Pesquisa da Unicamp aponta família como principal latifundiária na região onde fica hoje Nova Bandeirantes, na década de 70; em 1978, propriedade foi regularizada; latifúndios superam aqueles adquiridos pelo empreiteiro Cecílio do Rego Almeida e pela família Junqueira Vilela
Por Leonardo Fuhrmann e Alceu Luís Castilho
Um estudo coordenado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) informa que a chegada da família Dallagnol à região de Nova Bandeirantes (MT) foi anterior ao processo oficial de colonização do município, iniciado no começo da década de 80 pela Colonizadora Bandeirantes (Coban). O levantamento mostra que eles ocuparam a região antes da década de 70 e tiveram sob seu domínio um território do tamanho de Cabo Verde, ou cerca de dois terços do Distrito Federal: 400 mil hectares. Quase a metade da área do município de 953 mil hectares.
Em uma série de reportagens, De Olho nos Ruralistas mostra a face agrária dos Dallagnol. Confira o texto sobre os latifúndios da família que estão sendo desapropriados, sob contestação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra): “Incra diz que desapropriação de R$ 41 milhões no MT que beneficiou pai, tios e primos de Deltan Dallagnol foi ilegal”.
As propriedades em Nova Bandeirantes, segundo o relatório final do Projeto Governança Fundiária no Mato Grosso, publicado em dezembro de 2014, foram regularizadas junto ao Instituto de Terras do Mato Grosso (Intermat) em 1978, o que indica que o território, até então, era público. Nos anos 60 e 70 a proximidade com a ditadura era determinante para a obtenção de latifúndios nas regiões Norte e Centro-Oeste.
O tamanho das propriedades do clã no município – que na época ainda fazia parte de Alta Floresta – era maior do que o de famílias conhecidas pelo envolvimento em ocupação de terras devolutas, como o paranaense Cecílio do Rego Almeida, fundador da construtora CR Almeida, e a família paulista Junqueira Vilela, definidos em reportagem do Intercept como “os maiores pecuaristas e destruidores de florestas do Brasil”. Em Nova Bandeirantes, os Junqueira Vilela tinham 80 mil hectares e a CR Almeida, duas grandes glebas, de 150 mil e 65 mil hectares.
O estudo sobre a situação fundiária no Mato Grosso foi coordenado por Bastiaan Philip Reydon, professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, no Núcleo de Economia Agrícola e do Meio Ambiente. É assinado ainda pelos pesquisadores Ana Paula Bueno, Roberto Resende Simiqueli e Vitor Bukvar Fernandes. O sobrenome Dallagnol aparece no documento como “Dallagnon”, mas há outros erros de grafia ao longo do texto. Os Junqueira aparecem como “Junqueria”, por exemplo. O levantamento foi feito pelo Programa Mato-Grossense de Municípios Sustentáveis, em parceria com a Unicamp e o Instituto Centro de Vida (ICV).
“Antes dos anos 1980 a União dava uma matrícula ao Intermat e este vendia as áreas para as pessoas interessadas”, escrevem os economistas. “Em 1978, uma área de hectares foi arrecadada e legalizada pela família Dallagnon [sic] junto ao Intermat”. Eles informam que nos anos 80 as áreas começaram a ser demarcadas com base em pontos geodésicos. E que a colonização pela Coban foi iniciada em 1982. “A família Dallagnon também fez uma colonização com os hectares que foram adquiridos do Intermat”.
MUNICÍPIO FOI FUNDADO POR MENEGHEL, O ‘TIGRÃO’
Os pesquisadores contam ainda que a Colonizadora Bandeirantes surgiu de uma iniciativa de empresários paranaenses:
– O dono da companhia, Daniel Meneghel, além de colonizador é diretor da Usina Bandeirantes, na cidade de Bandeirantes, norte do Paraná. Seguindo a vocação de desbravador de novas fronteiras, Daniel Meneghel implantou e desenvolveu na região o Projeto de Colonização Nova Bandeirantes. Ele investiu em estradas e pontes, além de outras providências necessárias à consolidação do projeto. A denominação Nova Bandeirantes foi homenagem à cidade de Bandeirantes-PR, especialmente pela origem do fundador do lugar – Daniel Meneghel.
Foi por causa de Meneghel que o De Olho nos Ruralistas chegou aos latifúndios dos Dallagnol. Em novembro, o observatório publicou a seguinte reportagem: “Usineiro que bancou voo de Mourão tem histórico ligado à ditadura; vice foi apoiar o genro dele, ruralista“. O texto trata de Serafim Meneghel, o Tigrão, dono de time de futebol e amigo do vice-presidente Hamilton Mourão. Em 1993, contava a Veja, Meneghel resolvia “tudo com seu Schmith & Wesson 38”.
Tigrão presidiu por 30 anos, no Paraná, a Usina Açúcar e Álcool Bandeirantes S.A., agora em nome de um de seus irmãos, Daniel Meneghel. Ela foi aberta em 1966, dois anos após o início da ditadura de 1964 – a quem a família estendeu seus tapetes. É no nome de Daniel Meneghel que estão a Usina Bandeirante e a Coban, uma das empresas que, durante a ditadura, prestou-se a “colonizar” o norte do Mato Grosso. Desse processo se formaram municípios como Colniza, Confresa, Colíder e – em homenagem ao município do empresário – Nova Bandeirantes, no noroeste do estado, a segunda terra dos Dallagnol.
A Colonizadora Bandeirantes tem filiais em Cuiabá e em Alta Floresta (MT). Chegou ao Mato Grosso em 1982, durante o governo Figueiredo. Uma das fazendas de Daniel Meneghel, de 328 hectares, foi confiscada pela Justiça. Avaliada em R$ 12,3 milhões, ela chegou a ir a leilão em 2017, mas os lances foram suspensos. Ela fica em Nova Mutum (MT), ao norte da Terra Indígena Santana, do povo Bakairi.
Outro estudo do Instituto Centro de Vida (ICV), específico sobre a situação fundiária em Nova Bandeirantes, identificou, em 2015, que a soma das propriedades privadas totalizava 113% da área do município. Ou seja, existe sobreposição, declaração de terras – pelos fazendeiros – em quantidade maior do que a real, fisicamente possível. Detalhe: o Parque Nacional do Juruema ocupa 6,5% da área municipal.
A tabela abaixo mostra a extrema concentração fundiária em Nova Bandeirantes. Apenas 72 proprietários com mais de 2,5 mil hectares cada um – caso de boa parte da família Dallagnol – possuíam, naquele ano, 50% da área do município. Em contraposição a 900 proprietários com propriedades menores que 50 hectares, todos eles em 2% da área do município. Somando-se os 72 proprietários que tinham entre 1 mil e 2,5 mil hectares – a maioria do restante da família Dallagnol -, o levantamento mostra que 144 latifundiários detinham, em 2015, 76% da área do município.
EMPREITEIRO TEVE ÁREA AINDA MAIOR EM OUTROS MUNICÍPIOS
Definido uma vez como “o maior grileiro do mundo”, Cecílio do Rego Almeida protagonizou aquele que foi considerado o maior caso de grilagem do Brasil. Localizada no sudoeste do Pará, a Fazenda Curuá, na região conhecida como Terra do Meio, tinha 5 milhões de hectares. A propriedade foi contestada em uma ação da Justiça Federal que tramitou no município de Santarém. O MPF entendeu que a fazenda tinha incidência na Reserva Extrativista do Riozinho do Anfrísio, Floresta Nacional de Altamira, Terras Indígenas Xipaya, Kuruáya e Baú, além da gleba onde estão os projetos Nova Fronteira e Santa Júlia, de assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Almeida foi acusado de grilagem em outra região da Amazônia, no município de Apiacás, no Mato Grosso, na divisa com Nova Bandeirantes. A propriedade tem área de 300 mil hectares. Em 2009, a Procuradoria Geral do Estado do Mato Grosso moveu uma ação civil contra o grupo e outros envolvidos para reaver 579 mil hectares de área grilada.
Alguns dos integrantes da família Junqueira Vilela foram presos, sob a acusação de grilagem, na Operação Rios Voadores, em junho de 2016. Antônio José Junqueira Vilela Filho foi apontado como chefe de um esquema de grilagem e desmatamento na região de Altamira (PA). Acusada de participar das fraudes, Ana Luiza Junqueira Vilela Viacava foi detida sob suspeita de tentar destruir documentos que comprovavam as fraudes.
Foram denunciados também pelo Ministério Público Federal o marido de Ana Luiza, Ricardo Viacava, e mais uma irmã de Antônio e Ana Luiza, Ana Paula Junqueira Vilela. Na mesma área no Pará, eles responderam por crimes de trabalho escravo praticado contra 11 trabalhadores.
Foto principal: Incêndio na prefeitura de Nova Bandeirantes, em 2017. (Reprodução)
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