Várias etnias ganham representação nas Câmaras e até em prefeituras; entre os eleitos estão 13 vereadores Guarani Kaiowá e Terena, no MS, onde há mas violência contra os povos originários no Brasil
Por Alceu Luís Castilho
Eles existem. O Acre elegeu o primeiro prefeito indígena de sua história, o professor Isaac Pyânko (PMDB), em Marechal Thaumaturgo. Ele é do povo Ashaninka, do Rio Amônia, no Alto Juruá. O município soma-se a São Gabriel da Cachoeira (AM) e São João das Missões (MG) entre os que conseguem emplacar indígenas na prefeitura. Isaac se soma a dezenas de vereadores eleitos em várias Unidades da Federação, do Ceará ao Mato Grosso do Sul. Uma simples olhada para as fotos dos eleitos mostra uma diversidade pouco vista no universo – majoritariamente branco – dos demais eleitos no Brasil.
De Olho nos Ruralistas fez um levantamento preliminar dos candidatos indígenas eleitos. (Se o leitor tiver mais nomes, favor enviar.) Eles estão filiados a diversos partidos. Em alguns casos, competiram em chapas diferentes. Alguns aparecem entre os mais votados em seus municípios.
A lista atualizada – em 09 de outubro de 2016 – tem 117 vereadores.
Ainda no Acre, o município de Santa Rosa do Purus teve dois vereadores indígenas como os mais votados, com pouco mais de cem votos cada: Enio Kulina (PR) e Manoel Kaxinawá (PRP), o Cacique Manoel. Com o petista Gregorio Sereno, outro da etnia Kaxinawá, e Sanowa Kulina (PTN), eles teriam quase metade da Câmara – só que foram eleitos por coligações diferentes. Em Jordão, a Câmara terá Fernando Kaxinawá (PDT). Em Assis Brasil, Lázaro Manchineri (PCdoB). Cacique Nasso Kaxinawá (PCdoB) será mais um representante da etnia, em Tarauacá. O município de Feijó elegeu Décio Hunikui (PSB).
Em Atalaia do Norte (AM), no Vale do Javari, a Câmara Municipal terá seis vereadores indígenas, em onze vagas possíveis. São eles: Marcelo Marke Turu Matís (PSDB, na foto principal, da etnia Matís, contactada somente no fim da década de 70; Gilson Mayuruna (PMDB), o Gaúcho, e Cesar Mayuruna (PSL), dos Mayuruna (Mayoruna, ou Matsé, também presentes no Peru); Manoel Churimpa (PROS), e Armando Marubo (PSDB, o mais votado), ambos do povo Marubo; e Adelson Saldanha, o Kora (PT).
No extremo noroeste do país, São Gabriel da Cachoeira (AM) elegeu novamente um prefeito indígena: Clovis Curubão (PT). O vice-prefeito eleito, Pascoal Alcântara (PT), idem. Com seis vereadores eleitos: Anderson Yanomami (PSL), Basilio Kuripaco (PSL), Alex Fontes (PT), Rafinha Brito (PSL), Professora Otacila Barreto (DEM) e Dieck Diógenes (PR). Ainda no Amazonas, Benjamin Constant elegeu Sildomar Félix (PSOL). Jaime Piasan (PV) foi eleito vereador em Normandia. Mendario Gaspar (DEM), Felilpe Vitorino (PMDB) e Domingo Santos (PR), em Tabatinga, na fronteira com a Colômbia.
Em Jacareacanga (PA), Hans Munduruku foi eleito vice-prefeito, pelo PSC. Os Munduruku também elegeram o tucano Giovani Kaba, vereador mais votado no município, Gersinho Munduruku (PT) e Elinaldo Crixi (PMDB). Vários Kayapó tentaram se eleger no sul do Pará, sem sucesso. A exceção foi Felipe Xere Kayapó (PP), em Cumaru do Norte. No Amapá, a Rede elegeu como vereador Jawaruwa Waiãpi, no município de Pedra Branca do Amapari. Em Roraima, Grigorio Lima, também da Rede, foi o mais votado em Uiramutã. Ele é da comunidade indígena Pedra Branca, na Raposa Serra do Sol. Outros eleitos no estado foram Zacaria Douglas (PSDC), em Bonfim, Roberladio da Malacacheta (PV), em Cantá, Professora Lourdes Brito (PDT), em Uiramutã, e Jaime Piasan (PV), em Normandia.
Três indígenas da etnia Xerente foram eleitos em Tocantínia (TO): Valci Xerente (SD), Ivan Xerente (PV) e Raimundo Xerente (PSDB). O município tem a língua Akwé Xerente como oficial. Em Sandolândia (TO), Cristina Karaja (PSB) foi a segunda mais votada para a Câmara. Formoso do Araguaia (TO) elegeu Robson Haritianã (PRTB), do povo Javaé. O presidente da Câmara de Pedro Afonso, Sipriano Soares (PSL), foi reeleito e também se declara indígena.
NORDESTE
No Ceará, o advogado Weibe Tapeba (PT) foi eleito vereador em Caucaia. É o único do PT no município. A Câmara de Barroquinha terá Erivaldo Carvalho (PSDB), que se declarou indígena e pescador. Em Monsenhor Tabosa, Vicentinho Potyguara (PCdoB) foi não somente reeleito, mas o mais votado, ao lado do tucano Kaio Souto, neto do ex-prefeito e pecuarista José Souto. Os Potiguara estão presentes também na Paraíba e constituem a etnia mais numerosa do Nordeste. Os Tapeba estão restritos ao Ceará, na região de Fortaleza. No século 19, o estado chegou a declarar que não tinha mais indígenas.
No Rio Grande do Norte (RN), Eliana de Branco foi eleita vereadora pelo PTN. Alagoas elegeu dois vereadores em Porto Real do Colégio: Dada da Aldeia (SD) e Uilio da Aldeia (PRP). Em Fernando Falcão (MA), vários candidatos Canela tentaram a Câmara. Mas somente Raul Canela (PSDB) conseguiu. O estado ainda elegeu Marcolino Guajajara (PSDC), em Arame, e Cacique Getulio (PRB), ambos Guajajara.
A Paraíba elegeu vereadores Potiguara em três municípios. Em seu terceiro mandato, a cacique Claudecir Braz (PMDB), a Cal, foi a terceira mais votada em Rio Tinto, que elegeu também o Cacique Sandro (PSB). O município de Baía da Traição terá os vereadores Betto Bass (PRB) e Lú de Pompeu (DEM). Finalmente, em Marcação, foram eleitos nada menos que seis parlamentares — entre nove vereadores – da etnia. Quatro deles estão entre os cinco mais votados: Rafael Santos (PSB, o 1º), Giovane Cândido (PSD, o 2º), Rauny Barbosa (PR, o 4º) e Gillard de Grupiúna (PSL, o 5º). Os outros são Joseane de Lima (PRB) e Samuel Santos (PSL). Baía da Traição e Marcação têm hoje prefeitos indígenas, refletindo a proporção populacional (70%), mas os eleitos para o período 2017-2020 não são.
Em Pesqueira (PE), o presidente da Câmara – Sil Xukuru (PTB) – foi o vereador mais votado. Com mais três vereadores indígenas eleitos: José Carlos Índio (PRP), Expedito Cabral (PSC), o Biá, e Severino Índio (PTB). Todos Xukuru, etnia que vive na cidade e na Serra de Ororubá. Três Pankararu tentaram em Tacaratu (PE). Quem chegou lá foi Celo Pankararu (PV). Em Jatobá, ainda em Pernambuco, três Pankararu foram eleitos: Ronaldo de Valdenor (DEM), Cleomar (PV) e Zezão (PSB). E, em Águas Belas, foi a vez dos Fulni-ô, com a eleição de Max Fulni-ô (PDT) e Valdo do Xixiakla (PT) para o Legislativo.
Gerson Pataxó (PT) foi o segundo mais votado em Pau Brasil, na Bahia. O PT também elegeu Cacique Flavio, do povo Kaimbé, em Euclides da Cunha. E a professora Sheila Silva, do povo Papaya, em Morro do Chapéu. Agrício Souza (PSDC) elegeu-se em Banzaê e representará os Kiriri. Elias Barros (PMDB), em Lajedo do Tabocal. Cacique Aruã (PCdoB) passou raspando em Santa Cruz Cabrália, mas não entrou – embora tenha tido mais votos que três entre os eleitos. Indiara Passos (PDT), que se declarou artesã, e Josué Sampaio (PSD), comerciante, sim. Porto Seguro elegeu o Cacique Renivaldo (PV), mais um da etnia Pataxó. É um dos poucos que não aparecem na lista de candidatos indígenas feita pela Rádio Yandê. O agricultor Zerivaldo (PSD) foi eleito em Olindina. E Joedson Ribeiro (PDT), em Rodelas.
CENTRO-OESTE
No Mato Grosso do Sul, o professor Eder Oliveira (PMDB) foi o candidato mais votado em Dois Irmãos do Buriti. O município elegeu também o tucano Eber Reginaldo. Em Sidrolândia (MS), Otacir Figueiredo (PROS), o Gringo, e Clodinaldo Protocio (PROS), reeleito, também conseguiram uma vaga na Câmara. Em Miranda, Adilson Antonio (PSL) o Zebra. Em Paranhos, Cleber Valiente (PSDB), de apenas 18 anos. E, em Nioaque, Vadeci Reis (PMDB) foi o segundo mais votado. Gringo, Eber, Eder, Adilson, Cleber, Clodinaldo e Valdeci são da etnia Terena – que, ao lado dos Guarani Kaiowá e Guarani Ñandeva, é vítima da violência contra povos indígenas territorialmente mais concentrada do Brasil.
Os Guarani Kaiowá elegeram seis vereadores, em cinco municípios. Em Tacuru, Luiza Montiel (DEM) e Valino Gomes (PT). Em Amambaí, o professor Ismael Morel (PMDB). Em Japorã, o professor Joaquim Hara (PRP), segundo mais votado, e Adelina Amurilio (PRP). E, em Caarapó, o professor Alécio Martins (PSDB). O município teve uma das ofensivas mais recentes de fazendeiros, descrita pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) como Massacre de Caarapó, que culminou com o assassinato de Clodiode de Souza, um Guarani Kaiowá de 26 anos.
O Mato Grosso elegeu Mutua Mehinaku (SD), do povo Kuikuro, em Gaúcha do Norte. Ele é mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com dissertação sobre o pluralismo de línguas e pessoas no Alto Xingu. O município elegeu ainda Carlinho Mehinako (PRB). Claudio Werikina Karaja (SD) foi eleito em Luciara (MT) e representará os Karajá. Em Feliz Natal, o povo Ikpeng conseguiu eleger o primeiro indígena na Câmara: Txonto Ikpeng do Xingu. O mesmo aconteceu em Comodoro, onde a primeira indígena será também a mais jovem vereadora do município – Érica Negarotê (PRB), da etnia Nambikwara. Ela tem 18 anos.
Em Bom Jesus do Araguaia, ainda no Mato Grosso, o segundo vereador mais votado foi um Xavante, Vanderlei Temireté (PSDB). Ele é da Terra Indígena Marãiwatsédé – invadida na última década por fazendeiros, muitos deles políticos. A etnia também emplacou um vereador em Santo Antônio do Leste, Leonardo Xavante (PV). E em Campinápolis, com Libercio Ernesto Serewiba (PV). O povo Xavante foi o único no Brasil a eleger um deputado federal, Mario Juruna, nos anos 80.
SUL E SUDESTE
A região Sul elegeu nove vereadores. Dois deles em São Valério do Sul: o Kaingang Siduelio Miguel (PT), reeleito, e Vergilio Camargo (PMDB). O município de Iraí elegeu Jadir Jacinto (PP). Em Tenente Portela a Câmara terá Valdones Joaquim (PSD), o Cacique Valdones. O PCdoB conseguiu eleger Derli Bento, o Professor Derli, mais um representante dos Kaingang, em Redentora. O PT ainda emplacou Elizeu Garcia em Benjamin Constant do Sul. O PP, Jaco Antonio, em Charrua. O PPS, Claudete Tomaz, em Gramado dos Loureiros. Santa Catarina elegeu Lourival Monconagn Vei-Tchá Téiê (PMDB), no município de Vitor Meireles.
No Sudeste, o terceiro mais votado – reeleito – para a Câmara de Carmésia (MG) foi Alexandre Borges de Jesus (PT), o Xé Pataxó. Em Santa Helena de Minas (MG), no Vale do Mucuri, Margarida Maxacali (PRB) foi a segunda mais votada. E Maria Diva Maxacali (PMDB) é a nova vice-prefeita. Isael Maxacali (PP) também representará a etnia, só que na vizinha Ladainha (MG).
Minas Gerais também elegeu um prefeito, Zé Nunes (PT), em São João das Missões. De quebra, no mesmo município, a vice-prefeita, Dona Zita, e os vereadores Zinho de Merindo (PT), Dão de Rosavo (PT), Otelice Nunes (PTB) e Wagney de Dario (PSD). Todos graças aos votos do povo Xakriabá.
COMPRA DE VOTOS
Houve tentativa de comprar votos indígenas em pelo menos dois municípios do Mato Grosso, Comodoro e Pontal do Araguaia. O mesmo aconteceu em Amaturã, no Amazonas. Um comerciante aliciava os eleitores em plena praça no centro do município. Em Miranda, no Mato Grosso do Sul, um homem foi preso no dia 26 de setembro por compra de votos em uma aldeia indígena. Ele é filho da prefeita eleita, Marlene Bossay (PMDB), produtora agropecuária.
Em Jenipapo dos Vieiras, no Maranhão, a candidata Abigail Cunha (PSDB) apareceu com polícia e cestas básicas para conquistar os votos dos indígenas da Aldeia Castanhal, de etnia Guajajara. Foi expulsa.
(Com informações iniciais de Elaíze Farias, Gleice Antonia de Oliveira, Janete Melo, Spensy Pimentel e complemento de mais de 15 leitores; atualização, no dia 09/10, com base nos dados da Rádio Yandê.)
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