A vice Maria Regina Sousa (PT) tomou posse em 31 de março, no lugar de Wellington Dias, ao mesmo tempo em que a comunidade de Vila Esperança recebeu título definitivo de propriedade coletiva; Lei do Babaçu Livre permanece em pauta
Por Nanci Pittelkow
Depois de trinta anos de conflitos por terra, o território tradicional Vila Esperança recebeu o primeiro título coletivo para quebradeiras de coco babaçu no Brasil. A titulação aconteceu no mesmo dia em que a vice-governadora Maria Regina Sousa (PT) assumiu o governo do Piauí no lugar de Wellington Dias (PT), que renunciou para concorrer ao Senado nas eleições de outubro. Ex-quebradeira de coco, ela desperta expectativas entre as mulheres da comunidade.
“Nós apostamos que ela faria diferença, e ela já começou a fazer”, diz Helena Gomes, coordenadora do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) no Piauí. “Agora são mais nove meses de governo e vamos deixar ela trabalhar naturalmente, mas sem esquecer das nossas demandas”.
Em agosto de 2021, representantes do movimento aproveitaram uma cerimônia de inauguração de uma unidade de beneficiamento de coco babaçu para entregar um relatório sobre a titulação da Vila Esperança para a então vice-governadora. Além dessa conquista, as quebradeiras de quatro estados fazem campanha pela Lei do Babaçu Livre e esperam que Regina possa atuar em seu favor.
As quebradeiras de coco fazem parte do levantamento inédito do De Olho nos Ruralistas com 27 organizações especificamente femininas com o gênero embutido no próprio nome. A série de reportagens também foi retratada no programa De Olho na Resistência, sobre povos do campo.
“Meu Deus, será que isso vai ser resolvido mesmo?”, foi o que disse Rosa Mendes da Silva Rodrigues, vice-presidente da associação local, quando recebeu o telefonema avisando sobre a titulação. “É tanto tempo de luta e conflito, mas a gente tinha esperança de que um dia teríamos essa conquista”. Uma caravana de cerca de vinte pessoas da comunidade seguiu no mesmo dia para Teresina para receber o título.
Rosa conta que acompanha os conflitos desde 1986, quando tinha 17 anos e foi morar na comunidade. A família do esposo já estava lá havia gerações. “A gente já viu coisa muito feia aqui”, lembra Rosa. “Era pistoleiro com faca e arma na cintura ameaçando as mulheres que iam caçar o coco na mata”. Segundo ela, chegaram a atirar, mas por sorte não acertaram as quebradeiras.
A terra do Estado passou nos anos 80 a ser reivindicada por Hélio Vieira e Sebastiao “Sátiro”, que exigiam que toda a produção das famílias locais deveria ser entregue ou negociada com eles. “Se o senhor diz que é dono, mostre o documento”, dizia Rosa a ele. Ela lembra que Hélio e família já haviam sido indenizados pelo Estado por eventuais benfeitorias no terreno, como uma casa, poço e uns pés de frutas. “O que a gente queria era uma definição, sim ou não, sobre a propriedade da terra, para parar de viver sob ameaça”.
O território com 1.219 hectares abrange parte dos municípios de Esperantina, Campo Largo do Piauí e São João do Arraial. A titulação coletiva abrange 67 famílias que somam mais de 2 mil pessoas. “Agora eles têm segurança para trabalhar na terra, construir suas casas, fazer a roça”, diz Helena Gomes, do MIQCB. “Com o título, nós já podemos pensar em melhorias para os moradores e novos projetos de beneficiamento”, planeja Rosa. “A terra é mãe. É nela que produzimos o pão de cada dia”.
Regina Sousa, que já trabalhou como quebradeira de coco, é uma das duas mulheres governadoras no país atualmente — a outra é Fátima Bezerra (PT-RN). “Seja em casa, na igreja, na associação, as mulheres no poder fazem a diferença”, diz Helena Gomes. “Como vice-governadora ela já era muito presente”. Helena conta que houve três audiências sobre a titulação do território Vila Esperança depois da entrega do relatório, em meados de 2021.
Quanto às eleições desse ano, Helena considera que as mulheres do movimento estão cientes da importância das escolhas para o voto. “Fazemos política o tempo todo”, reafirma. É o caso de Rosa Rodrigues, que sempre acreditou na organização pelo movimento e pelo sindicato para conquistar a terra e o direito pelo babaçu livre: “Se for o caso, eu morro na luta, mas não desisto”.
Para Helena, a posse de Regina como governadora, uma mulher negra e de origem no campo, fortalece as mulheres em todas as instâncias. “Além das cerca de 10 mil quebradeiras de coco organizadas regionalmente, mulheres de outras lutas, em outros territórios, têm a Regina como exemplo”.
| Nanci Pittelkow é jornalista. |
Foto principal (Divulgação): governadora entrega título permanente para quebradeiras de coco no dia da posse
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