Carlesse (DEM-TO) é único governador com mandato na lista de multados por desmatamento do Ibama

Autuação por destruição da flora data de 2005 e chegou a motivar condenação em primeira instância por crime ambiental, depois revertida; Tocantins compõe a Amazônia Legal e faz parte de uma das últimas fronteiras agrícolas do País, o Matopiba

Por Leonardo Fuhrmann

Governador de um dos estados da Amazônia Legal, o Tocantins, Mauro Carlesse (DEM) está na lista de multas milionárias do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) nos últimos 25 anos por destruição da flora, conforme levantamento das autuações milionárias feito pelo De Olho nos Ruralistas. A pesquisa a partir de mais de 280 mil autuações do Ibama teve repercussão inicial, na sexta-feira (31/01) no Intercept Brasil e em CartaCapital.

A multa, de R$ 1,8 milhão, data de 2005 e foi aplicada em Lagoa da Confusão (TO). O valor é da época, sem correção monetária. O município, a cerca de 200 quilômetros de Palmas, é conhecido por ser o principal acesso ao Parque Nacional do Araguaia e à Ilha do Bananal. Apesar de constar como réu no processo e ter sido condenado, junto com a prefeitura, pelo desmatamento, Carlesse afirmou, por meio de sua assessoria, que a gestão municipal foi a única responsável pela destruição.

A sanção administrativa está em nome da Maximu’s Participações, uma empresa com atividades do ramo de agropecuária da qual Carlesse era um dos sócios. A multa nunca foi paga e o Ibama entrou com uma ação de cobrança na Justiça. O desmatamento cometido pela empresa gerou ainda um processo por crime ambiental na Justiça Federal do Tocantins, no qual o atual governador foi condenado em primeira instância em outubro de 2013.E Ele diz que não exercia cargos públicos na época da sanção.

O governador, por sua assessoria, afirma que não era sócio da empresa, mas apenas diretor, e que a propriedade também era da empresa. Não foi o que o juiz Adelmar Aires Pimenta da Silva decidiu. Ao longo da sentença, Carlesse é definido como sócio-proprietário da Maximu’s Participações, antes Gurupi Participações.

Na primeira instância, governador foi condenado. (Imagem: Justiça Federal / Reprodução)

Na sentença de primeira instância, o juiz  condenou Carlesse a um ano e seis meses de detenção e ao pagamento de 87 dias-multa pelo desmatamento. A pena seria cumprida em regime aberto e foi substituída por restrição de direitos. A Maximu’s foi condenada ao pagamento de outros cem salários-mínimos. A condenação incluía a suspensão dos direitos políticos de Carlesse, algo que teria de ser confirmado em segunda instância. A participação da administração municipal no desmatamento é citada na decisão.

Carlesse não chegou a cumprir pena. Em maio de 2014, a desembargadora Mônica Sifuentes arquivou o caso por considerar que as penas estavam prescritas, ou seja, não era mais possível punir os responsáveis por decurso de prazo. Ela destacou que a denúncia contra Carlesse e a empresa havia sido recebida em 2006, mas a sentença só saiu em 2013. Embora tenha constituído advogado, o político não compareceu em diversas fases do processo, o que teria aumentado a demora no julgamento, feito em vários momentos à sua revelia. A assessoria do governador informa que considera a multa do Ibama extinta em razão da decisão judicial no processo por crime ambiental.

De acordo com o relatório da Polícia Federal que embasou a ação penal, foram constatados na Fazenda Planeta, na época de Carlesse, a destruição de 48 hectares de vegetação nativa, de mata densa e varjão, para a construção de uma estrada, que também ligaria a propriedade e um projeto de assentamento à sede do município. Foram constatadas na fazenda queimadas em áreas de pasto e em vegetação nativa, inclusive matas, e a retirada de madeira para cercas. A empresa de Carlesse entrou com máquinas e combustível para a construção da estrada, que estava sendo feita em parceria com a prefeitura, sem licenciamento ambiental, apesar de passar por uma área de proteção permanente.

Na propriedade foi encontrada uma serraria, que funcionava sem estar inscrita no cadastro técnico federal. Carlesse afirma que a madeireira não pertencia a ele, e sim à empresa. O governador garante que a serraria já existia há algumas décadas na propriedade quando ela foi comprada. Seria uma estrutura antiga e já inutilizada. “A empresa também jamais se utilizou da estrutura dessa serraria para qualquer atividade”, diz.

Tocantins não está hoje entre os estados com maior desmatamento, mas é importante para a preservação das vegetações nativas por ter em seu território dos biomas bastante ameaçados: as matas da Amazônia Legal e o Cerrado, ameaçado pelo avanço da fronteira agrícola do Matopiba.

POLÍTICO AUTORIZOU CENTENAS DE DESMATAMENTOS

Carlesse nega que tenha sido sócio da empresa, apenas diretor. (Foto: Carlos Magno/ governo de Tocantins)

Mauro Carlesse chamou a atenção em agosto depois de o Diário Oficial do Estado publicar 557 autorizações para desmatamento. A decisão foi divulgada poucas horas após ele e outros governadores da Amazônia Legal assinarem um compromisso pela preservação ambiental. Em resposta ao De Olho nos Ruralistas, a assessoria do governador afirma que não foram mais de 500 novas licenças pra desmatamento:

— O Naturatins informou que, deste total, 162 são republicações de extratos (com retificação ou correções); 36 são de Reflorestamento de Eucalipto; 14 são Créditos de Reposição Florestal; 08 são de Aproveitamento de Material Lenhoso; 06 de Autorização de Queima Controlada; e os 331 extratos restantes reúnem as Autorizações de Exploração Vegetal (AEF’s), que atendem as exigências do novo Código Florestal. As autorizações dadas atendem à legislação vigente para exploração econômica de áreas privadas em um Estado que necessita crescer e se desenvolver.

Os problemas de Carlesse com a Justiça vão além da questão ambiental. Em 2015, quando era deputado estadual, ele chegou a ficar preso por não pagar pensão alimentícia. Como não havia prisão especial no estado, ele permaneceu no departamento de assessoria militar da Assembleia Legislativa. Em abril de 2018, depois de vinte anos de tramitação de um processo, ele foi condenado pela Justiça de São Paulo a pagar uma dívida de aluguéis em uma ação de despejo.

Leia na íntegra as respostas enviadas pela assessoria do governador:

De Olho nos Ruralistas — O que levou o governador e sua empresa a participarem do crime ambiental em Lagoa da Confusão (tanto na abertura de uma estrada sem licenciamento ambiental como em desmatamentos na propriedade dele)?

Assessoria de Mauro Carlesse — Em primeiro lugar é preciso deixar claro que a fazenda em questão não era propriedade de Mauro Carlesse, que também não era governador e nem militava na vida pública. A função de Mauro Carlesse na empresa Maximu’s Participações (real proprietária da fazenda), era de diretor da empresa proprietária da fazenda, mas não de sócio. Em segundo lugar, como consta da decisão judicial, Mauro Carlesse não foi o provocador do dano ambiental, sendo este de responsabilidade da prefeitura de Lagoa da Confusão. O gestor municipal da época, inclusive, realizou acordo judicial em que ficou comprovada a culpa do do Executivo Municipal. Também desta decisão judicial ficou anulado o auto de infração, portanto não é verdadeiro afirmar que Mauro Carlesse é devedor de tal multa, uma vez que existe decisão judicial que o isenta totalmente desta situação.

Por que havia uma serralheria sem registro na propriedade dele?

Vale repetir que a fazenda não era de propriedade de Mauro Carlesse. Ainda assim, quando a empresa adquiriu a propriedade a serraria já existia há algumas décadas, sendo portanto, uma estrutura muito antiga e que já estava inutilizada na época. A empresa também jamais se utilizou da estrutura dessa serraria para qualquer atividade.

O que o governador fez, como cidadão, para a recuperação da vegetação nativa em sua propriedade? 

Como ficou determinado pela decisão Judicial, o cidadão Mauro Carlesse não foi responsável pela construção da estrada e nem pelo desmatamento realizado em função dessa obra pública. Da mesma forma, a Justiça não imputou qualquer responsabilidade a Mauro Carlesse para que o mesmo fizesse recomposição da vegetação, fato que ocorreu naturalmente.

O que ele tem feito como governador para conter o desmatamento no Estado? 

Na gestão Mauro Carlesse, os critérios para expedição autorizações para exploração florestal se tornaram mais rigorosos. No comparativo entre os anos de 2018, ainda com os antigos critérios e o de 2019, já com as novas normativas, o Estado teve uma redução de autorizações expedidas pelo órgão ambiental estadual, o Naturatins. No ano de 2018, foram emitidas 760 licenças, isto é, 760 AEFs, que resultou na supressão vegetal de 164.116,12 hectares. Em 2019, foram expedidas  272, licenças (AEFs), que resultou na supressão vegetal de 66.616,44 hectares. Este resultado reflete o avanço do Estado, cada vez mais alinhado com o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que garante o cumprimento de todos os requisitos legais para emissão das AEF’s, preservando os percentuais de vegetação nativa. As exigências são múltiplas e específicas para cada área, o que torna a integração entre os sistemas nacional e estadual, um mecanismo de segurança, que eleva o rigor para o registro dos processos e a respectiva emissão dos atos e autorizações relacionados à exploração vegetal no Estado.

A autorização para mais de 500 desmatamentos publicada em agosto do ano passado, em meio ao problema das queimadas, não parece uma mensagem negativa?

Na verdade não houve mais de 500 autorizações para desmatamentos e as que houve atenderam a legislação vigente para exploração econômica de áreas privadas em um Estado que necessita crescer e se desenvolver. Mas, a título de esclarecimento, destes mais de 500 extratos publicados no Diário Oficial, o Naturatins informou que, deste total, 162 são republicações de extratos (com retificação ou correções); 36 são de Reflorestamento de Eucalipto; 14 são Créditos de Reposição Florestal; 08 são de Aproveitamento de Material Lenhoso; 06 de Autorização de Queima Controlada; e os 331 extratos restantes reúnem as Autorizações de Exploração Vegetal (AEF’s), que atendem as exigências do novo Código Florestal, conforme a Lei nº 12.651/2012.

Foto principal: Carlesse (4º da esq. para dir.) em encontro de governadores da Amazônia Legal, em Palmas. (Esequias Araújo/ Governo do Tocantins)

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