Patrimônio de Euclasio Garrutti (DEM), de R$ 108 milhões, aumentou 9.102% em quatro anos; Ministério Público apura fraudes ambientais no CAR, identificadas na Operação Polygonum; candidatura à reeleição está suspensa com base na Lei da Ficha Limpa
Por Mariana Franco Ramos
“Oi. Meu nome é Euclasio Garrutti, eu tenho 71 anos e R$ 108 milhões de patrimônio acumulado. Há quatro anos eu só tinha R$ 1 milhão”.
A declaração acima é hipotética, mas a informação que ela contém, não.
Quando Bettina Rudolph viralizou no YouTube, em vídeo promocional da Empiricus, dizendo que começou a investir com apenas R$ 1.520 e em três anos juntou mais de R$ 1 milhão, acabou multada pelo Procon de São Paulo. O órgão de defesa do consumidor entendeu, em abril de 2019, tratar-se de propaganda enganosa. Fosse Bettina um político, porém, a história seria mais verossímil.
Em busca de um quinto mandato, o segundo consecutivo, em Piacatu, no interior paulista, Garrutti (DEM) declarou R$ 108 milhões em bens ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sendo R$ 82,5 milhões apenas em terras na Amazônia Legal. Ele é um dos políticos no Brasil com o maior valor de propriedades rurais. No momento sua candidatura está cassada pela Justiça, por causa da Lei da Ficha Limpa.
E em 2004, quando Garrutti concorreu pela primeira vez à prefeitura, quanto ele tinha? Nada.
Localizado em região de conflitos, São Félix do Araguaia é o município onde viveu Dom Pedro Casaldáliga, um dos fundadores da Comissão Pastoral da Terra (CPT), falecido em agosto. Três das quatro propriedades do político paulista no município foram declaradas por R$ 10 milhões; uma delas, por R$ 12 milhões. O tamanho das propriedades não foi divulgado.
Somente a fazenda em Água Boa, também na região do Araguaia, vale R$ 40 milhões, segundo o prefeito de Piacatu. As propriedades em Manicoré — o candidato grafa errado o nome do município, Maniporé — e em Costa Rica (MS) têm preço bem mais tímidos, R$ 500 mil e R$ 250 mil, respectivamente.
Conforme levantamento feito por De Olho nos Ruralistas na base de dados do TSE, 64 candidatos a prefeito de outros estados são donos de terras rurais na Amazônia Legal. Eles possuem, juntos, mais de 162 mil hectares, avaliados em R$ 218 milhões. Os números devem ser ainda maiores, já que os valores costumam estar defasados e nem todos especificaram o tamanho de cada terra.
A reportagem — que será publicada ainda nesta sexta-feira — integra a série “O Voto Que Devasta“, que já mostrou casos de grilagem, invasão, multas ambientais, trabalho escravo e até acusações de assassinato.
O político do DEM é suspeito de inserir dados incorretos no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Em junho de 2019, o Ministério Público do Mato Grosso instaurou cinco inquéritos civis. Um deles apura irregularidades relativas às Fazendas Santa Maria I, II, III e IV, em São Félix do Araguaia — justamente as que aparecem na declaração de bens do candidato e, juntas, somam R$ 42 milhões.
A denúncia veio à tona após a deflagração da Operação Polygonum, pela Delegacia do Meio Ambiente (Dema), que desmantelou um esquema de conluio no sistema, durante registro no CAR.
De acordo com o órgão, os donos de terra teriam interesse no esquema, porque o cadastro limita o percentual permitido para desmatamento, seguindo o tipo de vegetação local. Um imóvel localizado na Amazônia pode ser desmatado apenas em 20%; se a tipologia florestal for de Cerrado o proprietário tem direito a desmatar 65%. A notícia foi publicada pelo site Folhamax, de Mato Grosso.
O candidato a vice na chapa de Garrutti, Ricardo Lemes (DEM), também agricultor, possui R$ 79 mil e nenhuma propriedade rural. A chapa adversária é formada por Markinho do Mazão (Pode), de 30 anos, que é vereador, e André da Ambulância (Pode), de 32 anos. Ambos não declararam bens à Justiça Eleitoral.
Garrutti está na lista dos políticos com mandato que já foram multados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama). Ele recebeu uma notificação de R$ 15 milhões em novembro de 2013, por ter desmatado uma área em Barra dos Garças, no Mato Grosso. O valor — aqui registrado sem correções monetárias — é calculado com base no tamanho da área destruída.
Em 2006, o político foi incluído na lista dos prefeitos que teriam participado da máfia dos sanguessugas, como ficou conhecido o esquema de compra e venda de ambulâncias superfaturadas. O caso motivou a instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) no Congresso .
Entre os 60 municípios suspeitos, 40 receberam ambulâncias e 21 delas foram compradas por emendas de deputados acusados de envolvimento nos atos ilícitos. O documento cita três convênios celebrados entre o Ministério de Saúde e o município de Piacatu, de 2002 a 2003, para aquisição de unidades móveis de saúde; dois de R$ 86,3 mil e um de R$ 57,6 mil.
O político do DEM é alvo, ainda, de uma ação civil pública por improbidade administrativa. O processo é referente ao período em que ele foi vice-prefeito, de 2008 a 2012. O ex-prefeito Nelson Bolfim (PTB), um servidor público municipal e outras dezesseis pessoas ligadas a empresas do Grupo Scamatti são acusados de fraudes em licitações da cidade.
De acordo com a denúncia do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), foram feitas onze licitações para recapeamento de ruas, com dinheiro garantido por emendas parlamentares. A notícia foi publicada pela repórter Julia Affonso, no blog de Fausto Macedo, no Estadão.
Do total, sete foram vencidas por empresas pertencentes ao Grupo Scamatti, liderado pelo empresário Olívio Scamatti, apontado como o líder do esquema. As fraudes envolveriam parlamentares estaduais, prefeitos, empresários, membros de comissão de licitação e servidores públicos.
O observatório tentou entrar em contato com Garrutti, por telefone e por e-mail, mas não conseguiu retorno até a publicação desta reportagem.
| Mariana Franco Ramos é repórter do De Olho nos Ruralistas |
Foto principal (Divulgação/Prefeitura): Município de 5.700 habitantes em SP é administrado por megalatifundiário