Ministério da Agricultura afirma que atendeu a “demanda apresentada pela Confederação Nacional dos Bananicultores do Brasil em 2017”; presidente da Conaban, fazendeiro em SP, é dirigente do PSL e ligado a Renato Bolsonaro, irmão do presidente
Por Leonardo Fuhrmann
Em vigor desde o mês passado, a Instrução Normativa nº 13, promulgada no dia 8 de abril pela Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, revogou duas instruções anteriores para permitir a pulverização aérea de plantações de banana até 250 metros de distância de bairros, cidades, vilas e povoados. A distância mínima anterior era de 500 metros. A alteração vai em sentido contrário ao que é praticado em países europeus.
A União Europeia proíbe a pulverização aérea desde 2009. Segundo a publicação Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, de Larissa Mies Bombardi, professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), os países do bloco só liberam esse tipo de aplicação de veneno em casos especiais, em que é comprovada a impossibilidade de outros métodos e o menor risco à saúde pública.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) afirma, em nota enviada ao De Olho nos Ruralistas, que a nova instrução atende demanda apresentada pela Confederação Nacional dos Bananicultores do Brasil (Conaban) em 2017, “mais de um ano antes do início da atual gestão”.
O observatório apurou que o presidente da Conaban, naquele ano, presidia também a Associação dos Bananicultores do Vale do Ribeira (Abavar), em São Paulo, e a Cooperativa Mista dos Bananicultores do Vale do Ribeira (Coopervale). Fazendeiro na região, Jeferson Reginaldo Magário é dirigente do PSL na região, com a bênção da família Bolsonaro.
A nota do Ministério da Agricultura é uma resposta a reportagem do De Olho nos Ruralistas, publicada no dia 28 de maio, que aponta as relações políticas e pessoais do presidente Jair Bolsonaro e de seus familiares com os produtores de banana do Vale do Ribeira: “Bolsonaro pressionou Ministério da Agricultura para facilitar agrotóxicos a aliados em SP“.
A alteração favorece diretamente os produtores do Vale do Ribeira, onde Jair Bolsonaro foi criado e onde sua família mantém diversos tipos de negócios. O argumento do ministério é que se trata de uma demanda nacional. Só que o presidente da Conaban, citada pelo ministério, é Jeferson Magário, produtor de bananas em Sete Barras, também no Vale do Ribeira, e líder patronal em seu setor.
Magário também é dirigente do Sindicato Rural do Vale do Ribeira, em Registro, principal cidade da região, a mais pobre do estado de São Paulo. Em 2017, a Conaban funcionava exatamente em Registro. O tesoureiro da organização era Rene Mariano, recebido por Jair Bolsonaro e por Tereza Cristina logo após sua eleição, em 2018: “Recebido por Bolsonaro, dono de empresa de aviação agrícola foi condenado por desmatamento“.
Jeferson Magário já era diretor da Associação dos Bananicultores do Vale do Ribeira e presidente do Sindicato Rural do Vale do Ribeira em 2015, quando criticou a decisão do governo de importar bananas do Equador. Hoje ele é o vice-presidente da Abavar.
Assim como outros empresários do setor, Magário tem uma ligação próxima com a família Bolsonaro. No ano passado, quando a “atual gestão” do governo federal ainda não tinha começado, ele foi nomeado presidente do diretório municipal do PSL de Registro.
A posse do dirigente patronal foi anterior ao rompimento de Jair Bolsonaro com o partido, pelo qual ele foi eleito, e contou com a presença de Renato Bolsonaro, um dos irmãos do presidente. Renato ocupava na ocasião um cargo na direção estadual do PSL, então comandada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente. O filho número 03 ainda é filiado ao partido.
Jeferson Magário também é coordenador técnico da Comissão de Fruticultura da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp). As últimas notícias da comissão da Faesp sobre o tema, de 2019, tratam exatamente de bananas.
O presidente da Faesp, Fábio Meirelles, é um dos vice-presidentes da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), organização que ele presidiu e liderou, na semana passada, desagravo ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, após a fala sobre “ir passando a boiada” nas leis ambientais: “Financiadores da bancada ruralista publicam anúncio em ‘total apoio’ a Ricardo Salles“.
Segundo dados do Instituto de Economia Agrícola de São Paulo (IEA-SP), o estado de São Paulo foi, em 2018, o segundo maior produtor de bananas do país, atrás da Bahia — estado do presidente da CNA, João Martins da Silva Junior.
O Vale do Ribeira foi responsável por 68% da produção paulista naquele ano. A região tem o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado de São Paulo.
A bananicultura só fica atrás da cana-de-açúcar e da laranja em termos de pulverização de agrotóxicos no estado de São Paulo.
Em nota, o Ministério da Agricultura diz que a reivindicação do setor bananeiro se baseava “na necessidade de atualização da norma devido ao avanço da tecnologia de aplicação desde a última normativa”, de 2007, e “na existência de estudos científicos que comprovam que a aplicação, realizada conforme orientação da bula do produto, dificilmente atinge áreas além de 200 metros”.
Informa ainda a pasta, por meio de sua assessoria de imprensa, que, “ao longo de 2018 e 2019, a área técnica do Mapa fez avaliações, realizou debates e visitas técnicas com a finalidade de colher subsídios para alteração normativa”. A nota faz menção à publicação dos referidos estudos técnicos, apenas da bula, elaborada pelos próprios fabricantes.
Segundo o estudo de Larissa Bombardi, a produção de banana é a terceira que mais recebe agrotóxicos no estado de São Paulo, atrás apenas da cana-de-açúcar e da laranja. Em 2017, dos 44 agrotóxicos cujo uso era autorizado para a cultura no Brasil, 7 eram proibidos pela União Europeia. “No caso da banana, a pulverização é feita com inseticidas, que são neurotóxicos e também causam desregulação endócrina”, diz a pesquisadora.
A dificuldade de fiscalização é outro problema. A geógrafa afirma que são apenas 62 servidores no estado com esta função. A nova instrução dá ao agricultor que contratar o serviço de aviação agrícola “o compromisso e responsabilidade para adoção de cuidados prévios e durante a aplicação”. Segundo o ministério, a responsabilidade antes era apenas da empresa de aplicação do produto.
A pesquisadora da USP se baseia em um manual de uso dos agrotóxicos da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), publicado em 2004, para apontar os riscos da pulverização aérea. O manual aponta a deriva como principal causa de contaminação de populações e do ambiente. A deriva é quando o produto atinge áreas fora do cultivo alvo, um dos fatores que aumentam a possibilidade que isso aconteça é justamente a altura da aplicação do produto.
Segundo ela, o Brasil é muito mais tolerante com a contaminação de agrotóxicos nos alimentos e na água. A quantidade tolerada seja em alguns casos a ser até 5 mil vezes maior, além de haver substâncias sem qualquer restrição de resíduos em território nacional. Antes mesmo da alteração da instrução, o Vale do Ribeira já era uma das regiões do estado de São Paulo com maior utilização de pulverizações de agrotóxicos.
A região é apontada nos mapas da pesquisa como uma área de alta incidência de intoxicação por esses produtos. Entre 2007 e 2014, segundo Larissa, o Brasil teve mais de 25 mil casos registrados. O Paraná é o estado com mais casos, seguido por São Paulo e Minas Gerais. Segundo a pesquisadora, os dados oficiais são apenas uma amostra do problema porque há estimativas que apontam que apenas 2% dos casos de intoxicação são notificadas.
Desde o início, o governo Bolsonaro mostrou uma disposição para diminuir as restrições ao uso de agrotóxicos no país. No primeiro ano, o Ministério da Agricultura bateu um recorde histórico de liberação desses produtos. Foram publicadas em 12 meses a aprovação de 503 registros, 53 a mais do que em 2018. Do total, 110 novos produtos — um em cada cinco — foram classificados pela Anvisa como extremamente tóxicos, a classe mais alta de perigo para humanos.
A intenção do governo de facilitar o uso de agrotóxicos já ficava clara desde a escolha da deputada federal licenciada Tereza Cristina (DEM-MS) para comandar o Ministério da Agricultura. Em 2018, quando ainda estava na Câmara, ela ganhou o apelido de “musa do veneno”, por sua atuação em defesa do projeto de lei 6299/02, de flexibilização das regras de utilização de agrotóxicos no país, conhecido como PL do Veneno.
Na campanha à reeleição, naquele ano, Tereza — definida na edição do fim de semana do jornal francês Le Monde como Senhora Desmatamento de Bolsonaro — recebeu doações de doze empresários ligados a agrotóxicos. Segundo a Repórter Brasil, um deles foi Ismael Perina Júnior, na época presidente do Sindicato Rural de Jaboticabal, no interior paulista.
| Leonardo Fuhrmann é repórter do De Olho nos Ruralistas |
|| Com reportagem adicional de Alceu Luís Castilho ||
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