em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ele ocupou por treze anos o cargo de  gerente geral de toxicologia da Anvisa. “Ou seja, é preciso uma dose muito pequena para causar muito dano, é isso que norteia a classificação”, explica. “Mas há também riscos crônicos de doenças congênitas e outros danos diversos à saúde”. Meirelles foi exonerado em 2012 após denunciar um esquema de corrupção na agência.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo ele, vem recomendando, há tempos, que os pesticidas altamente perigosos sejam retirados do mercado: “Não é interessante para o país autorizar uma série de substâncias que caiam nesse perfil, não é adequado do ponto de vista do risco sanitário, o que impacta até mesmo em questões econômicas”.

ASSASSINATO, CONTAMINAÇÃO DE CRIANÇAS E PERSEGUIÇÕES

A Syngenta foi condenada em dezembro pelo homicídio do sem-terra Valmir Mota de Oliveira e pela tentativa de assassinato da camponesa Isabel Nascimento de Souza. A decisão, confirmada em segunda instância pelo Tribunal de Justiça do Paraná, determinou que a empresa deveria indenizar as famílias das vítimas por danos morais e materiais. O assassinato ocorreu no município de Santa Tereza do Oeste, em um campo de experimentos com transgênicos. A área estava ocupada por 150 integrantes da Via Campesina, articulação de movimentos sociais do campo, que denunciava a suposta ilegalidade das pesquisas da transnacional. Os militantes foram atacados a tiros por cerca de quarenta agentes de uma empresa contratada, a NF Segurança.

O sem-terra Valmir Mota de Oliveira, assassinado por seguranças contratados pela Syngenta. (Foto: MST)

Também no ano passado, a Syngenta foi condenada a indenizar em R$ 150 mil os 92 alunos, professores e funcionários da Escola Municipal Rural São José do Pontal, em Rio Verde (GO), atingidos em 2013 pela pulverização aérea do agrotóxico EngeoTM. Usando serviços da Aerotex Aviação Agrícola, a empresa despejou o veneno em uma cultura de milho localizada ao lado da escola municipal, que faz parte do Projeto de Assentamento Pontal dos Buritis, em uma área da União, como explicou De Olho nos Ruralistas em reportagem publicada na época.

A Syngenta já teve mais de 1 milhão de quilos e 150 mil litros de agrotóxicos apreendidos pela Anvisa em 2009, no município de Paulínia (SP), devido a uma série de irregularidades encontradas nos produtos, como datas de fabricação e validade adulteradas. Em 2006, a multinacional teve 143 hectares de terra, irregularmente utilizados para testes com soja e milho transgênicos, desapropriados pelo governo do Paraná. Em 2017, a Anvisa proibiu a comercialização de um dos principais herbicidas da Syngenta, o paraquat, relacionado ao desenvolvimento de câncer e Parkinson.

Em outros países a corporação foi considerada responsável por irregularidades e contaminação. Seus pesticidas, proibidos, devido à sua extrema toxicidade. Em maio, a Syngenta foi condenada a indenizar produtores de milho nos EUA em US$ 1,5 bilhão, após vender uma semente modificada para a China antes de o país asiático aprovar sua regulamentação, o que gerou prejuízo aos produtores dos Estados Unidos. A empresa se envolveu em polêmicas também no Reino Unido, após a descoberta de que uma de suas fábricas na região exportava o agrotóxico Gramoxone, cujo princípio ativo é o paraquat, proibido na ilha.

Tyrone Hayes foi perseguido após provar ação nociva de agrotóxico da Syngenta. (Foto: Universidade da Califórnia)

Um dos casos mais graves atribuídos à multinacional é a perseguição ao cientista Tyrone Hayes, difamado pela Syngenta após um estudo realizado a pedido da própria empresa, sobre o herbicida atrazina. Nos anos 80, o pesquisador concluiu que o agrotóxico impedia o desenvolvimento sexual dos sapos. A empresa tentou comprar os dados da pesquisa para mantê-los em segredo. Sem sucesso, deu início a uma ampla campanha para destruir a reputação profissional do cientista, como relatou a revista New Yorker, em reportagem publicada em 2014.

À frente do Ministério da Agricultura, a ruralista Tereza Cristina, apelidada de “musa do veneno”, possui ligações indiretas com a Syngenta. Sua campanha ao cargo de deputada federal nas últimas eleições teve como um de seus maiores financiadores o empresário Celso Grieseang, um dos proprietários da Sementes Tropical, empresa que comercializa fungicidas em parceria com a Syngenta, e doou R$ 37,5 mil à candidatura da ministra.

COMPONENTE DO AGENTE LARANJA É PRODUZIDO NO SUL

De Olho Nos Ruralistas pesquisou o histórico das demais empresas, brasileiras e multinacionais, por trás dos novos agrotóxicos aprovados neste ano, na média de dois a cada três dias, que, em breve, contaminarão a comida e o solo dos brasileiros.

Uma delas, a Adama, já entrou em conflito com camponeses. A empresa teve sua fábrica ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) em 2010. A ação foi parte da Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Camponesas da Via Campesina em defesa da soberania alimentar, como forma de denúncia contra o modelo de agronegócio que consideram prejudicial à vida das camponesas.

A multinacional é uma das maiores empresas de agroquímicos do sul do país, produtora de princípios ativos de agrotóxicos para sementes, incluindo o 2,4-D, que já foi proibido no Brasil por ser cancerígeno. O ingrediente é um dos principais componentes do agente laranja, arma química utilizada no Vietnã, responsável até hoje pelo nascimento de crianças com malformações congênitas no país asiático.

Camponesas ocuparam fábrica da Adama em 2015. (Foto: MST)

Uma fusão da brasileira Milena Agrociências com o grupo israelense Makhteshim Agan, posteriormente comprada pela ChemChina, a Adama já foi multada pela adulteração de 2,5 milhões de litros de agrotóxicos, em 2010, após uma fiscalização realizada nas fábricas localizadas nos municípios de Londrina (PR) e Taquari (RS). O CEO da Adama Brasil, Rodrigo de Souza Dias Gutierrez, é pecuarista e administrador da empresa Lucas de Souza Dias Gutierrez, que controla uma fazenda de criação de gado no município de Platina (SP).

A empresa está por trás da doação de dinheiro para representantes da bancada ruralista no Congresso. Nas eleições de 2014, a empresa doou R$ 75 mil para o PR, repassados à campanha do ex-deputado federal Alex Canziani (PTB-PR), parlamentar que integrava a bancada. Em uma entrevista de 2012, o pesquisador Meirelles apontava Canziani como um dos maiores lobistas da Câmara para a liberação de agrotóxicos, sendo o deputado que mais pressionava técnicos da Anvisa para a aprovação de registros.

Nas mesmas eleições, a empresa doou R$ 60,2 mil para o PSD, repassados para a campanha do falecido deputado federal Rômulo Gouveia (PSD-PB), integrante da Comissão Especial sobre os pesticidas, destinada a dar parecer ao Projeto de Lei (PL) que mudava a palavra utilizada para descrever os produtos, de agrotóxicos para “defensivos fitossanitários”.

NO CEARÁ, ANEMIA, DEPRESSÃO E SUICÍDIO

Na opinião do procurador Serafim, os parlamentares ruralistas incorporam cada vez mais a linguagem dos fabricantes de agrotóxicos:

– Eles vêm com o discurso de quem está ganhando mais com a venda do produto, que é o fabricante. É importante que a sociedade tenha a compreensão de que o agronegócio reproduz essa fala, mesmo colocando em risco a saúde dos brasileiros e do meio ambiente e atrapalhando até mesmo a subsistência da atividade deles. As multinacionais dominam de várias formas, e a interferência na questão política é uma das principais. Nós precisamos tomar medidas para interromper isso.

A empresa australiana Nufarm, responsável pela produção do “extremamente tóxico” Tamiz, doou R$ 35 mil, em 2014, para a campanha do deputado federal Raimundo Matos (PSDB-CE), que já ocupou o cargo de vice-presidente dessa Comissão Especial, agora responsável por analisar o projeto apelidado como PL do Veneno, que propõe a flexibilização da regulamentação de agrotóxicos no Brasil. Em seu sexto mandato, o ruralista foi acusado, no ano passado, de receber R$ 100 mil em propinas da JBS, segundo delação de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de abastecimento da empresa, como também reportou o observatório.

Em 2007, a Nufarm comprou a brasileira Agripec Química e Farmacêutica S.A, adquirindo seu portfólio de agrotóxicos. A empresa pertencia à família de Jorge Alberto Vieira Studart Gomes, conhecido como Beto Studart, que concorreu ao cargo de vice-governador do Ceará em 2006. Na época, ele possuía terras utilizadas como haras e declarou possuir um total de R$ 449 milhões em bens.

A Nufarm foi acusada de contaminar o ambiente e intoxicar pessoas no município de Maracanaú, sede de uma de suas das fábricas. Em 2006, o Ministério Público do estado solicitou um estudo à Universidade Federal do Ceará para avaliar o nível de poluição emitido pela empresa, após moradores denunciarem um cheiro “insuportável” vindo do prédio da indústria, que produzia o inseticida Strom, cujo princípio ativo é o químico metamidofós. Uma agente de saúde registrou aumento no casos de anemia, depressão, suicídio e malformações congênitas entre os moradores da região.

Contra a Nufarm, de origem australiana, pesam casos de depressão e anemia associados à substância Strom. (Foto: Divulgação)

O relatório do estudo, entregue em 2009, foi produzido em cooperação científica com a Fundação Jorge Duprat Figueiredo, de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro-MG)  e trazia como solução efetiva para a eliminação do risco a suspensão da produção do inseticida. Também em 2006, a empresa foi apontada como responsável pelo descarte de material tóxico na estrada da Cascalheira, em Camaçari (BA), e denunciada ao MP estadual. Três anos depois, a Agripec foi condenada na 1ª Vara Civil de Resende (RJ) a pagar um salário mínimo a cada pescador do Rio Paraíba do Sul, impedidos de exercer suas atividades profissionais em consequência de vazamento de produtos tóxicos por parte da empresa.

A Sipcam Nichino Brasil S.A. é formada por 50% do capital Sipcam, empresa do Grupo Sipcam-Oxon, atuante no mercado agroquímico brasileiro desde 1979, e por 50% do capital da Nihon Nohyaku Co. Ltd, tradicional companhia japonesa. Fabricante dos produtos classe I Difenoconazole Técnico SUP e Difenoconazole Técnico SNB, ela teve o parecer técnico de um consultor – contratado pela própria empresa, na época pertencente à italiana Isagro – adotado pelo Mapa. O documento argumentava contra o banimento do agrotóxico cihexatina, utilizado na citricultura.

A adoção do parecer de uma iniciativa privada gerou polêmica, mesmo com uma recomendação da Anvisa para que o produto não fosse mais utilizado por fazer mal à saúde de consumidores e lavradores. Dois anos depois, em 2010, a Anvisa apreendeu 50 mil litros irregulares da fábrica da empresa em Uberaba (MG), encontrando problemas que iam desde a adulteração nos prazos de validade até a falta de controle de qualidade dos produtos.

Outras multinacionais responsáveis pelos registros de agrotóxicos categorizados como classe I são relativamente pouco conhecidas. Entre elas está a Arysta Lifescience do Brasil, dos Estados Unidos, recentemente vendida para a indiana Platform Specialty Products, que conseguiu a aprovação dos agrotóxicos Agile e Metomil Técnico Volcano. A alemã Helm do Brasil Mercantil teve os produtos Difenoconazole JS Técnico Helm e Diquat ZF Técnico Helg aprovados no segundo ato sobre agrotóxicos registrados pelo Mapa, no dia 17 de janeiro.

A Rotam do Brasil, com sede em Hong Kong, é autora do pedido do pesticida Abamectin, aprovado no terceiro ato, publicado no dia 4 de fevereiro. Finalmente, a chinesa Rainbow Defensivos Agrícolas, com sede brasileira em Porto Alegre, produz do classe I Sonyaguard XTRA.

EMPRESA TEVE PRODUTO BANIDO DO RIO GRANDE DO SUL

Não apenas as multinacionais do ramo dos agrotóxicos têm seu currículo manchado. A brasileira BRA Agroquímica (BRA Defensivos Agrícolas), com sede em Piracicaba (SP) e filial em Redenção (PA), é produtora dos “extremamente tóxicos” Zardo e Clorotalonil Técnico. Ela tem, entre seu corpo de sócios, empresários envolvidos com a política institucional e com empresas que atuam em áreas opostas à da produção dos agrotóxicos.

É o caso do sócio Milton Alexandre Teixeiras Vargas, que, nos anos 2000, foi um dos donos de uma empresa já fechada de consultoria ambiental, a Bioagri Consultoria Ambiental. Ou de Jorge Luiz Alberici, do MDB de Londrina (PR) e sócio de uma consultoria de registro de produtos, a AG Brasil Consultoria e Registro de Produtos. O sócio Álvaro Augusto Teixeira Vargas é presidente do Museu de Ciência e Tecnologia de Piracicaba.

A América Latina Tecnologia Agrícola Ltda (Alta), que conseguiu a certificação de uma variação do 2,4-D, apesar de brasileira, tem imbróglios a nível internacional. A empresa faz parte do grupo Agrihold Management Corp, offshore baseada em Bahamas denunciada como uma das offshores mapeadas no escândalo do Panamá Papers. O representante legal da Agrihold Investments Ltd no país, Ernesto Eugênio Bellotto, trabalhou em outras distribuidoras de agrotóxicos, como Sinon e a Sipcam, além das multinacionais Monsanto, Dow e Dupont.

Em maio, a empresa teve a comercialização de um produto, o herbicida Paraquate Alta 200 SL, banido do Rio Grande do Sul por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Na época, a ministra Cármen Lúcia considerou comprovada a ameaça de grave risco à saúde e ao ambiente. Com isso ela suspendia os efeitos de liminar concedida à empresa pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que permitia a comercialização do agrotóxico.

O início da controvérsia ocorreu após a Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler negar o cadastramento do produto, que já havia obtido registro junto ao Ministério da Agricultura. A empresa, então, impetrou um mandado de segurança, alegando o direito de vender o agrotóxico no estado gaúcho.

A BRASILEIRA NORTOX E O ENVENENAMENTO DE INDÍGENAS

A Nortox S.A é outra companhia brasileira que compila irregularidades. Seu produto “altamente tóxico” 2,4-D Técnico Nortox CH, de origem chinesa, foi aprovado na última leva de certificações do Ministério da Agricultura, publicada no Diário Oficial da União em 18 de fevereiro. A empresa já registrou neste ano dois outros produtos medianamente tóxicos e um altamente tóxico.

Em Arapongas (PR), a fábrica da Nortox recebeu a fiscalização após o superaquecimento de um reator provocar o lançamento de gases que causaram mau cheiro no município paranaense. O resultado da fiscalização, realizada pela Anvisa, foi a interdição de 370 mil litros de agrotóxicos após a identificação de alterações de componentes que os tornavam diferentes dos registros autorizados pelo governo.

Uso do Nortox comprometeu a saúde de indígenas no MT, segundo relatório da ONG Repórter Brasil. (Foto: MPF).

A contaminação humana faz parte do histórico da empresa brasileira. Ela foi citada no relatório da ONG Repórter Brasil sobre envenenamento de indígenas no Mato Grosso do Sul. As principais vítimas foram crianças da Terra Indígena Guaiviry. “Quando eles passam veneno nas lavouras, geralmente o Nortox, as pessoas passam muito mal”,  afirmou Cirso Jorge, liderança local. “Principalmente as crianças. Pega em todo mundo, dá umas fístulas cheias de pus, depois a pele da gente fica toda marcada”.

A empresa entrou em conflito com o MST em 2006, quando aproximadamente cem integrantes do movimento interromperam o tráfego na BR-369 para protestar contra a doação da Nortox à campanha do deputado federal Abelardo Lupion (PFL-PR, hoje DEM). Foram R$ 50 mil doados em 1998, segundo o movimento campesino, “com o objetivo de flexibilizar a utilização de agrotóxicos no Brasil”. Os manifestantes protestaram nas proximidades da Fazenda Santa Rita, propriedade do político em Santo Antônio da Platina (PR).

A empresa foi autuada em 2 de fevereiro de 2009 e 29 de junho de 2010 por produzir o pesticida Endossulfan Técnico Nortox de forma diferente da autorizada pela Anvisa. Considerado de risco Classe I, o agrotóxico teve seu uso associado a problemas reprodutivos e endócrinos identificados em trabalhadores rurais. No fim do ano passado, a Nortox teve uma de suas unidades fechadas em Rondonópolis (MT), por não apresentar o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental.

A empresa foi vencedora do Prêmio Chico Mendes de Responsabilidade Socioambiental por três anos consecutivos (2014, 2015 e 2016), por seu projeto socioambiental Olho D’água, que tem como objetivo recuperar minas e nascentes.

Outra brasileira responsável pelos pedidos de químicos registrados pelo governo Bolsonaro é a Companhia das Cooperativas Agrícolas do Brasil (CCAB Agro S.A), associada ao grupo francês InVivo Agrosciences desde 2016 e ao grupo Louis Dreyfus, para comercialização, desde 2011. A empresa movimenta 90 bilhões de euros por ano, congrega mais de duzentas cooperativas e registrou o extremamente tóxico Difenoconazol Técnico CCAB, além de dois outros produtos considerados medianamente tóxicos.

A gaúcha Cropchem conseguiu o registro de seus produtos Kasan Max 750 WG e Taura 200 EC. Nos últimos dois anos, a empresa triplicou seu portfólio de agrotóxicos. Seu CEO, José Luis Harlacher de Leão, possui duas empresas de comércio de pesticidas, a Green Power, e a Crystal Agro, ambas em Porto Alegre.

NOVOS PEDIDOS AGUARDAM NA FILA DA AGENDA DA MINISTRA

Além dos pedidos já deferidos, a entrada de Tereza Cristina e sua sinalização positiva aos agrotóxicos está incentivando empresas a entrar com novos registros. Nas solicitações deste ano, os nomes das empresas destacadas nesta reportagem se repetem algumas vezes. A Adama entrou com pedido de vinte novos produtos; a Nortox, sete; a BRA Defensivos Agrícolas, quatro.

Nomeação da “musa do veneno” alavancou pedidos de registro de agrotóxicos no governo Bolsonaro. (Imagem: Reprodução/You Tube)

Embora o mercado dos agrotóxicos se restrinja a um número pequeno de multinacionais, o crescimento dessas empresas brasileiras no ramo preocupa o toxicologista Meirelles. “Temos cerca de 60% do mercado controlado por cerca de seis grandes empresas, é um mercado muito concentrado”, analisa. “Quanto mais empresas tivermos produzindo substâncias extremamente tóxicas, mais difícil será para os órgãos reguladores revisar a liberação desses produtos no futuro, porque haverá uma gama forte de empresas confrontando o governo”. Segundo ele, a última lista de revisão feita no país foi em 2008, “e a ciência avançou muito desde então”.

O dado explica ainda o alto número de companhias pedindo o registro de cópias do mesmo veneno ou ingredientes ativos. Segundo o Ministério da Agricultura, todos os ingredientes que compõem os produtos já eram comercializados no Brasil, mas agora terão sua aplicação em novas culturas ou serão formulados em diferentes composições e combinações químicas.

Uma instrução normativa lançada no ano passado (nº 40 da Secretaria de Defesa Agropecuária) garantiu plenos poderes aos engenheiros agrônomos para determinarem, com liberdade, misturas de diferentes agrotóxicos para a produção de novas receitas. Independentemente do desconhecimento de seus efeitos e riscos.

Para o procurador Pedro Serafim, o alto número de registros representa um movimento de recuperação do mercado internacional, a partir da flexibilização do registro de agrotóxicos no Brasil:

– A legislação externa tem sido cada vez mais restrita, principalmente na União Europeia. O setor do agronegócio diz ao governo que os pedidos de registro são aprimoramentos de tecnologia, mas são cópias de princípios ativos banidos em outros países. Então é uma questão de mercado, para colocar o Brasil como celeiro, ou cemitério, dos agrotóxicos. (Colaborou Bruno Stankevicius Bassi)

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