Laudo do Incra aponta também a retirada ilegal de madeiras nobres, como mogno e castanheiras, nas terras dele em Nova Bandeirantes (MT); ao todo, foram suprimidos 1.070 hectares de floresta na propriedade de Agenor Dallagnol
Por Leonardo Fuhrmann
Agenor Dallagnol entregou para a reforma agrária uma propriedade de 2 mil hectares completamente devastada. Ele é pai do ex-procurador Deltan Dallagnol, que coordenava a Operação Lava Jato em Curitiba. Foram suprimidos 890 hectares de reserva e 180 hectares de Área de Preservação Permanente (APP), mais da metade da área total. Por ser em região amazônica, a propriedade deveria ter 80% de sua vegetação nativa preservada.
Os laudos estão na ação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) contra o pai de Deltan. Eles mostram que as reservas legais e áreas de proteção permanente, como encostas de morros e margens de cursos d’água, estavam destruídas. Apontam ainda a retirada de árvores nativas de preservação obrigatória, como castanheiras, sem plano de manejo. A extração de castanheiras é proibida desde 1994. Não há nos documentos qualquer contestação da defesa de Dallagnol quanto à degradação ambiental da área.
De Olho nos Ruralistas publica sua segunda série sobre as terras do clã na Amazônia. A primeira reportagem desta série faz um balanço dos processos contra os parentes de Deltan: “Incra diz que pagou R$ 147 milhões a mais ao desapropriar gleba dos Dallagnol“. A segunda e a quarta tratam exatamente das terras de Agenor Dallagnol. A terceira reportagem questiona a demissão, por Jair Bolsonaro, daquele que deflagrou as investigações e tornou os Dallagnol réus.
A ação na Justiça discute quem deve pagar os custos pela devastação da Fazenda Guapé, se Agenor Dallagnol ou o Incra. O memorial descritivo da área, feito pelo Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat), detalha que, no início dos anos 80, pouco antes de Agenor ter a posse oficial da propriedade, a área era completamente coberta por floresta. Originalmente, a área era coberta por outras árvores típicas da região, com seringueiras e mognos; ambas, principalmente a segunda, de alto valor comercial. Também cita nascentes de rios, cursos d’água em que seria possível pescar e a presença de animais silvestres.
De Olho nos Ruralistas teve acesso à ação e identificou que a discussão gira em torno de quem deve cobrir os custos para a recuperação ambiental da fazenda. Este é um dos pontos de contestação do valor pago na desapropriação. O Incra vê irregularidades na forma como foi feito o cálculo e tenta recuperar os mais de R$ 8 milhões pagos ao pai de Deltan Dallagnol. As terras eram improdutivas, assim como outras da família Dallagnol e de outros fazendeiros da região, e foram entregues em 1998, em regime de comodato, a pequenos produtores.
O objetivo dos proprietários era que os imóveis fossem desapropriados para reforma agrária e receberem a indenização por desapropriação. A solução foi articulada por Xavier Dallagnol, irmão de Agenor e seu procurador nas questões relacionadas às terras. Xavier é o signatário dos contratos de comodato.
Como um representante do Incra assina os contratos como testemunha, o parecer favorável aos Dallagnol defendia que o órgão arcasse com seus custos de recuperação, mesmo sem ficar clara qual a responsabilidade de proprietários e posseiros pela destruição.
Esta questão e a ancianidade da ocupação dos posseiros (tempo em que eles estão na terra, que pode afetar o pagamento de benfeitorias, por exemplo) afetam o valor de mercado da propriedade. Um órgão público não pode comprar terras por valor acima do que é praticado em negociações privadas, nem fora das normas estabelecidas.
Em 2009, os Dallagnol e outros fazendeiros da gleba chegaram a entrar com uma ação na Justiça Federal para obrigar o Incra a fazer a desapropriação da área, tendo Xavier mais uma vez à frente. Mesmo já tendo sido declarada a utilidade pública das terras, a ação foi rejeitada em primeira instância. Na decisão de 2012, o juiz federal de Sinop aceitou os argumentos do Incra de que nunca patrocinou “o apossamento da área discutida, uma vez que não figurou como parte do pré-falado contrato de comodato, além de rechaçar a perícia cautelar anteriormente realizada, posto estribada em valor imobiliário exorbitante”.
O novo processo de desapropriação foi iniciado após a decisão judicial.
Áreas disputadas entre posseiros e clã Dallagnol (em vermelho), tiveram boom de desmatamento nos últimos 20 anos. (Imagem: Eduardo Luiz D. G. Carlini/De Olho nos Ruralistas)
Além da fazenda de Agenor, o desmatamento já foi constatado em outras propriedades da família. Como já mostrou o observatório, em 2010, Leonar Dallagnol, conhecido na região como Tenente, assinou um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Estadual do Mato Grosso por degradação do ambiente.
Ele foi acusado de destruir a vegetação da área de reserva legal da Fazenda Aruanã.
Xavier e a mulher, Maria das Graças Prestes, foram autuados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por desmatamento ilegal, ambos em 2017. Xavier foi multado pelo desmatamento de uma região de 276,5 hectares. Maria das Graças recebeu autuação pela devastação na Fazenda Iassã, na região de Japuranã, também em Nova Bandeirantes. Os negócios da família no município, no noroeste, quase no Amazonas, são geridos principalmente pelos irmãos Xavier e Tenente.
Xavier Dallagnol está envolvido em uma disputa judicial de terras com a Madeireira Juara, em Nova Monte Verde. Em 2018, ao longo do processo, Xavier e a esposa foram acusados de desrespeitar decisões liminares e causar dano ambiental na área em disputa, com a “extração irregular de madeiras de todas as espécies”.
Ele e a madeireira também são investigados por dano ambiental em um inquérito proposto pelo Ministério Público do Mato Grosso, a partir de representação da Associação Comunitária Rural Matrinchã. No município, Xavier é investigado em outros processos, inclusive inquéritos policiais, por dano ambiental.
A série sobre o clã Dallagnol inaugura a cobertura eleitoral do De Olho nos Ruralistas, com uma equipe ampliada tanto para a cobertura dos candidatos ao Congresso como para a cobertura das eleições para o Executivo. Até as eleições serão dezenas de reportagens, relatórios e vídeos sobre as eleições 2022.
Confira vídeo de apresentação da série de reportagens sobre o clã:
| Leonardo Fuhrmann é repórter do De Olho nos Ruralistas. |
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