Ele perdeu o filho durante o Massacre de Caarapó, no Mato Grosso do Sul; Conselho Indigenista Missionário espera que o Supremo leve em conta que ele está entre os grupos mais suscetíveis ao contágio da Covid-19, como prevê o Conselho Nacional de Justiça
Por Demétrio Weber
Está pronto para análise, no Supremo Tribunal Federal (STF), o pedido de habeas corpus que poderá libertar o Guarani Kaiowá Leonardo de Souza, pai do agente de saúde Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, assassinado em 2016, no massacre de Caarapó. A informação foi divulgada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) na quarta-feira (22).
Leonardo é idoso, diabético e sofre de depressão. Ele foi preso em 2018, dois anos após o massacre perpetrado por fazendeiros na Terra Indígena Tey’ikue, no município de Caarapó, no Mato Grosso do Sul, uma das regiões de maior violência contra indígenas no Brasil. Na ocasião, cerca de setenta proprietários rurais e jagunços encapuzados atacaram indígenas da etnia Guarani Kaiowá.
Para o Cimi, o STF deve levar em conta o momento da pandemia de Covid-19, em que o encarceramento de pessoas na situação de Leonardo pode representar risco de vida, e o teor da Resolução 287/2019, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que define procedimentos específicos para indígenas em conflito com a lei.
“O sistema de justiça precisa se apropriar da questão indígena”, diz Michael Mary Nolan, assessora jurídica do Cimi, em nota divulgada pela organização. “Esperamos que o STF seja sensível ao tema e considere também que o senhor Leonardo está entre os grupos mais suscetíveis ao contágio da Covid-19, fazendo valer a recomendação 62 do CNJ”.
O conflito por terras deu origem ao episódio que ficou conhecido como Massacre de Caarapó. O ataque armado aos Guarani Kaiowá ocorreu em junho de 2016. Além da morte do agente de saúde Clodiodi, com dois tiros, outros seis indígenas ficaram feridos por arma de fogo, incluindo uma criança de 12 anos.
Leonardo foi preso pela Força Nacional, acusado de reagir com violência à chegada dos policiais, depois do massacre. Segundo o Cimi, ele foi denunciado pelo Ministério Público Federal “pelos crimes de tortura de policiais, cárcere privado qualificado, roubo qualificado, sequestro, dano qualificado e corrupção de menores”. Na ocasião, três policiais militares teriam sido detidos e desarmados. Os indígenas também foram acusados de incendiar uma viatura policial, um caminhão e uma colheitadeira.
A ação armada dos fazendeiros ocorreu depois do reconhecimento e delimitação, pela Fundação Nacional do Índio (Funai), de uma área da Fazenda Ivy, conhecida como Toro Paso, na Terra Indígena Dourados Amambaipeguá I. O reconhecimento e delimitação são etapas anteriores à demarcação e homologação.
A nota do Cimi destaca um trecho da petição da defensora pública federal Daniele Osório, de Mato Grosso do Sul, autora do primeiro pedido de soltura de Leonardo, em 2018, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. “O caso envolve um conflito aos moldes de um filme de faroeste, no qual os fazendeiros promoveram uma verdadeira matança, mas a única pessoa presa é um indígena”, argumentou Daniele. “A situação é de muita injustiça”.
Ainda de acordo com o Cimi, a defensora acrescentou: “Tem muitas questões que não foram levadas em conta até agora, como as características e valores culturais do Leonardo. Esperamos que o STF dê um enfoque mais humanizado ao agravo regimental de recurso em HC que foi apresentado pela Defensoria Pública da União”. Daniele lembra que Leonardo foi preso antes da vigência da Resolução 287, do CNJ.
O Cimi destaca que a resolução do CNJ incorpora “o critério da autodeclaração da pessoa indígena, a atenção ao direito de a pessoa indígena ser entendida e se fazer entender no processo por meio de intérprete, a adequação de medidas cautelares e penas restritivas de direitos a costumes e tradições indígenas e a possibilidade de o juiz homologar mecanismos tradicionais de responsabilização criminal”.
| Demétrio Weber é jornalista, criador do site Educa 2022 |
Foto principal (Reprodução): Leonardo após a prisão, em 2018, em Caarapó