Mapas da plataforma Geosampa contradizem versão da prefeitura sobre infraestrutura para peixes do Sítio Vista Verde, em Marsilac, extremo sul de São Paulo; filho do prefeito Ricardo Nunes mantém página chamada Piscicultura Vista Verde e ostenta as carpas criadas no local
Por Alceu Luís Castilho, Eduardo Carlini e Bruno Stankevicius Bassi
Nunes é o dono de treze lotes no Parque Internacional, onde fica o Sítio Vista Verde. O tanque para peixes está instalado em uma Área de Preservação Permanente (APP), a poucos metros de uma nascente. O local fica na APA Capivari-Monos, uma das principais faixas de Mata Atlântica do município e do estado de São Paulo.
O reservatório descumpre algumas das condicionantes exigidas pelo Código Florestal para a atividade de piscicultura, conforme mostramos ontem em reportagem especial: “Tanque para peixes de Ricardo Nunes barra nascente em APP no sul de São Paulo“. Os filhos de Nunes alugam o imóvel nas redes sociais: “Filhos de Ricardo Nunes alugaram sítio do pai para grupos de até 75 pessoas“.
De Olho nos Ruralistas publicou na quarta-feira (12) o primeiro de doze vídeos da série Endereços, sobre a relação dos políticos paulistanos com o território. Lançado no canal do observatório no YouTube, o episódio narra o histórico do Sítio Vista Verde, localizado em loteamento irregular, o Parque Internacional. Apenas 4 dos 13 lotes do imóvel estão em nome de Nunes no 11º Cartório de Imóveis de São Paulo.
Cada vídeo é acompanhado de reportagens em nosso site que detalham o tema em destaque da semana. Confira aqui a primeira: “Sítio de Ricardo Nunes no extremo sul de SP fica em loteamento irregular“. A resposta do prefeito em relação ao terreno e à nascente também motivou um texto específico: “Prefeito de SP afirma que lotes em sítio estão “em regularização“.
O próximo vídeo, sobre uma das atividades empresariais de Ricardo Nunes, será divulgado na quarta-feira (19). O prefeito diz ter comprado o sítio no mesmo ano da criação da empresa Nikkey Controle de Pragas, que surgiu como uma pequena dedetizadora e hoje atende a Petrobras e multinacionais do agronegócio.
Um dos pontos destacados na nota enviada pela assessoria de Nunes afirma que a infraestrutura do Vista Verde havia sido constituída antes da aquisição, realizada entre os anos de 1997 e 1998. Portanto, antes da criação da unidade de conservação:
— Os lotes em questão foram adquiridos entre 1997 e 1998 já integralmente construídos e constituídos em sua forma final, portanto, antes da criação da APA Capivari-Monos. (Os grifos são nossos.)
E reforça a informação outra vez no fim da nota:
— Na data de aquisição dos lotes mencionados ainda não tinha sido constituída a área de preservação, o que somente aconteceu em 2001.
Os mapas da plataforma Geosampa, no entanto, contam outra história. A partir da identificação das bases de ortofotos disponíveis nos anos de 2004 e 2017, a equipe de pesquisa do observatório identificou que o tanque de peixes de Nunes foi construído depois da criação da APA Capivari-Monos. Na ortofoto original, tirada três anos após a delimitação da área, a nascente no terreno ainda não havia sido barrada.
Inaugurada em 9 de junho de 2001, durante a gestão de Marta Suplicy, a APA Capivari-Monos foi a primeira unidade de conservação do município. Com 25 mil hectares, a área de proteção foi criada para preservar os recursos hídricos e os remanescentes de Mata Atlântica na bacia dos Rios Capivari e Monos, então sob intenso processo de desmatamento e erosão.
Além da importância ecossistêmica, a região possui um papel complementar no abastecimento de água da capital. Ali, a menos de 500 metros em linha reta do sítio de Ricardo Nunes, fica a Estação de Elevação de Águas Brutas (EEAB) Capivari, da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). A unidade bombeia água do rio para o Reservatório Guarapiranga, 20 quilômetros ao norte, onde ocorre o tratamento — por isso o termo “águas brutas”.
Inicialmente construída para geração de energia, a estação foi convertida para seu uso final nos anos 70, em resposta a uma crise de estiagem que secou os principais reservatórios da região metropolitana. Desde então, ela é acionada sempre que o Sistema Guarapiranga, responsável pelo abastecimento da zona sul, precisa de mais água.
Apesar da proximidade com a estação, moradores entrevistados pela reportagem disseram não usufruir de água encanada nem de tratamento de esgoto. Uma delas é Sueli Valentim, que mora na Rua 6 do Parque Internacional, a mesma rua onde fica o sobrado de Nunes. (O sítio tem áreas contíguas a três ruas do loteamento, uma delas a Rua 6. Seus fundos dão para a mata que desce até a Estrada da Ponte Seca, por onde se vai até o reservatório da Sabesp.)
Apoiadora do prefeito Ricardo Nunes, por quem diz fazer campanha sem nada em troca, somente por gostar dele, Sueli conta que usa o poço do prefeito para ter acesso à água potável. “A gente não tem como furar”, diz ela, em trecho da entrevista reproduzido em nosso vídeo.
Jonas Manoel dos Santos é o dono do Bar do Jonas, que foi decisivo para a reportagem localizar o sítio de Nunes. Era um dos únicos pontos na região que apareciam no Google Earth. Considerado irregular pela Secretaria Municipal de Habitação, o Parque Internacional quase não tem referências na internet. Sueli, por exemplo, comanda um grupo de moradores no Facebook e chama o bairro de Ponte Seca, com Parque Internacional entre parênteses.
Jonas conta que “todo mundo” tem poço. E enumerou pelo menos três minas que correm pelo bairro. Uma delas, “nos fundos do Seu Ricardo”. A falta de infraestrutura é uma constante entre os moradores, nenhum com o poder aquisitivo do prefeito. Todos disseram que o sítio é a única casa rica da região. Marsilac é o distrito com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município de São Paulo.
| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas. ||
|| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do observatório. ||
||| Eduardo Carlini é geógrafo e pesquisador. |||
|||| Colaborou Carolina Bataier, repórter. ||||
Imagem principal (De Olho nos Ruralistas): prefeito de São Paulo possui sítio em área de nascente
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