Fundador da Recepta Biopharma exalta os sócios Jovelino Mineiro e Emílio Odebrecht, financiadores do projeto; diz que não tem relação com Fundação FHC e elogia governo Lula
Por Alceu Luís Castilho
Fundador da Recepta Biopharma, a ReceptaBio, José Fernando Perez atendeu a reportagem com estranhamento. Não vê relação entre a empresa e o tema principal da série, a relação entra agronegócio e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – a quem diz admirar. Ele se mostrou incomodado com as perguntas sobre os sócios Jovelino Mineiro, pecuarista amigo de FHC (um dos artífices da Fundação FHC), e o empreiteiro Emílio Odebrecht.
Perez fez questão de elogiá-los várias vezes, como financiadores – a fundo perdido – do projeto de pesquisa contra o câncer de ovário. Por muitos anos diretor científico da Fundação para o Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o físico conta que deixou a instituição para se dedicar à ReceptaBio. E por isso é grato aos dois empresários, que possuem, cada um, cerca de 18% ações da empresa.
O maior acionista é o Instituto Ludwig de Pesquisa contra o Câncer, com sede em Nova York, com cerca de 30% das ações. Mas Jovelino Mineiro e Emílio Odebrecht, reitera, são decisivos na manutenção da equipe, com cerca de 36% dos investimentos. “O Fernando Henrique tem pouco nexo com a Recepta”, diz o cientista. “Embora ele tenha uma relação histórica com o Jovelino”.
José Fernando Perez diz ser amigo de Jovelino Mineiro – e não de Fernando Henrique Cardoso. “Ele foi a primeira pessoa que procurei quando apareceu a oportunidade”, relata. De Emílio Odebrecht, não é próximo, embora enfatize as ótimas relações de trabalho. “Tenho profunda admiração por ele”, diz. “Só posso ter respeito pelo trabalho que fizeram aqui. Não tenho nenhuma preocupação [no que se refere à Recepta] quanto à situação atual dele”.
A história da sociedade entre Perez, Jovelino e Odebrecht pode ser lida aqui: “FHC, o Fazendeiro – Empresa de Emílio Odebrecht e Jovelino Mineiro, Recepta Biopharma tem BNDESpar e Finep como sócias”.
Em relação a Fernando Henrique Cardoso, Perez procurar adotar uma posição de admiração, mas não de proximidade. A ponto de elogiar várias vezes os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, por causa da Lei de Inovação Tecnológica – aprovada em dezembro de 2004, no primeiro governo do presidente Lula.
O observatório perguntou a Perez o motivo de José de Oliveira Costa, advogado de Fernando Henrique, participar de uma assembleia de acionistas da empresa, como procurador, e assinar em nome de Emílio Odebrecht. “É advogado do Jovelino Mineiro também”, justifica. Ele diz que também já representou o empreiteiro em algumas reuniões:
– O Costa pode ter representado, sim, qualquer sócio pode nomear um representante seu. Acho que ocorreu uma vez, por alguma razão. É um fato tão sem relevância. É possível. Essas reuniões são sempre coisas tão combinadas, que é mais para assinar o que já foi acordado. Não tem nenhum significado, provavelmente o Emílio estava fora do país.
Ele acha que isso ocorreu somente em uma reunião – conforme pesquisa do De Olho nos Ruralistas, ocorreu em 2015. “Eu tenho procuração do Jovelino”, exemplifica. “Se você olhar as atas todas que estão na Junta Comercial, você vai ver que sempre fui representante do Jovelino e do Emílio nas assembleias”.
Perez diz que não consegue fazer uma ponte entre o nome de FHC e o trabalho da Recepta, a não ser pela proximidade do ex-presidente com Jovelino – que Fernando Henrique chama de Nê. “Eu era diretor científico da Fapesp e Jovelino financiou o projeto Genoma do Boi”, relata. “Não o conhecia antes disso. Foi uma coisa bacana, ele investiu mais que a própria Fapesp”.
Ele prossegue, muitas vezes falando, no plural, dos dois investidores:
– Claro que não fico contente de ver sócio meu [Emílio Odebrecht] com esse tipo de exposição, de envolvimento [na Lava-Jato], mas a atividade dele não tem nada a ver com a Recepta. Pelo que fizeram tenho profunda admiração, porque investiram dinheiro e não receberam nenhum puto até agora. Tem uma incerteza muito grande. Colocaram porque acreditaram que tinha um projeto muito importante, de inovação. Ter um investidor com essa disponibilidade é muito raro, por isso admiro os dois.
Jovelino Mineiro é criador de gado de elite, fundador da Central Bela Vista, considerada a maior empresa de genética bovina do país. Ela foi vendida em 2011 para uma cooperativa de fazendeiros holandeses e belgas. Sua sede atual, em Botucatu (SP), faz fronteira com as propriedades – um canavial – da Goytacazes Participações, em nome de Beatriz, Luciana e Paulo Henrique Cardoso: “FHC, o Fazendeiro – Fazenda da família de Fernando Henrique em Botucatu (SP) é um canavial sem casa e sem cercas“.
O pesquisador conta que foi cogitado para assumir o Ministério da Ciência e Tecnologia durante o governo FHC. Mas ele não podia. “Mas relação com Fundação FHC, zero. Não tenho nenhuma relação física ou jurídica. Posso ter participado de eventos, no máximo”. Ele se diz admirador do presidente, mas raramente tem tempo de ir às reuniões. “Não tem nenhuma relação com a Recepta”, insiste. E novamente:
– A Recepta não tem nada a ver com agronegócio. Zero. Meu conhecimento com Jovelino é do tempo de diretor científico da Fapesp. Precisava de investidores, foram investidores iniciais, continuam até hoje como sócios. É uma empresa de biotecnologia. Estou incomodado com as correlações. Não tenho nada a ver com agronegócio. Nada a ver com a fundação. Sou admirador do Fernando Henrique e pronto.
Sobre Jovelino Mineiro ter sondado o então ministro Clóvis Carvalho, com intermediação de FHC, para ser um dos sócios da empresa, ele diz não ter conhecimento. A descrição dessa conversa – sem menção a Perez – está nos “Diários da Presidência”. “A Recepta não tem nada a ver com genética bovina”, descreve. “Trabalha com biotecnologia na área de saúde humana”.
Segundo José Fernando Perez, a BNDESpar, holding do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social, possui cerca de 12% das ações da Recepta Biopharma. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), cerca de 10%. BNDESPar (2012) e Finep (2013) entraram depois no projeto, e nessa ordem. “Mas fomos muito apoiados pela Finep desde o começo”, observa. “É uma coisa bastante clara”.
Segundo ele, a Recepta foi a primeira empresa brasileira que licenciou patente para droga contra o câncer, com apoio da Finep. “Só posso ser grato à política de inovação implantada nesse período. A Recepta se beneficiou muito da política de inovação dos últimos governos, que mudaram a cultura de inovação”.
Ele considera que a Lei de Inovação, inicialmente concebida durante o governo FHC, foi aperfeiçoada “sem dúvida nenhuma” durante o governo Lula, “de uma forma muito mais ousada”, permitindo o apoio – antes proibido – a projetos inovadores. “Houve uma mudança cultural, bem significativa. A Recepta se beneficiou bem dessa visão do governo Lula que teve continuidade no governo da Dilma”.
LEIA A SÉRIE COMPLETA:
“FHC, o Fazendeiro – tudo sobre as terras da família, os amigos pecuaristas e a Odebrecht”.