Financiado por mineradoras e por dono de frigoríficos, Joaquim Passarinho (PL-PA) defende o garimpo em terras indígenas, como a dos Yanomami; os dois se encontraram no dia 23 de novembro, um mês antes da tentativa de atentado no aeroporto de Brasília
Por Mariana Franco Ramos
“Nós temos um casamento com a mineração, não tem como fugir disso”. A frase é de Joaquim Passarinho (PL-PA), político de carreira, aliado de Jair Bolsonaro e um dos principais interlocutores dos garimpeiros no Congresso. Às 12h04 do dia 23 de novembro de 2022, ele recebeu em seu gabinete na Câmara o terrorista George Washington de Oliveira Sousa, de 54 anos, que um mês depois tentaria explodir um caminhão com querosene perto do Aeroporto Internacional de Brasília.
O encontro foi revelado pelo site O Antagonista, que obteve os dados de visitação via Lei de Acesso à Informação (LAI). À reportagem, o deputado federal reeleito alegou não conhecer “esse senhor”. “Nesse período recebi muitas comissões de paraenses que estavam em Brasília”, disse. “Queriam informações principalmente do que o presidente faria”, completou, sobre possíveis ações de Bolsonaro frente à derrota nas urnas.
Uma semana antes da visita, Passarinho esteve no quartel-general (QG) do Exército, na capital federal, e posou para fotos ao lado de golpistas. “Todos juntos pela democracia e pelo Brasil”, escreveu. Na data seguinte, ele publicou um post em suas redes sociais defendendo a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o que chamou de abusos de autoridade do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
George Washington é cearense, mas vive em Xinguara (PA) e já declarou endereço em Marituba, na região metropolitana de Belém. Estava há pelo menos uma semana acampado no mesmo QG que Passarinho visitou, por não aceitar o resultado das eleições presidenciais. Utilizou seu registro de caçador, atirador e colecionador (CAC) para montar um arsenal, que pretendia distribuir a outros bolsonaristas. Foi preso na noite de 24 de dezembro.
Passarinho foi o quarto deputado federal mais votado em Xinguara.
De Olho nos Ruralistas contou que o endereço do terrorista no Pará em Marituba coincide com o de seu tio Sebastião José de Souza, dono da Transportadora Patriarca e de uma vasta rede de postos de gasolina em cinco estados da Amazônia Legal: “Endereço de George Washington coincide com o de dono de transportadora“.
No dia 08 de janeiro, quando terroristas invadiram e depredaram as sedes do Supremo, do Congresso e do Palácio do Planalto, Passarinho primeiro elogiou os protestos. Depois, recuou. “Parabenizo toda e qualquer manifestação popular, pacífica, ordeira, que mostra seu apoio ou desapontado (sic) com atos e/ou governos”, escreveu, no Twitter.
“O povo hoje sabe seus direitos, aprendeu a cobrar não somente em eleições”, completou. “Povo na rua é democracia na essência!”. Duas horas e meia depois, diante da repercussão negativa, inclusive internacionalmente, ele lamentou o ocorrido: “Dia triste hoje em Brasília. Manifestantes estão apenas produzindo provas contra eles mesmo. Faltou inteligência e comando”.
Outros membros da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), entre eles o presidente do grupo, Pedro Lupion (PP-PR), foram na mesma linha: “Deputados ruralistas defendem o terror em Brasília ou o minimizam“. Os ruralistas já vinham colocando em dúvida a lisura do processo eleitoral e defendendo bandeiras de caráter golpista, como a punição a ministros do STF.
Autor do PL 6432/2019, que autoriza empresas a comprarem ouro diretamente da atividade predatória, Passarinho foi o escolhido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para comandar o Grupo de Trabalho de Revisão do Código de Mineração (GT Minera). “Conheço garimpo de dentro do garimpo, daqueles que nem energia tem”, disse o deputado, em uma das audiências sobre o tema.
O GT Minera foi criado em 16 de junho de 2021, uma semana depois de a a polícia reprimir um protesto de indígenas contra o PL 490/2007, que institui a tese do Marco Temporal, e também contra o PL 191/2020, que muda as regras da mineração, possibilitando a exploração em terras indígenas.
O garimpo é a principal causa da crise sanitária e humanitária registrada na TI Yanomami, em Roraima, uma vez que tem como consequência direta a contaminação dos rios por mercúrio.
Durante o governo Bolsonaro, também houve um aumento de 334% na área de mineração de ouro e estanho nas terras dos Munduruku, no sudoeste do Pará. Os dados são provenientes da plataforma MapBiomas e foram compilados com exclusividade pelo De Olho para o relatório “As Veias Abertas“.
A área destinada somente ao estanho teve um aumento exorbitante de 4.215,5%. Em 2018, o garimpo deste minério ocupava 53,6 hectares, passando a 2.314 hectares em 2021. No mesmo período, a Terra Indígena (TI) Apyterewa, em São Félix do Xingu (PA), apresentou um aumento de 475,9% na área garimpada por ouro. O garimpo na TI Yanomami teve aumento de 328,6%.
No dossiê, o observatório mostrou que Passarinho trouxe para a discussão do GT grupos diretamente interessados na aprovação do PL 191, como a Associação Nacional do Ouro (Anoro), enquanto excluiu o setor ambiental e os movimentos sociais, caso do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Dos quinze membros do GT, sete pertencem à Frente Parlamentar Mista da Mineração, sete à Frente Parlamentar Mista em Apoio ao Carvão Mineral e dez compõem a FPA. Apenas Airton Faleiro (PT-PA) e Odair Cunha (PT-MG) não integravam a base aliada a Bolsonaro.
O parlamentar mantém uma relação próxima com Raul Jungmann, diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), e com lobistas como José Altino Machado, o Zé Altino, e Dirceu Frederico Sobrinho. É também um interlocutor frequente de políticos locais. Um deles, o deputado estadual eleito Wescley Tomaz (MDB-PA), tem acesso livre à alta cúpula do governo federal. Conhecido como o “vereador dos garimpeiros”, Tomaz exercia mandato na Câmara Municipal de Itaituba (PA).
Segundo reportagem da Agência Pública, desde janeiro de 2019 o vereador participou de ao menos onze reuniões com autoridades da Agência Nacional de Mineração (ANM) e do Ministério de Minas e Energia (MME). Esteve em encontros com os ex-ministros Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), Ricardo Salles (Meio Ambiente), Onyx Lorenzoni, Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e registrou 14 entradas na Câmara — a maioria com destino ao gabinete 334, de Passarinho.
Fundador da União Sindical dos Garimpeiros da Amazônia Legal (Usagal) e ex-presidente da Fundação Instituto de Meio Ambiente e Migração da Amazônia (Finama), Zé Altino comandou vários garimpos abertos na Amazônia, conforme reportagem de parceria entre Amazônia Real e Repórter Brasil, “Ouro do Sangue Yanomami“.
No início da semana, falamos sobre a relação dele com o ex-vice-presidente e senador eleito Hamilton Mourão (Republicanos-RS): “Mourão recebia responsável por invasões na TI Yanomami em seu gabinete“.
De acordo com o documento Quem é quem nas discussões do novo Código de Mineração, cerca de 30% do total arrecadado pelo deputado federal em doações de campanha em 2014 foram provenientes de empresas ligadas à mineração. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou que Passarinho recebeu R$ 100 mil da Vale Manganês, subsidiária da Vale.
Seu patrimônio declarado é hoje de R$ 1,8 milhão. Na campanha à reeleição, em 2022, ele recebeu R$ 50 mil de Roberto Resende Paulinelli, dono do Friguaçu e do Frigorífico Rio Maria. Este último possui autuações ambientais que chegam a R$ 306 mil nos últimos seis anos por compra de bois de áreas irregulares.
O deputado é sobrinho de Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho, da Previdência e da Educação durante a ditadura de 1964. Depois, ministro da Justiça durante o governo Fernando Collor de Mello. Especificamente em relação aos povos indígenas, Jarbas tomou decisões protetoras e foi influente na garantia de direitos na Constituição — em movimento contrário ao do sobrinho.
Foto principal (Reprodução): defensor do garimpo, Joaquim Passarinho é um dos bolsonaristas mais ferrenhos
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