Usineiro que bancou voo de Mourão tem histórico ligado à ditadura; vice foi apoiar o genro dele, ruralista

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Bolsonaro, Paulinho Vilela e Mourão. (Foto: Facebook/Paulinho Vilela)

Vice-presidente eleito viajou em avião de Serafim Meneghel, paranaense que comandava armado um time de futebol, para lançamento da candidatura à Câmara de Paulinho Vilela, fazendeiro que circulou com os Bolsonaro por SP e Brasília

Por Alceu Luís Castilho

Há 25 anos, em 1993, a revista Veja fazia um perfil de Serafim Meneghel, o Tigrão: “As aventuras do coronel da bola”. Não um militar de fato, como seu amigo Hamilton Mourão, mas um daqueles manda-chuvas regionais, um coronel no município de Bandeirantes, no Norte Pioneiro Paranaense. Seu domínio ia além das fazendas e da usina canavieira pertencente à família, como mostra esta chamada da reportagem: “Serafim Meneghel, dono de um time de futebol, resolve tudo com seu Schmith & Wesson 38”.

Segue um trecho que ilustra o modo como ele comandava o União Bandeirante, o finado time de futebol da cidade:

– As bravatas dentro de campo lhe valeram, na década de 70, o apelido de “Tigrão”. O juiz Gustavo Turra só conseguiu entender o exato significado desse nome ao apitar um pênalti contra o União. O time jogava em casa, contra o Primavera. Aos 45 minutos do segundo tempo, o jogo empatado, houve uma confusão na área e o juiz marcou falta. Esbaforido, com suas botas de cano alto, Serafim Meneghel entrou em campo aos berros e de revólver em punho. “O que você marcou, seu safado?”, gritou. “Marquei pênalti”, arriscou o trêmulo juiz. Serafim então apontou o 38 para a bola e a mandou pelos ares com um tiro certeiro. “O que foi mesmo que você marcou?”, insistiu. Prudentemente, o árbitro mudou de ideia: “Marquei falta técnica contra o Primavera”.

PAULINHO VILELA, AMIGO DOS BOLSONARO

Nabhan Garcia, da UDR, com Bolsonaro e Paulinho Vilela, em agosto. (Foto: Facebook/Paulinho Vilela)

Foi em um avião de Meneghel que o vice-presidente eleito viajou durante a campanha, sem prestar contas do mimo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A Folha conta que Hamilton Mourão viajou de Brasília a Cascavel (PR) nos dias 12 e 13 de setembro, para o lançamento da candidatura a deputado federal de um fazendeiro da região, Paulinho Vilela (PSL). O transporte aéreo também não foi registrado nas contas do cabeça de chapa, o  presidente eleito Jair Bolsonaro.

Vilela é casado com uma das filhas de Meneghel, Roberta Meneghel Vilela. Ele conta que emprestou a aeronave da família a Mourão. O Facebook de Paulinho Vilela mostra uma foto dele com Bolsonaro e com o presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Nabhan Garcia, tirada durante a campanha eleitoral, antes de um debate na Band, no dia 10 de agosto. Em julho, ele participou de uma palestra com o deputado eleito Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Dias antes, mais uma foto com o presidente eleito.

Vilela com Nabhan Garcia, Bolsonaro e o agronegócio. (Foto: Facebook/Paulinho Vilela)

No dia 18 de junho, Vilela participou, com Jair Bolsonaro, de um fórum promovido pela União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), em São Paulo. Ele não apareceu somente na foto: participou de reunião com o candidato e com Nabhan Garcia, representando os interesses dos ruralistas do Paraná. No dia anterior, foto com a equipe voluntária – segundo ele mesmo – que estava ajudando Bolsonaro “em propostas para a agricultura e pecuária bem como assuntos ligados ao interior do nosso Brasil”.

Paulinho Vilela já vinha se mostrando, nos meses anteriores, bastante atuante em Brasília. Em maio, postou foto com o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), eleito governador de Goiás. Dois dias antes, batalhava pelo perdão das dívidas do Funrural.

No dia 18 de outubro, ele já sabia que havia perdido a eleição. Conseguiu apenas a suplência, mas continuou a campanha pelo então candidato à Presidência pelo PSL. Postou, então, uma dobradinha de fotos, com Bolsonaro e Mourão; atrás do vice [em nossa foto principal], um avião. Um dia após o segundo turno, 28 de outubro, Paulinho Vilela publicou mais imagens com Bolsonaro e com Mourão. E escreveu: “Missão cumprida! Que Deus abençoe nosso Brasil”.

EM NOME DO PAI, DOS FILHOS E DOS BANDEIRANTES

A abertura e o fechamento das safras de cana da usina da família Meneghel são comemorados todo ano com uma missa de Ação de Graças no pátio principal da empresa, que em 2009 chegou a ter dívidas acima de R$ 30 milhões. Mas a Usiban, a Usina Açúcar e Álcool Bandeirantes S.A. que ele presidiu por 30 anos, está agora em nome de um dos irmãos de Serafim, Daniel Meneghel. Ela foi aberta em 1966, dois anos após o início da ditadura de 1964 – a quem a família estendeu seus tapetes.

Bandeirante: o mesmo logo do time de futebol. (Imagem: Reprodução)

Dono da Agropecuária Santa Catarina S.A., Serafim Meneghel – paulista de Piracicaba, assim como os irmãos – tem outros tentáculos políticos além da família Bolsonaro. Em 2014, ele apoiou abertamente a reeleição do governador tucano Beto Richa – preso durante quatro dias na Operação Lava Jato, em setembro, hoje com R$ 27 milhões bloqueados pela Justiça, sob a acusação de desvio de recursos para escolas públicas do estado.

As empresas agropecuárias da família estão espalhadas entre os parentes. Em nome de Serafim Meneghel Junior, por exemplo, dono de uma rádio em Bandeirantes, está a Danser Comércio de Cereais Ltda, em sociedade com Daniel Meneghel Junior. Daniel Meneghel, o irmão, estendeu seu império – como veremos – para o Mato Grosso, onde abocanhou centenas de milhares de hectares e fundou um município, Nova Bandeirantes.

Em nome de Luiz Meneghel Neto estão a 3M Participações, a SI Cereais e Alimentos e a Sementes Paraná, entre outras empresas. O avô de Luiz, pai de Tigrão, era quem dava o nome ao estádio do União Bandeirante. Karla e a mulher de Serafim, Carlota Meneghel, também são sócias da Agropecuária Santa Catarina.

CONEXÕES PECULIARES COM O FUTEBOL

A expansão empresarial da família Meneghel durante a ditadura de 1964 teve seus efeitos no futebol. À Gazeta do Povo, Tigrão contou em 2013 que o União Bandeirante foi fundado por seu pai, “comendador” Luiz Meneghel. “Era época da meia revolução, o povo precisava dar risada”, resumiu. “Então o Guarani, que disputava o Campeonato Paranaense, se fundiu com o time da usina [a Usiban] e surgiu o União Bandeirante”.

Clube foi fundado no ano da ditadura. (Foto: Reprodução)

O time cinco vezes vice-campeão paranaense tinha o rosto de um bandeirante, armado, bordado no escudo – o mesmo símbolo da Usina Bandeirante. Meneghel recebeu a reportagem da Gazeta do povo na Fazenda 3M, mesmo nome da empresa de Luiz Meneghel Neto, em Cambará (PR). Contou ter deixado a administração da usina em 2003. “Futebol é no campo, o resto é frescura”, filosofou.

Nessa entrevista ele definiu a história do tiro na bola como a brincadeira de um amigo. Em seguida, relatou como eram as visitas à Federação de Futebol:

– O homem tem de se impor. A gente ia em reunião, ficava ouvindo e quando precisava falar, a gente falava. Manda um pé de macaco lá, mandam ficar quieto, ele vai ficar quieto e acabou.

Os coronéis do futebol são enturmados. Um ex-coordenador do Londrina Esporte Clube (ex-vereador e ex-presidente do clube), Célio Guergoletto, contou ao Jornal de Londrina que o doleiro Alberto Youssef ajudou na gestão do Tubarão – o apelido do time – em duas ocasiões. Era em Londrina que o pivô da Lava Jato tinha uma casa de câmbio nos anos 90, no centro da cidade. Uma, na contratação do volante Sidiclei, trazido do União Bandeirante: “Ele foi comigo a Bandeirantes, tinha muita amizade com Meneghel e assinou uma promissória como garantia para o empréstimo do jogador”.

Um dos ex-diretores do União Bandeirante é Diacomo Gamaliel Meneghel, ao lado de Serafim um dos réus em processo relacionado a uma desapropriação feita pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER) do Paraná. Um dos filhos de Gama Meneghel, Alessandro, foi acusado em 2007, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), de ser um dos mandantes do assassinato do camponês Valmir Mota de Oliveira, o Keno, em tiroteio com seguranças da multinacional suíça Syngenta, em Cascavel.

Meneghel tinha uma fazenda de 5 mil hectares na região e presidia o Sindicato Rural de Cascavel. A acusação do MST não deu em nada. Em 2017, porém, Alessandro foi condenado a 37 anos de prisão pelo assassinato do policial federal Alexandre Drummond, em 2012. O conflito dessa vez não era agrário: o crime ocorreu em frente de uma boate na cidade, segundo a Justiça por motivo torpe e sem chance de defesa para a vítima.

FAMÍLIA DE MENEGHEL ‘COLONIZOU’ MUNICÍPIO NO MT

É no nome de um dos irmãos de Serafim (o irmão mais velho, Paulo, morreu), Daniel Meneghel, que estão a Usina Bandeirante e a Colonizadora Bandeirante Ltda (Coban). Essa empresa faz parte de um rol de empresas que, durante a ditadura, prestou-se a “colonizar” o norte do Mato Grosso. Desse processo se formaram municípios como Colniza, Confresa, Colíder e – em homenagem ao município do empresário – Nova Bandeirantes, no noroeste do estado.

Serafim Meneghel: confiança total em Richa. (Foto: Reprodução/YouTube-Usiban)

Trata-se de um dos municípios com alto índice de desmatamento, na área de expansão da soja. Com filiais em Alta Floresta (MT) e Cuiabá, a Coban chegou ao Mato Grosso em 1982, durante o governo Figueiredo. O povoado de Nova Bandeirantes se tornou distrito de Alta Floresta em 1986; em 1981, virou município.

Uma das fazendas de Daniel Meneghel, de 328 hectares, foi confiscada pela Justiça. Avaliada em R$ 12,3 milhões, ela chegou a ir a leilão em 2017, mas os lances foram suspensos. Ela fica em Nova Mutum (MT), ao norte da Terra Indígena Santana, do povo Bakairi.

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