Agrogolpistas: desmatador histórico do Pantanal financiou bloqueios golpistas em rodovias

Responsável por desmate químico de 81 mil hectares em Barão de Melgaço (MT), fazendeiro Claudecy Lemes promoveu bloqueio de rodovias em 2022 e teve contas bloqueadas pelo ministro Alexandre de Moraes; dossiê “Agrogolpistas” mostra sua relação com atos antidemocráticos

Por Bruno Stankevicius Bassi e Tonsk Fialho

Até abril de 2024, Claudecy Oliveira Lemes era mais um latifundiário desconhecido do público brasileiro. O que mudou naquele mês? Ele se tornou alvo da Operação Cordilheira, da Polícia Civil, por destruir uma área de 81,2 mil hectares no Pantanal mato-grossense, no município de Barão de Melgaço, a 109 km de Cuiabá.

Agrogolpistas: relatório inédito consolida 142 nomes de empresários do agronegócio que apoiaram tentativa de golpe

O caso ganhou repercussão pelo alcance e pelo método: Claudecy aplicou uma mistura de 25 agrotóxicos, incluindo o 2,4-D, um dos componentes do “agente laranja” usado pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. Segundo os agentes, só a compra dos insumos usados para o desmate químico  custou R$ 9,5 milhões. Somando as pulverizações aéreas realizadas entre 2021 e 2023, o fazendeiro gastou R$ 25 milhões.

A investigação levou ao sequestro de bens e à aplicação de multas que, somadas, chegavam a R$ 2,9 bilhões — a maior sanção administrativa já aplicada pela Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema). O caso foi noticiado pelo Fantástico, da TV Globo. A Repórter Brasil revelou que Claudecy fornecia gado para frigoríficos da JBS em Barra do Garças e Pedra Preta (MT).

Mas algo passou despercebido pelos jornais na época: dois anos antes, em novembro de 2022, Claudecy Lemes enviou caminhões para os bloqueios de rodovias que visavam impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e criar massa crítica para um golpe de Estado.

Esse é um dos principais achados do relatório “Agrogolpistas“, lançado na quarta-feira passada (25/06) pelo De Olho nos Ruralistas. Ao longo de quatro meses, o observatório consolidou listas de indiciados na Operação Lesa Pátria, em comissões parlamentares e em investigações de órgãos de segurança estaduais, buscando a relação dos golpistas com o agronegócio. Ao todo, o relatório identificou 142 nomes de fazendeiros e empresários do setor que deram suporte logístico e financeiro aos atos antidemocráticos convocados por Jair Bolsonaro e seus ministros.

Uma das empresas de Claudecy, a Comando Diesel Transporte e Logística Ltda, integrava a lista de 43 pessoas físicas e jurídicas que tiveram as contas bancárias bloqueadas por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A medida visava impedir o cerco logístico a Brasília pretendido pelos golpistas.

DESEMBARGADOR CONSIDEROU PRISÃO PREVENTIVA “DESPROPORCIONAL”

Logo após a denúncia da Polícia Civil, em abril de 2024, o Ministério Público de Mato Grosso pediu a prisão preventiva de Claudecy Oliveira Lemes. Em setembro, ele foi inocentado em outro caso, relacionado ao corte raso de 3,8 mil hectares na mesma região, entre os anos de 2013 e 2018. O juiz juiz Antonio Horácio da Silva Neto entendeu que o crime havia prescrito.

Maior desmatador do Pantanal, Claudecy Lemes enviou caminhões para bloqueios golpistas. (Reprodução/Polícia Civil)

No mês passado, em 20 de junho, a Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) negou o pedido de prisão. Os desembargadores seguiram por unanimidade o voto do relator Hélio Nishiyama, que também permitiu que Claudecy continue administrando suas fazendas e as 60 mil cabeças de gado criadas na área destruída. Segundo o desembargador, a prisão preventiva seria “desnecessária, excessiva, desproporcional e desprovida de suporte fático”.

O maior desmatador da história do Pantanal não é o único agrogolpista com passivos ambientais. O relatório conta ainda a história de Gilson Osmar Denardin, dono da Transportes Denardin Ltda, empresa que enviou três caminhões para o acampamento bolsonarista em frente do Quartel General do Exército, em Brasília, de onde saíram os terroristas de 8 de janeiro de 2023. A informação consta na planilha de veículos fichados pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF).

Denardin foi citado em um relatório da ONG estadunidense Mighty Earth, que detectou um alerta de desmatamento em 387 hectares da Fazenda Santa Angélica, entre os municípios de Correntina e Formosa do Rio Preto (BA). O documento aponta que o clã Denardin possui 32 mil hectares no oeste baiano e fornece algodão para as multinacionais Glencore e Louis Dreyfus.

O empresário também figura em levantamento da Repórter Brasil entre os devedores de multas ambientais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que receberam financiamento da John Deere, com intermediação do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Em 2009, Marilane Moresco Denardin, da mesma família, foi incluída na “lista suja” do trabalho escravo após o resgate de catorze trabalhadores na Fazenda Santa Angélica — a mesma onde foi apurado o desmatamento.

Clique aqui para baixar a íntegra do relatório.

| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de pesquisa do De Olho nos Ruralistas. |

|| Tonsk Fialho é pesquisador e repórter. ||

Foto em destaque (Reprodução/Fantástico): 81 mil hectares foram destruídos com coquetel de agrotóxicos, incluindo “agente laranja”

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