Francisco de Assis Alves Mendes tinha sido internado no dia 29, dois dias após a recriação da Aliança dos Povos da Floresta, uma iniciativa do irmão famoso, assassinado em 1988; estado está entre aqueles onde ocorre avanço da pandemia no Brasil
Por Alceu Luís Castilho
O sargento aposentado Francisco de Assis Alves Mendes morreu na tarde desta terça-feira (04), em Rio Branco. O policial militar era o irmão mais novo do líder seringueiro Chico Mendes, assassinado em dezembro de 1988, internacionalmente conhecido como ambientalista e defensor dos povos da floresta. Assis Mendes estava internado na UTI do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), na capital acreana. Ele tinha comorbidades (diabetes, problemas cardíacos e hipertensão) e estava entubado desde quinta-feira, com 90% do pulmão comprometido.
A morte de Assis, aos 58 anos, foi informada por parentes nas redes sociais. Um deles, Elenira Mendes, filha de Chico, uma das crianças que estavam na casa em Xapuri, em 1988, quando o pai foi assassinado pelos fazendeiros Darci Alves dos Santos, que fazia tocaia nos fundos da casa ao lado do pai Darly Alves. Ela tinha 4 anos e assistia TV na sala com a mãe, Ilzamar Mendes, e o irmão, Sandino, então com 2 anos.
Assis Mendes chegou a ser condenado pelo assassinato de um pistoleiro conhecido como Zezão que, no início de 1989, ameaçava outro irmão dele e de Chico, Zuza Mendes.
O enterro de Assis Mendes será realizado na manhã desta quarta-feira, sem o velório que a família gostaria de fazer. A internação de Assis Mendes ocorreu dois dias após a recriação de uma aliança criada pelo irmão Francisco Alves Mendes Filho nos anos 80, e um dia após publicarmos esta notícia: “Contra Covid-19, indígenas e seringueiros do Acre recriam Aliança dos Povos da Floresta“.
A família fazia campanha por doação de plasma de qualquer tipo sanguíneo. Assis Mendes deixou a mulher e três filhos.
Ilzamar Mendes, a viúva de Chico Mendes, declarou-se arrasada: “Meus filhos tão sofrendo pela tragédia e pelo fato de não podermos nem nos despedir dele”. “Estamos arrasados por ele ser uma pessoa tão boa e não poder ter a oportunidade de um enterro e um velório dignos que ele tanto merecia”, afirmou Deusamar Alves.
Deusamar é cunhada de Chico e de Assis, viúva de Zuza Mendes, falecido em 2015. “A família está muito abalada, mas agradece às pessoas que estiveram do nosso lado nesse momento, também às que foram até o Hemoacre doar sangue”, disse. “Ficam as boas lembranças da pessoa maravilhosa que ele era”
O advogado Gomercindo Rodrigues, o Guma, postou em seu Facebook uma homenagem ao amigo. “Assis era um cara tranquilo, na dele, mas quando precisou resolver foi lá e resolveu”, escreveu. “Tem meu respeito. Vá em paz, guerreiro!” Guma se refere a um fato histórico: Zuza Mendes estava sendo ameaçado de morte, pouco tempo após o assassinato de Chico Mendes.
E ganhou o apoio do irmão Assis, que saiu em busca de um pistoleiro chamado José Cândido de Araújo, conhecido como Zezão, supostamente escalado para matar o vizinho Zuza. Assis Mendes chegou a ser condenado pelo homicídio de Zezão. Segundo Gomercindo, em uma pena inicialmente em regime aberto, depois substituída por restrição de direitos.
O corpo de Zezão foi encontrado no km 20 da Rodovia 317, que liga Brasileia a Rio Branco, informou na época o Estadão. Ele tinha sido preso no dia 29 de dezembro de 1988 pela PM do Acre, suspeito de participar da morte de Chico Mendes. “Assis saiu de Rio Branco e foi para Xapuri tirar satisfações, pois o Zezão era um cara perigoso”, conta Gomercindo..
Chico Mendes era o filho mais velho. Em seguida vinha José Alves Mendes, o Zuza. Uma das duas irmãs, Celiza Mendes, faleceu em dezembro. Ela e Zuza tinham diabetes. Restam agora apenas dois irmãos do sindicalista, Margarida e Lino Mendes. Nenhum deles no Acre: ambos vivem em Rondônia.
A notícia sobre a morte de Assis Mendes pode ser lida nos seguintes veículos: AC 24 Horas, Ecos da Notícia, Folha do Acre, Juruá Online, Notícias da Hora e O Alto Acre. Até o fechamento desta edição, a imprensa nacional ainda não tinha noticiado seu falecimento.
O nome de Chico Mendes está inscrito desde setembro de 2004 no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, um monumento na Praça dos Três Poderes, em Brasília, que abriga o Livro dos Heróis, criado em 1989 para homenagear grandes brasileiros. Seus nomes precisam ser aprovados pelo Congresso. O nome de Chico Mendes foi aprovado por iniciativa da então senadora Marina Silva, do PT, hoje o grande nome da Rede Sustentabilidade.
Em dezembro de 2018, quando se completaram trinta anos da morte de Chico Mendes, foram feitas homenagens ao seringueiro no Acre. Os repórteres Cristina Uchôa e Glauco Faria participaram do evento em Xapuri e fizeram um relato para o De Olho nos Ruralistas: “Conflitos fundiários no Acre podem voltar ao nível da década de 80“.
Um do entrevistados foi Gomercindo Rodrigues, que falava das perspectivas para 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro:
— A situação hoje, infelizmente, e a perspectiva para o ano que vem é ainda pior, é de que nós estamos voltando a antes de 1988, a uma situação de conflito, de ameaça. Já teve casa de seringueiro queimada aqui no ano passado e este ano, reconstruída a casa, fazendeiro passou com trator por cima e derrubou. Enfim… isso em Xapuri, onde todo mundo pensa que está tudo tranquilo, porque tem a reserva.
O Livro dos Heróis, feito de bronze e aço, inclui os nomes de Tiradentes, marechal Deodoro da Fonseca, Dom Pedro I, duque de Caxias, almirante Tamandaré e Zumbi dos Palmares.
| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas |
Imagem principal (Reprodução e Valter Campanato/Agência Brasil): montagem com fotos de Assis e Chico Mendes no local onde o seringalista foi assassinado, em 1988
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