Suplente do presidente do Senado, Josiel é o único sócio da TV fundada quando ele tinha 15 anos; família já declarou possuir terras públicas; o tio deles, José, retransmite o SBT de Silvio Santos, apoiador de Bolsonaro e dono de latifúndio no MT durante a ditadura
Por Alceu Luís Castilho e Patrícia Cornils
O técnico em contabilidade José Samuel Alcolumbre Tobelem, conhecido como Josiel Alcolumbre, declarou possuir R$ 30 mil em participação na TV Amazônia Ltda, ou TV Macapá, retransmissora da Band em Macapá. A base de dados da Receita Federal mostra que o irmão de David Samuel Alcolumbre Tobelem, o Davi Alcolumbre, é o único sócio da empresa, fundada quando ele tinha apenas 15 anos. Ele nasceu em julho de 1973; a empresa, no dia 16 de março de 1989, quando o presidente do Senado, nascido em junho de 1977, era uma criança de 11 anos.
De Olho nos Ruralistas publica desde o dia 28 de outubro a série O Voto que Devasta, sobre os candidatos em 2020. Ela já fez um raio-x dos candidatos pecuaristas, entre eles os políticos com terras em São Félix do Xingu (PA), e mostrou os candidatos da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) que buscam prefeituras nestas eleições. Entre eles está o deputado JHC (PSB-AL), candidato em Maceió.
Aos latifúndios midiáticos, como o da família Alcolumbre no Amapá, costumam se sobrepor os latifúndios tradicionais, a propriedade de grandes quantidades de terra. Novamente os parentes do presidente do Senado se sobrepõem nesse quesito, como mostrou o observatório em reportagem de 2019, publicada no Intercept Brasil.
A TV Amazônia Ltda é afiliada à Bandeirantes e opera no canal 4.1, com o nome fantasia de TV Macapá. Mas não é uma emissora isolada em meio aos tentáculos familiares: as Organizações José Alcolumbre possuem uma TV homônima, que retransmite o SBT. A diferença é que essa leva o nome fantasia de TV Amazônia. As duas são emissoras-irmãs — embora, a rigor, a relação empresarial seja entre tio e sobrinho.
Além dessas duas televisões, o grupo possui a TV Equinócio (antiga TV Marco Zero), retransmissora da Record, e duas rádios em Macapá, a 99 FM e a Jovem Pan News. Apenas a Marco Zero foi adquirida por meio de licitação pública, conforme resposta da própria família Alcolumbre a reportagem do Congresso em Foco, em 2007. As demais emissoras foram adquiridas de terceiros.
As demais empresas estão no nome de um dos tios de Davi e Josiel, José Alcolumbre, que dá nome ao conglomerado. Em texto publicado em CartaCapital, em junho de 2017, o coletivo Intervozes, especializado no direito à comunicação, cita a família Alcolumbre como integrante da “bancada parlamentar da radiodifusão”. Naquela época, a revista citava a costura de apoios pelo presidente Michel Temer junto à base governista, por meio da aceleração de projetos de outorgas de radiodifusão, conforme revelara naquele mês o jornal El País.
O Amapá é um exemplo da concentração de meios de comunicação nas mãos de políticos. Apenas a Rede Amazônica (afiliada à TV Globo) e o grupo Diário não são vinculados diretamente a famílias com assento no poder institucional. Enquanto as Organizações Alcolumbre são proprietárias de afiliadas da Record, SBT e Band, o Sistema Beija-Flor, da família do ex-senador Gilvam Borges (MDB), tem a Rede TV!. Ambos os grupos possuem rádios.
Apoiador ostensivo do presidente Jair Bolsonaro, o dono do SBT, o empresário Senor Abravanel, conhecido como Silvio Santos, também possui histórico relativo a latifúndios, como mostramos em maio: “Silvio Santos obteve 70 mil hectares no Araguaia em 1972, durante governo Médici“.
A conquista de uma concessão pública de televisão por Silvio Santos — que chegou a ter 10 mil cabeças de gado na Fazenda Tamakavy, no Mato Grosso — está diretamente relacionada à sua amizade com os políticos de plantão. No caso, ditadores.
Em reportagem publicada no UOL, no ano passado, o jornalista Mauricio Stycer contou que Médici recebeu Silvio Santos em 1970. O empresário pleiteava a concessão dos canais Excelsior. O ditador elogiou fartamente aquele que ele chamou de “animador”. Mas a concessão foi parar, em 1971, nas mãos do Jornal do Brasil.
A primeira concessão de Abravanel foi outorgada no governo seguinte, em 1976, já sob a gestão de Ernesto Geisel, que recebeu o empresário duas vezes. A concessão do SBT, na época TVS, em 1981, contou com a ajuda da família do presidente João Baptista Figueiredo — aquele que disse preferir cheiro de cavalo ao cheiro do povo.
A reportagem do De Olho nos Ruralistas sobre Silvio Santos foi publicada dias após o Jornal do SBT, pela primeira vez na história, não ter ido ao ar. Motivo: sob pressão do governo Bolsonaro, o empresário não gostou da cobertura da reunião ministerial, em abril, onde o presidente falou em armar a população para, em tempos de pandemia, enfrentar prefeitos e governadores.
Foi a reunião onde o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, detalhou estratégia de aproveitar a quarentena, enquanto a imprensa estava, em sua visão, distraída com a Covid-19, para desregulamentar tudo o que fosse possível, “de baciada”. Ou, em outras palavras, “passar a boiada”.
No lugar do Jornal do SBT, Silvio Santos exibiu uma edição do programa “Triturando”.
Dias depois, em junho, Jair Bolsonaro nomeou Fabio Faria — herdeiro de uma tradicional dinastia política do Rio Grande do Norte – ministro das Comunicações. Ele é casado com Patricia Abravanel, uma das filhas de Silvio Santos
Na reportagem sobre os Alcolumbre publicada pelo Intercept, o repórter Leonardo Fuhrmann detalhou os tentáculos agrários do clã: “Como a família Alcolumbre enriqueceu com grilagem e devastação no Amapá“.
O próprio presidente do Senado declarou terras da União à Justiça Eleitoral, pertencentes ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A família soma mais de R$ 1 milhão em multas por desmatamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Essa reportagem foi publicada em novembro de 2019. Em resposta, Davi Alcolumbre falou brevemente sobre o tema principal, as terras da família no estado: disse que não é proprietário de nenhuma delas. Mas a família enviou outra nota sobre rádios e TVs, informando (em correção ao texto anterior do site) que o irmão dele, Josiel, retransmite a Bandeirantes; o tio José Alcolumbre, o SBT.
“Não somos um grupo empresarial, somos sim várias pessoas da mesma família que detêm, muito antes do Davi nascer, negócios no Amapá”, escreveu Pierre Alcolumbre, mencionado na reportagem como dono de empresas agroindustriais e de fazendas. “Em casos raros temos alguma sociedade em empresas específicas, portanto não somos um grupo econômico, isto pode ser comprovado na junta comercial do Estado”.
O presidente do Senado participou de um programa de auditório com Silvio Santos e o apresentador Ratinho, no dia 15 de setembro de 2019. As imagens estão disponíveis no perfil da emissora no YouTube. Naquela ocasião, Silvio deu duas dicas iniciais aos concorrentes, durante o jogo em forma de charada: “Teve muitos votos. É presidente”.
Não sem certa reverência, Ratinho e Alcolumbre (que no momento estava com 17 pontos na gincana) chutaram: Jair Bolsonaro.
A resposta estava “e…”, a resposta estava “e…”, a resposta estava errada.
A terceira pista era o Amapá. A resposta correta era “Davi Alcolumbre”.
| Patrícia Cornils é jornalista. |
||| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas |||
Foto principal (Reprodução): Davi Alcolumbre participa de programa apresentado por Silvio Santos