Incra diz que pagou R$ 147 milhões a mais ao desapropriar gleba dos Dallagnol

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Pai, tios e primos do ex-procurador da Lava Jato estão entre os donos de 17 fazendas investigadas pela autarquia; cálculo leva em conta as sobreposições de terras e questiona a divisão dos imóveis, em meio à ocupação por posseiros e ao desmatamento

Por Leonardo Fuhrmann e Alceu Luís Castilho

Família de ex-procurador é acusada de irregularidades (Foto: Fernando Frazão/ABr)

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tenta reverter na Justiça Federal a homologação dos acordos para a desapropriação de terras da Gleba Japuranã, em Nova Bandeirantes (MT). Em sua fundamentação, apresenta um cálculo que aponta um sobrepreço de mais de R$ 147 milhões no valor que está sendo pago.

Dinheiro que sai dos cofres públicos e vai, neste caso, em boa parte para os bolsos da família do ex-procurador da República Deltan Dallagnol, o antigo coordenador da Operação Lava Jato no Paraná e atual pré-candidato ao Congresso, recém-filiado ao Podemos.

Ao todo, o Incra calcula ter pago R$ 159 milhões em 14 processos judiciais relativos à desapropriação de 17 fazendas. Os números constam em uma ação na qual o órgão tenta a devolução de R$ 14,5 milhões pagos ao tio de Deltan, Xavier Leonidas Dallagnol, e sua esposa, Maria das Graças Prestes. A área total da gleba, informa em seu pedido, é de 36 mil hectares.

Processo aponta sobrepreço de R$ 147 milhões em desapropriação em Nova Bandeirantes (Imagem: Incra/De Olho nos Ruralistas).

Em 2019, De Olho nos Ruralistas mostrou, em uma série de dez reportagens, que os tios e primos do ex-procurador estão entre os principais proprietários da gleba Japuranã, cujos lotes foram obtidos durante a ditadura. Uma das novidades agora é o envolvimento de Agenor Dallagnol, pai de Deltan, no universo fundiário.

Além de aparecer entre os treze membros do clã Dallagnol beneficiados pela desapropriação da gleba, Agenor é réu em um processo em que o Incra pede a devolução de R$ 8 milhões, baseado em suspeita de que teria se beneficiado de corrupção dentro do órgão: “Incra cobra de pai de Dallagnol a devolução de R$ 8 milhões aos cofres públicos“.

Procurado por meio de sua assessoria de imprensa pessoal, Deltan Dallagnol afirmou que não vai se manifestar sobre o tema.

IRREGULARIDADES VÃO DE DIVISÃO DO IMÓVEL A BENFEITORIAS

O Incra contesta não só o valor pago a cada um dos proprietários, mas a própria divisão do imóvel em diversas propriedades, o que propiciou também a sobreposição de registros.

Elaborado em 2019, atendendo a um pedido de investigação do Conselho Diretor do órgão, o laudo identifica que a gleba constitui um único imóvel dentro do conceito de unidade de exploração econômica. Por isso, a desapropriação deve ser única e o valor dividido proporcionalmente entre todos os proprietários. Os proprietários, por sua vez, tentam manter a interpretação anterior, que trata como propriedades separadas.

Laudo aponta irregularidades em divisão de matrículas e no pagamento de benfeitorias (Imagem: Incra/De Olho nos Ruralistas).

O novo laudo avaliou também o valor da terra nua na Gleba Japurinã em R$ 38,4 milhões, descontando R$ 3,6 milhões do valor original por conta do passivo ambiental do terreno e aplicou o fator de ancianidade de 0,4%, pelo motivo de a área ser ocupada por posseiros que vivem nela, em média, há onze anos.

Os peritos encontraram pessoas que viviam no local por períodos que variavam de seis meses até 21 anos, conforme mostramos em reportagem de 2019: “Na outra ponta do impasse fundiário em Nova Bandeirantes (MT), camponeses se sentem acuados com situação“. Com isso, o valor total pela terra nua caiu para R$ 11,8 milhões.

Confira as propriedades da família Dallagnol em Mato Grosso. (Imagem: Eduardo Luiz D. G. Carlini/De Olho nos Ruralistas)

O laudo apontou ainda irregularidade no pagamento de benfeitorias indenizáveis, isto é, as melhorias na infraestrutura do imóvel gerada pelos proprietários. Estas foram avaliadas em R$ 43,4 mil, o que corresponde a menos de 10% do total que estava sendo pago aos antigos proprietários. O caso ainda tramita na Justiça.

SOBREPREÇO SERIA DE 66 VEZES O VALOR DE TRÍPLEX ATRIBUÍDO A LULA

Deltan Dallagnol foi um dos responsáveis pela denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula ficou na prisão por 580 dias, no âmbito da Lava Jato. O juiz do caso era Sergio Moro, depois ministro da Justiça do governo Bolsonaro e hoje pré-candidato à Câmara ou ao Senado pelo União Brasil no Paraná. O ex-juiz chegou a anunciar sua candidatura à Presidência pelo Podemos, mas, sem votos, desistiu. Ele também tentou transferir seu domicílio eleitoral para São Paulo, mas o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP) rejeitou as comprovações dele de um endereço no estado.

Triplex atribuído ao ex-presidente Lula, durante ocupação pelo MTST, em 2018. (Foto: Reprodução)

A reputação de ambos começou a ruir depois que a série de reportagens da Vaza Jato, publicada pelo The Intercept Brasil, apontou o conluio do magistrado com os procuradores para que o processo levasse à condenação do líder petista. Após a divulgação do caso, a condenação foi cancelada pelo Supremo Tribunal Federal e Deltan seguiu o mesmo caminho de Moro: trocou a carreira no Ministério Público pela política e é pré-candidato pelo Podemos do Paraná a deputado federal ou senador.

A condenação de Lula teve como principal argumento que ele teria ganhado da construtora OAS um tríplex no Guarujá, no litoral paulista, como benefício pela corrupção na Petrobras. O imóvel, cuja propriedade jamais ficou comprovada, foi posteriormente arrematado em leilão por R$ 2,2 milhões. A diferença entre o valor calculado pelo Incra para a gleba na qual os Dallagnol têm terras e o valor pago na desapropriação é 66 maior que o do triplex.

A gleba é palco de uma disputa entre o Incra e esses proprietários desde os anos 90 e afeta diretamente a vida de 399 famílias que estão na área. Segundo o relatório do instituto, deste total, 307 têm perfil para serem beneficiadas por um projeto de reforma agrária. Elas ocupam 97,5% do terreno, o que causa mais um problema: a falta de preservação das reservas legais.

Leonardo Fuhrmann é repórter do De Olho nos Ruralistas. |

|| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do observatório. ||

||| Com a colaboração de Bernardo Fialho, estudante de Direito na UFRJ e pesquisador, com foco em sindicatos e movimentos sociais. |||

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