Manifestações, trancamento de rodovias, atividades de formação e ocupação de mineradora marcaram início de jornada de lutas de movimentos do campo, que se estenderá até o dia 14
Por Julia Dolce
Mulheres camponesas, indígenas e quilombolas participaram ativamente das mobilizações do Dia Internacional da Mulher pelo Brasil. A jornada, que teve início nesta sexta-feira, seguirá até o dia 14, quando se completa um ano do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL). Trabalhadores rurais e movimentos do campo estão entre os grupos mais atingidos pelas medidas já tomadas pelo governo Bolsonaro ao longo dos dois meses de mandato.
Uma das principais bandeiras da atual jornada das mulheres camponesas é a perspectiva de aprovação da reforma da Previdência. Militantes de organizações que formam a internacional Via Campesina, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), além de cooperativas campesinas, denunciam que serão as mais prejudicadas com as mudanças entregues por Bolsonaro ao Congresso.
Em Teresina, as mulheres do MPA participaram de uma audiência com o presidente do Tribunal de Justiça, Sebastião Martins, e o juiz auxiliar da Previdência, José Airton Medeiros. Na reunião, o movimento denunciou a visão de que as mulheres do campo não aguentarão, além das jornadas duplas, parte das mudanças apresentadas na proposta do governo, como a equivalência da idade mínima da aposentadoria rural entre homens e mulheres para 60 anos. Elas reivindicaram medidas de combate ao aumento da violência contra a mulher, não apenas no Piauí, mas em todo o país.
As campesinas sergipanas, integrantes principalmente do MST, focaram sua mobilização, realizada nesta tarde, na pauta da Previdência. Elas se juntaram às ribeirinhas e às mulheres da cidade na capital Aracaju e marcharam até a Assembleia Legislativa do estado, de lá seguindo para o Tribunal de Justiça e finalizando o ato na sede regional do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).
Os movimentos do campo realizaram grandes manifestações nas capitais e municípios no interior de pelo menos 19 estados ao longo do dia. Além das marchas, as camponesas organizaram feiras de alimentos orgânicos, denunciando o abuso de agrotóxicos utilizados no agronegócio. O governo Bolsonaro aprovou o registro de 86 novos pesticidas segundo levantamento realizado pelo De Olho nos Ruralistas – a ser detalhado na semana que vem.
As feiras foram realizadas em municípios como Quedas do Iguaçu (PR), onde parte dos alimentos foi doada para duas entidades que trabalham com crianças de famílias de baixo poder aquisitivo. A doação de alimentos também foi realizada pelas camponesas do MST em outro município da região Sul, para a Comunidade Católica Mãe de Deus de Bagé (RS). Em Cruz Alta (RS), doações de alimentos orgânicos foram feitas para o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Um Lugar ao Sol.
Em Natal, agricultoras do MST distribuíram cerca de 15 toneladas de alimentos à população, por meio da Feira da Solidariedade Agroecológica da Reforma Agrária, realizada no Espaço Cultural Ruy Pereira. A comunidade da Lagoa Mundaú, em Maceió, recebeu alimentos de acampamentos e assentamentos potiguares do MST.
Outras atividades marcaram o início da jornada de lutas das campesinas neste 8 de março. Ações de formação aconteceram em diversos assentamentos. Na Escola do Campo Paulo Freire, localizada no assentamento que leva o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Santa Cruz de Cabrália (BA), foi organizado um seminário sobre o Dia Internacional da Mulher e as pautas das mulheres do campo. Na região do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, mulheres de diferentes assentamentos se reuniram para iniciar o dia estudando conceitos do feminismo.
Em Porto Alegre, um painel sobre a Soberania Alimentar e a Defesa dos Territórios fechou um dia de palestras sobre a condição da mulher campesina.
Mulheres de diferentes etnias se mobilizaram pelo país, seguindo o tom de denúncia inaugurado, após a posse de Bolsonaro, pelos próprios movimentos indígenas. Fortemente afetados por mudanças no processo de demarcação de terras, após a Fundação Nacional do Índio (Funai) perder essa função, transferida para o Ministério da Agricultura, os indígenas realizaram a primeira manifestação massiva contra Bolsonaro no dia 31 de janeiro, finalizando a campanha que chamaram de Janeiro Vermelho.
Em Chapecó (SC), mulheres indígenas ergueram cartazes pedindo “demarcação já!” e denunciaram as políticas anti-indígenas do governo, somando-se aos outros movimentos que participaram da mobilização de hoje, como relatou o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Mulheres dos povos Xukuru Kariri, Wassu Vocal, Karapoto, Tinguiboto, Kariri Xocó, Katokin Jeripanko, Karuazu Kalanko e Xocó, de Sergipe, participaram de uma grande ocupação em trecho da BR-101, na fronteira com Alagoas. A principal pauta foi a denúncia das propostas de municipalização da saúde indígena, que colocariam em xeque o subsistema de saúde indígena, trazido pela Lei 9.836/1999, normativa estabelecida há vinte anos que estabelece a União como financiadora do sistema.
Trancamento de rodovia foi a mesma forma de protesto utilizada pelas mulheres do povo Tupinambá de Olivença (BA). A ocupação ocorreu na BA-001, entre os municípios de Ilhéus e Una, onde se localiza a aldeia Acuípe de Baixo, em protesto contra a municipalização da saúde indígena e as violências que afetam as mulheres indígenas.
No extremo sul do estado, os Pataxó, liderados pelas mulheres, fecharam outro trecho da BR-101, na altura do Parque de Monte Pascoal, região conhecida por históricos conflitos entre ruralistas e indígenas. Elas reivindicaram acesso à saúde e protestaram contra a MP 870, a que retirou poderes da Funai. Elas pediram agilidade nas demarcações de seus territórios.
No Pará, o povo Gavião da Terra Indígena Mãe Maria realizou um trancamento da rodovia BR-222, protestando pela saúde indígena e pela demarcação imediata de seus territórios ocupados. Em Santa Inês (MA), as mulheres do povo Guajajara dançaram segurando as mãos umas das outras, em alusão ao lema “ninguém solta a mão de ninguém”, que se tornou mote da resistência ao governo Bolsonaro.
Representantes de comunidades quilombolas participaram de manifestações em municípios como Belém e Patos (PB), onde ocorreu a Caminhada da Mulher. Em Salvador, cidade mais negra fora da África, organizações quilombolas como o Instituto Quilombo, a Revista Quilombo e Coletivo Quilombo participaram da organização da marcha do 8 de março.
As mulheres do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) também se mobilizaram pelo país neste Dia Internacional da Mulher. Denunciando principalmente a responsabilidade da Vale nos crimes de Brumadinho e de Mariana, e alertando para o impacto de tragédias do tipo para as mulheres atingidas, elas marcharam em São Paulo, no Espírito Santo e em municípios como Fortaleza, Teresina, Altamira (PA), Indaibira (MG) e Porto Belo (SC).
Uma das principais ferramentas de resistência dos movimentos campesinos, a ocupação de terras e de sedes de empresas deixou igualmente sua marca neste Dia Internacional da Mulher. Na madrugada desta sexta-feira, as mulheres do MST e do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) ocuparam uma unidade da mineradora australiana Mirabela Nickel, em Ipiaú (BA), fechando os portões da empresa. O objetivo da ação foi denunciar o descaso e a violência do modelo minerador brasileiro.
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